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Pode-se fazer um cataplasma de lama para arrefecer uma febre. Pode-se plantar sementes em lama e cultivar alimentos para alimentar os filhos. A lama nutre, ao passo que o fogo apenas consome, mas tolos, crian­ças e jovens raparigas escolhem sempre o fogo.

Atrás do príncipe, Sor Gerris Drinkwater sussurrava qualquer coisa a

Yronwood. Sor Gerris era tudo o que o príncipe não era: alto, esguio e bem parecido, com uma elegância de espadachim e uma esperteza de cortesão. Selmy não duvidava de que muitas donzelas dornesas tinham passado os dedos por aquele cabelo a que o sol dera madeixas e tinham tirado com bei­jos aquele sorriso provocador dos seus lábios. Se tivesse sido este o príncipe, as coisas podiam ter corrido de outra forma, não conseguiu evitar pensar... mas havia em Drinkwater algo um pouco agradável em demasia para o seu gosto. Moeda falsa, pensou o velho cavaleiro. Já conhecera homens assim.

O que quer que Sor Gerris estivesse a murmurar devia ser divertido, pois o seu grande amigo calvo soltou uma súbita gargalhada, suficiente­mente sonora para o próprio rei virar a cabeça para os dorneses. Quando viu o príncipe, Hizdahr zo Loraq franziu o sobrolho.

Sor Barristan não gostou daquele franzido. E quando o rei chamou o primo Marghaz para mais perto, se inclinou e lhe murmurou ao ouvido, gostou ainda menos.

Não prestei nenhum juramento a Dome, disse Sor Barristan a si pró­prio. Mas Lewyn Martell fora seu Irmão Ajuramentado, nos tempos em que os laços entre os membros da Guarda Real ainda eram profundos. Não pude ajudar o Príncipe Lewyn no Tridente, mas posso ajudar agora o seu sobrinho. Ü Martell estava a dançar num ninho de víboras, e nem sequer via as serpentes. A sua contínua presença ali, mesmo depois de Daenerys se ter entregue a outro perante os olhos dos deuses e dos homens, era capaz de provocar qualquer marido, e Quentyn já não tinha a rainha para o proteger da ira de Hizdahr. Se bem que...

A ideia atingiu-o como um estalo na cara. Quentyn crescera na corte de Dome, Conspirações e venenos não lhe eram estranhos. E o Príncipe Lewyn não era o seu único tio. Ele é da família da Víbora Vermelha. Dae­nerys tomara outro como consorte, mas se Hizdahr morresse estaria livre para voltar a casar. Poder-se-ia o Tolarrapada ter enganado? Quem poderá dizer que os gafanhotos se destinavam a Daenerys? Foi no camarote do rei, e se sempre se tivesse pretendido que fosse ele a vítima? A morte de Hizdahr teria esmagado a frágil paz. Os Filhos da Harpia teriam reatado os assassí­nios, os yunkaitas a guerra. A Daenerys poderia não restar nenhuma opção melhor do que Quentyn e o seu pacto de casamento.

Sor Barristan ainda lutava com aquela suspeita quando ouviu o som de botas pesadas a subir os degraus de pedra ao fundo do salão. Os yunkai­tas tinham chegado. Três Sábios Mestres lideravam o cortejo da Cidade Amarela, trazendo cada um a sua comitiva armada. Um dos esclavagis­tas usava um tokar de seda castanha fimbriado de ouro, outro um tokar verde-escuro e laranja, o terceiro uma ornamentada placa de peito com cenas eróticas embutidas, trabalhadas em azeviche, jade e madrepérola. O capitão mercenário Barba Sangrenta acompanhava-os com uma saca de couro atirada sobre um ombro maciço, e uma expressão de divertimento e assassínio na cara.

Nada de Príncipe Esfarrapado, notou Selmy. Nem de Ben Castanho Plumm. Sor Barristan examinou friamente o Barba Sangrenta. Dá-me meio motivo para dançar contigo, e veremos quem ri por fim.

Reznak mo Reznak serpenteou em frente.

—   Sábios Mestres, honrais-nos. Sua Radiância, o Rei Hizdahr, dá as boas-vindas aos seus amigos de Yunkai. Compreendemos que...

—  Compreende isto. — O Barba Sangrenta tirou uma cabeça cortada da saca e atirou-a ao senescal.

Reznak soltou um guincho de medo e saltou para o lado. A cabeça passou por ele a saltitar, deixando manchas de sangue no chão de mármore púrpura enquanto rolava, até ir parar de encontro ao pé do trono de dra­gão do Rei Hizdahr. Ao longo de todo o salão, Feras de Bronze baixaram as lanças. Goghor, o Gigante, avançou pesadamente para se ir pôr à frente do trono do rei, e o Gato Malhado e Khrazz avançaram para o lado dele, formando uma muralha.

O Barba Sangrenta riu-se.

—   Ele 'tá morto. Não morde.

Cautelosamente, tão cautelosamente, o senescal aproximou-se da ca­beça e ergueu-a delicadamente pelo cabelo.

—   O Almirante Groleo.

Sor Barristan olhou o trono de relance. Servira tantos reis que não conseguiu evitar imaginar como teriam eles reagido àquela provocação. Aerys ter-se-ia encolhido de terror, provavelmente cortando-se nas farpas do Trono de Ferro, e depois teria guinchado aos seus soldados para faze­rem os yunkaitas em bocados. Robert teria gritado pelo martelo de guerra para pagar ao Barba Sangrenta em géneros. Até Jaehaerys, julgado fraco por muitos, teria ordenado a prisão do Barba Sangrenta e dos esclavagistas yunkaitas.

Hizdahr ficou imóvel, um homem paralisado. Reznak pousou a ca­beça numa almofada de cetim aos pés do rei, e depois debandou, com a boca torcida numa careta de desagrado. Sor Barristan sentiu o cheiro do pesado perfume floral do senescal a vários metros de distância.

O morto fitava com ar reprovador. A sua barba estava castanha de sangue coagulado, mas um fiozinho vermelho ainda lhe escorria do pesco­ço. Pelo aspeto, fora necessário mais do que um golpe para lhe separar a ca­beça do corpo. Ao fundo do salão, peticionários começaram a escapulir-se. Um dos Feras de Bronze arrancou a máscara de falcão e pôs-se a cuspir o pequeno-almoço.

Barristan Selmy não era inexperiente em cabeças cortadas. Mas aquela... atravessara meio mundo com o velho lobo-do-mar, de Pentos a Qarth e de regresso até Astapor. Groleo era um bom homem. Não merecia este fim. Tudo o que alguma vez quis foi voltar para casa. O cavaleiro ficou tenso, à espera.

—   Isto — disse por fim o Rei Hizdahr — isto não é... não estamos contentes, isto... que significa este... este...

O esclavagista do tokar castanho apresentou um pergaminho.

—   Tenho a honra de trazer esta mensagem do conselho de mestres.

         — Desenrolou o pergaminho. — Está aqui escrito: "Sete entraram em Meereen para assinar os acordos de paz e testemunhar os jogos de celebração na Arena de Daznak. Como garantia da sua segurança, sete reféns foram-nos entregues. A Cidade Amarela chora o seu nobre filho Yurkhaz zo Yunzak, o qual pereceu cruelmente enquanto hóspede de Meereen. Sangue deve ser pago com sangue."

Groleo tinha mulher em Pentos. Filhos, netos. Porquê ele, de todos os reféns? Tanto lhogo, como Herói ou Daario Naharis comandavam com­batentes, mas Groleo fora um almirante sem frota. Terão tirado à sorte, ou terão achado que Groleo era o menos valioso para nós, aquele que seria me­nos provável provocar represálias?, perguntou o cavaleiro a si próprio... mas era mais fácil fazer essa pergunta do que dar-lhe resposta. Não tenho talento para desatar estes nós.

—   Vossa Graça — gritou Sor Barristan. — Se vos aprouver recordar, o nobre Yurkhaz morreu por acidente. Tropeçou nas escadas enquanto ten­tava fugir do dragão e foi esmagado sob os pés dos seus próprios escravos e companheiros. Ou isso, ou o coração rebentou de terror. Era velho.

—   Quem é este que fala sem autorização do rei? — perguntou o no­bre yunkaita com o tokar listado, um homem pequeno com um queixo recuado e dentes grandes demais para a boca. Fazia lembrar a Selmy um coelho. — Terão os senhores de Yunkai de ouvir os resmungos de guardas?