O Balaq Preto comandava mil arcos. Na juventude, Jon Connington partilhara do desdém que a maior parte dos cavaleiros sentia por arqueiros, mas tornara-se mais sábio no exílio. À sua maneira, a seta era tão mortífera como a espada, portanto insistira que, para a longa viagem, o Harry Sem-Abrigo Strickland dividisse os homens sob o comando de Balaq em dez companhias de cem homens e pusesse cada uma num navio diferente.
Seis desses navios tinham-se aguentado suficientemente bem juntos para entregar os seus passageiros nas costas do Cabo da Fúria (os outros quatro estavam atrasados mas os volantenos asseguravam-lhes que acabariam por aparecer, embora Griff julgasse igualmente provável que estivessem perdidos ou que tivessem desembarcado noutros pontos), o que deixava a companhia com seiscentos arcos. Para aquilo, duzentos revelaram-se suficientes.
— Eles tentarão enviar corvos — disse ele ao Balaq Preto. — Observa a torre do meistre. Aqui. — Apontou para o mapa que desenhara na lama do acampamento. — Abate todas as aves que partirem do castelo.
— Faremos isso — respondeu o ilhéu do verão.
Um terço dos homens de Balaq usava bestas, outro terço usava os arcos de dupla curvatura, de chifre e tendão, que se usavam no leste. Melhores eram os grandes arcos longos de teixo usados pelos arqueiros de sangue westerosi, e os melhores de todos eram os grandes arcos de amagodouro acarinhados pelo próprio Balaq Preto e pelos seus cinquenta ilhéus do verão. Só um arco de osso de dragão tinha maior alcance do que um arco feito de amagodouro. Independentemente do tipo de arco que usavam, todos os homens de Balaq eram veteranos de olhos penetrantes e experientes que tinham provado o seu valor numa centena de batalhas, incursões e escaramuças. E voltaram a prová-lo no Poleiro do Grifo.
O castelo erguia-se na costa do Cabo da Fúria, num majestoso penhasco de rocha vermelha escura, rodeado por três lados pelas águas encapeladas da Baía dos Naufrágios. A sua única abordagem era defendida por um portão fortificado, atrás do qual se estendia a longa, estreita e nua saliência a que os Connington chamavam garganta do grifo. Forçar entrada pela garganta podia ser coisa sangrenta, uma vez que a saliência expunha os atacantes às lanças, pedras e setas dos defensores nas duas torres redondas que flanqueavam os portões principais do castelo. E depois de chegarem a esses portões, os homens lá dentro podiam despejar-lhes azeite a ferver em cima das cabeças. GrifTcontava perder cem homens, talvez mais.
Perderam quatro.
Permitira-se que a floresta invadisse o campo em frente do portão fortificado, e Franklyn Flowers teve oportunidade de usar a vegetação rasteira para se ocultar e levar os seus homens até vinte metros do portão, antes de sair de entre as árvores com o aríete que tinham fabricado ainda no acampamento. Madeira a bater em madeira trouxe dois homens às ameias; os arqueiros do Balaq Preto abateram-nos a ambos antes de terem tempo de esfregar o sono para fora dos olhos. O portão mostrou estar fechado, mas não trancado; cedeu ao segundo golpe, e os homens de Sor Franklyn tinham já percorrido metade da garganta quando um corno de guerra fez soar o alarme no castelo propriamente dito.
O primeiro corvo levantou voo quando os ganchos de abordagem dos atacantes arqueavam por cima da muralha exterior, o segundo alguns momentos mais tarde. Nenhuma ave voou cem metros antes de uma seta a abater. Um guarda no interior despejou um balde de azeite em cima do primeiro homem a chegar aos portões, mas como não tinham tido tempo de o aquecer, o balde provocou mais danos do que o seu conteúdo. Depressa se ouviram ressoar espadas em meia dúzia de locais ao longo das ameias. Os homens da Companhia Dourada treparam entre os merlões e correram pelos adarves gritando "Um grifo! Um grifo!," o antigo grito de batalha da Casa Connington, o que deve ter deixado os defensores ainda mais confusos.
Minutos depois, tudo terminou. Griff cavalgou o corcel branco garganta fora, ao lado do Harry Sem-Abrigo Strickland. Quando se aproximaram do castelo viu um terceiro corvo a levantar voo da torre do meistre, voo que terminou com uma seta do próprio Balaq Preto.
— Não quero mais mensagens — disse a Sor Franklyn Flowers, no pátio. A coisa seguinte a sair em voo da torre do meistre foi o meistre. Com a maneira como batia os braços, podia ter sido confundido com outra ave.
Isso foi o fim de toda a resistência. Os guardas que restavam tinham deitado fora as armas. E foi com toda aquela rapidez que o Poleiro do Grifo voltou a ser seu, e jon Connington voltou a ser um senhor.
— Sor Franklyn — disse — percorrei a torre de menagem e as cozinhas e ponde a mexer cá para fora toda a gente que encontrardes. Maio, faz o mesmo com a torre do meistre e com o armeiro. Sor Brendel, os estábulos, septo e casernas. Trazei-os para o pátio e tentai não matar ninguém que não insista em morrer. Queremos conquistar as terras da tormenta para o nosso lado, e não o faremos com massacres. Assegurai-vos de olhar para baixo do altar da Mãe, há aí uma escada escondida que leva a um refugio secreto. E há outra junto da torre noroeste que leva diretamente ao mar. Ninguém pode fugir.
— Não fugirão, senhor — prometeu Franklyn Flowers.
Connington viu-os a afastar-se em corrida, e depois chamou o Semi-meistre com um gesto.
— Haldon, encarrega-te da colónia de corvos. Terei mensagens a enviar esta noite.
— Esperemos que nos tenham deixado alguns corvos.
Até o Harry Sem-Abrigo estava impressionado com a rapidez da vitória.
— Nunca pensei que fosse tão fácil — disse o capitão-general enquanto se dirigiam ao grande salão para dar uma olhadela ao esculpido e dourado Cadeirão do Grifo, no qual cinquenta gerações de Conningtons se tinham sentado e de onde haviam governado.
— Tornar-se-á mais difícil. Até agora apanhámo-los de surpresa. Isso não pode durar para sempre, mesmo que o Balaq Preto abata todos os corvos do reino.
Strickland estudou as tapeçarias desbotadas nas paredes, as janelas arqueadas com a sua miríade de painéis losangulares de vidro vermelho e branco, as fileiras de lanças, espadas e martelos de guerra.
— Eles que venham. Este sítio consegue resistir contra vinte vezes mais homens do que os que temos, desde que estejamos bem aprovisionados. E vós dizeis que há maneira de entrar e sair por mar?
— Lá em baixo. Uma angra escondida sob o penhasco, que só aparece na maré baixa. — Mas Connington não tinha qualquer intenção de os "deixar vir." O Poleiro do Grifo era forte mas pequeno, e enquanto estivessem ali pareceriam também pequenos. Contudo, havia outro castelo por perto, muito maior e inexpugnável. Se tomar esse, o reino tremerá. — Tendes de me desculpar, capitão-general. O senhor meu pai está enterrado por baixo do septo e passaram-se demasiados anos desde a última vez que rezei por ele.
— Claro, senhor.
Mas quando se separaram, Jon Connington não se dirigiu ao septo. Em vez disso, os passos levaram-no ao telhado da torre oriental, a mais alta do Poleiro do Grifo. Enquanto subia, lembrou-se de anteriores ascensões; uma centena com o senhor seu pai, o qual gostava de subir e olhar os bosques, os penhascos e o mar, sabendo que tudo o que via pertencia à Casa Connington, e uma (só uma!) com Rhaegar Targaryen. O Príncipe Rhaegar regressava de Dorne, e ele e a escolta tinham-se demorado ali uma quinzena. Era tão novo nessa altura, e eu mais novo era. Rapazes, os dois. No banquete de boas-vindas, o príncipe pegara na sua harpa de cordas de prata e tocara para eles. Uma canção de amor e perdição, recordou Jon Connington, e todas as mulheres no salão estavam a chorar quando pousou a harpa. Os homens não, claro. Em especial o pai de Jon, cujo único amor era a terra. O Lorde Armond Connington passara a noite inteira a tentar conquistar o príncipe para o seu lado na disputa com o Lorde Morrigen.