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A porta que levava ao telhado da torre estava de tal forma emper­rada que era claro que ninguém a abria havia vários anos. Teve de lhe encostar o ombro para a obrigar a abrir. Mas quando Jon Connington saiu para as ameias elevadas, a vista era tão inebriante como a recordava: o penhasco com os seus rochedos esculpidos pelo vento e as suas agulhas irregulares, o mar lá em baixo, a rosnar e a roer a base do castelo como um animal inquieto, intermináveis léguas de céu e nuvens, a floresta com as suas cores outonais.

—   As terras do vosso pai são belas — dissera o Príncipe Rhaegar, mesmo ali onde Jon se encontrava agora. E o rapaz que ele fora respondera:

—   Um dia serão todas minhas. — Como se isso pudesse impressionar um príncipe que era herdeiro do reino inteiro, da Árvore à Muralha.

O Poleiro do Grifo fora seu, a seu tempo, ainda que apenas durante alguns curtos anos. Dali, Jon Connington governara vastas terras que se estendiam muitas léguas para oeste, norte e sul, tal como o pai e o pai do pai antes dele. Mas o pai e o pai do pai nunca tinham perdido as suas terras. Ele perdera. Subi alto demais, amei demasiado, tive demasiado atrevimento. Tentei agarrar uma estrela, não a alcancei e caí.

Após a Batalha dos Sinos, depois de Aerys Targaryen lhe tirar os tí­tulos e o enviar para o exílio num ataque louco de ingratidão e suspeita, as terras e senhoria tinham ficado na Casa Connington, passando para o pri­mo Sor Ronald, o homem que Jon tornara castelão quando fora para Porto Real servir o Príncipe Rhaegar. Robert Baratheon completara a destruição dos grifos depois da guerra. O primo fora autorizado a ficar com o castelo e a cabeça, mas perdera a senhoria, passando a ser apenas o Cavaleiro do Poleiro do Grifo, e nove décimos das suas terras foram-lhe tiradas e acaba­ram distribuídas por senhores vizinhos que tinham apoiado a pretensão de Robert.

Ronald Connington morrera anos antes. Dizia-se que o atual Cava­leiro do Poleiro do Grifo, o seu filho Ronnet, andava por longe, na guerra nas terras fluviais. Ainda bem. Segundo a experiência de Jon Connington, os homens lutarão por coisas que julgam suas, mesmo coisas que ganharam através do roubo. Não lhe agradava a ideia de festejar o regresso matando alguém da sua família. O pai do Ronnet Vermelho fora rápido a aprovei­tar-se da queda do senhor seu primo, era certo, mas o filho era uma criança nesse tempo. Jon Connington nem sequer odiava tanto o falecido Sor Ronald como poderia ter odiado. A culpa era sua.

Perdera tudo no Septo de Pedra, devido à sua arrogância.

Robert Baratheon estivera escondido algures na vila, ferido e sozinho. Jon Connington sabia-o, e também sabia que a cabeça de Robert na pon­ta de uma lança poria fim à rebelião, ali e naquele momento. Era jovem e cheio de orgulho. Como não o ser? O Rei Aerys nomeara-o Mão e dera-lhe um exército, e ele pretendia demonstrar-se merecedor dessa confiança, do amor de Rhaegar. Mataria pessoalmente o lorde rebelde, e esculpiria para si um lugar em todas as histórias dos Sete Reinos.

E assim caíra sobre o Septo de Pedra, fechara a vila e dera início a uma busca. Os seus cavaleiros foram de casa em casa, arrombando todas as portas, espreitando para todas as caves. Até mandara homens rastejar pelos esgotos mas, sem que entendesse como, Robert continuara a fugir-lhe. A gente da vila estava a escondê-lo. Mudavam-no de um esconderijo secreto para outro, sempre um passo à frente dos homens do rei. Toda a vila era um ninho de traidores. Por fim encurralaram o usurpador num bordel. Que tipo de rei era aquele, que se escondia atrás das saias das mulheres? Mas en­quanto a busca se prolongava, Eddard Stark e Hoster Tully caíram sobre a vila com um exército rebelde. Seguiram-se os sinos e a batalha, Robert saíra do seu bordel de espada na mão, e quase matara Jon nos degraus do velho septo que dera o nome à vila.

Depois disso, durante anos, Jon Connington dissera a si próprio que a culpa não fora sua, que fizera tudo o que qualquer homem podia fazer. Os seus soldados passaram busca a todos os buracos e casebres, oferecera per­dões e recompensas, capturara reféns e pendurara-os em gaiolas de corvos e jurara que não teriam nem comida nem bebida até que Robert lhe fosse entregue. Tudo para nada.

—  Nem o Tywin Lannister em pessoa poderia ter feito mais — insis­tira uma noite com o Coração Negro, durante o seu primeiro ano de exílio.

—   É aí que te enganas — respondera Myles Toyne. — O Lorde Tywin não teria perdido tempo com uma busca. Teria queimado aquela vila e to­das as criaturas vivas que ela contivesse. Homens e rapazes, bebês de peito, nobres cavaleiros e santos septões, porcos e rameiras, ratazanas e rebeldes, tê-los-ia queimado a todos. Quando os incêndios se apagassem e só restas­sem cinzas e brasas, teria mandado os seus homens encontrar os ossos de Robert Baratheon. Mais tarde, quando o Stark e o Tully aparecessem com a sua hoste, ter-lhes-ia oferecido perdões a ambos, e eles teriam aceitado e regressado a casa com os rabos entre as pernas.

Ele não se enganava, refletiu Jon Connington, encostado às ameias dos seus antepassados. Eu desejava a glória de matar Robert em combate singular e não queria o nome de carniceiro. Por isso Robert escapou-me, e abateu Rhaegar no Tridente.

—   Falhei ao pai — disse — mas não falharei ao filho.

Quando Connington desceu, os seus homens tinham reunido no pá­tio a guarnição e os plebeus sobreviventes do castelo. Embora Sor Ronnet estivesse de facto algures para norte com Jaime Lannister, o Poleiro do Gri­fo não estava totalmente privado de grifos. Entre os prisioneiros contava-se o irmão mais novo de Ronnet, Raymund, a sua irmã Alynne e o seu filho ilegítimo, um feroz rapaz ruivo a que chamavam Ronald Storni. Todos da­riam reféns úteis se e quando o Rennet Vermelho regressasse para tentar recuperar o castelo que o pai roubara. Connington ordenou que fossem confinados à torre ocidental, sob guarda. A rapariga desatou a chorar ao ouvir aquilo, e o bastardo tentou morder o lanceiro que estava mais perto dele.

—   Parai com isso, os dois — ordenou. — Nenhum mal acontecerá a nenhum de vós, a menos que o Ronnet Vermelho mostre ser um completo idiota.

Só alguns dos cativos estavam ali ao serviço quando Jon Connington fora senhor: um sargento grisalho, cego de um olho; um par de lavadeiras; um palafreneiro que fora moço de estrebaria durante a Rebelião de Robert; a cozinheira que se tornara enormemente gorda; o armeiro do castelo. Griff deixara a barba crescer durante a viagem, pela primeira vez em muitos anos, e para sua surpresa nascera ruiva, na sua maior parte, embora aqui e ali a cinza espreitasse por entre o fogo. Vestido com uma longa túnica vermelha e branca decorada com os grifos gémeos da sua Casa, de um no outro e batalhantes, parecia uma versão mais velha e severa do jovem senhor que fora amigo e companheiro do Príncipe Rhaegar... mas os homens e mulheres do Poleiro do Grifo continuavam a fitá-lo com olhos de estranhos.

—   Alguns de vós reconhecem-me — disse-lhes. — Os outros apren­derão. Sou o vosso legítimo senhor, regressado do exílio. Os meus inimigos disseram-vos que estou morto. Essas histórias são falsas, como podeis ver. Servi-me fielmente como servistes o meu primo, e nenhum mal tem de acontecer a nenhum de vós.

Fê-los avançar um por um, perguntou o nome a cada homem e de­pois pediu-lhes para ajoelharem e lhe jurarem fidelidade. Tudo se proces­sou com rapidez. Os soldados da guarnição — só quatro tinham sobrevivi­do ao ataque, o velho sargento e três rapazes — depuseram as armas a seus pés. Ninguém mostrou relutância. Ninguém morreu.

Nessa noite, no grande salão, os vencedores banquetearam-se com carnes assadas e peixe acabado de pescar, empurrado para baixo com ricos vinhos tintos vindos da adega do castelo. Jon Connington presidiu, sentado no Cadeirão do Grifo, partilhando a mesa elevada com o Harry Sem-Abri­go Strickland, o Balaq Preto e Franklyn Flowers e os três jovens grifos que tinham feito cativos. As crianças eram do seu sangue e sentia que devia conhecê-las, mas quando o rapaz bastardo anunciou: