— Ovos cozidos, pão frito e feijões. E uma bilha de vinho. O pior vinho que houver na adega.
— O... o pior, senhor?
— Ouviste-me.
Depois da comida e do vinho serem trazidos, trancou a porta, esvaziou a bilha para dentro de uma bacia e ensopou nela a mão. Lavagens e banhos com vinagre eram o tratamento que a Senhora Lemore determinara para o anão, quando temera que ele pudesse ter escamagris, mas pedir uma bilha de vinagre todas as manhãs revelaria o jogo. Vinho teria de servir, embora não visse motivo para desperdiçar uma boa colheita. As unhas de todos os quatro dedos estavam agora negras, embora a do polegar ainda não estivesse. No dedo médio, o cinzento ultrapassara o segundo nó. Devia cortá-los, pensou, mas como explicaria dois dedos a menos? Não se atrevia a permitir que se soubesse da escamagris. Por estranho que parecesse, homens que enfrentariam alegremente a batalha e arriscariam a morte para salvar um companheiro abandonariam esse mesmo companheiro num piscar de olhos se se soubesse que ele tinha escamagris. Devia ter deixado que o maldito anão se afogasse.
Mais tarde nesse dia, de novo vestido e enluvado, Connington fez uma inspeção ao castelo e mandou dizer ao Harry Sem-Abrigo Strickland e aos seus capitães para se lhe juntarem para um conselho de guerra. Reuniram-se nove no aposento privado; Connington e Strickland, Haldon Semimeistre, o Balaq Preto, Sor Franklyn Flowers, Maio Jayn, Sor Brendel Byrne, Dick Cole e Lymond Pease. O Semimeistre tinha boas novas.
— Chegaram ao acampamento notícias de Marq Mandrake. Os volantenos puseram-no em terra naquilo que acabou por ser Estermonte, com perto de quinhentos homens. Tomou Pedraverde.
Estermonte era uma ilha ao largo do Cabo da Fúria, que nunca fora um dos seus objetivos.
— Os malditos volantenos estão tão ansiosos por se verem livres de nós que andam a despejar-nos em qualquer bocado de terra que vejam — disse Franklyn Flowers. — Aposto que também temos rapazes espalhados por metade dos malditos Degraus.
— Com os meus elefantes — disse Harry Strickland, num tom fúnebre. Tinha saudades dos elefantes, o velho Harry Sem-Abrigo.
— Mandrake não tem arqueiros consigo — disse Lymond Pease. — Sabemos se Pedraverde enviou corvos antes de cair?
— Suponho que sim — disse Jon Connington — mas que mensagens teriam eles transportado? No máximo um relato confuso sobre atacantes vindos do mar. — Mesmo antes de zarparem de Volon Therys, dera instruções aos seus capitães para não mostrarem estandartes durante os primeiros ataques; nem o dragão de três cabeças do Príncipe Aegon, nem os seus grifos, nem os crânios e os estandartes de batalha dourados da companhia. Os Lannister que suspeitassem de Stannis Baratheon, de piratas vindos dos Degraus, de fora-da-lei saídos das florestas ou de quem quer que quisessem culpar. Se os relatos que chegassem a Porto Real fossem confusos e contraditórios, tanto melhor. Quanto mais lento fosse o Trono de Ferro a reagir, mais tempo teriam para reunir as suas forças e atrair aliados para a sua causa. — Deve haver navios em Estermonte. Aquilo é uma ilha. Haldon, manda dizer a Mandrake para deixar uma guarnição para trás e trazer o resto dos seus homens para o Cabo da Fúria, juntamente com quaisquer cativos nobres que tenha arranjado.
— Às vossas ordens, senhor. Acontece que a Casa Estermont tem laços de sangue com ambos os reis. Bons reféns.
— Bons resgates — disse o Harry Sem-Abrigo, feliz.
— Também está na altura de mandarmos buscar o Príncipe Aegon — anunciou o Lorde Jon. — Ele estará mais seguro aqui atrás das muralhas do Poleiro do Grifo do que no acampamento.
— Eu mando um cavaleiro — disse Franklyn Flowers — mas posso dizer-vos já que o rapaz não gostará muito da ideia de ficar seguro. Ele quer estar no centro das coisas.
Todos nós o quisemos, na idade dele, pensou o Lorde Jon, recordando.
— Será que chegou a altura de içar a bandeira dele? — perguntou
Pease.
— Ainda não. Porto Real que pense que isto não passa de um senhor exilado que voltou para casa com umas quantas espadas contratadas para reclamar os seus direitos de nascença. É uma velha história familiar, essa. Eu até vou escrever ao Rei Tommen, dizendo isso mesmo e pedindo um perdão e a devolução das minhas terras e títulos. Isso dar-lhes-á algo para roer durante algum tempo. E enquanto eles vacilam, mandaremos mensagens em segredo a potenciais amigos nas terras da tempestade e na Campina. E em Dorne. — Esse era o passo crucial. Senhores de menor estatuto podiam juntar-se à sua causa por temerem danos ou por esperarem ganhos, mas só o Príncipe de Dorne tinha o poder de desafiar a Casa Lannister e os seus aliados. — Acima de tudo temos de ter Doran Martell do nosso lado.
— Há poucas hipóteses disso acontecer — disse Strickland. — O dornês tem medo da própria sombra. Não é aquilo a que se poderá chamar ousado.
Tal como tu.
— O Príncipe Doran é um homem cauteloso, é verdade. Ele nunca se juntará a nós, a menos que esteja convencido de que ganharemos. Portanto, para o persuadir, temos de mostrar a nossa força.
— Se Peake e Rivers tiverem sucesso, controlaremos a maior parte do Cabo da Fúria — argumentou Strickland. — Quatro castelos noutros tantos dias, é um magnífico começo, mas ainda só temos metade das nossas forças. Precisamos de esperar pelo resto dos meus homens. Também nos faltam cavalos e os elefantes. Eu digo para esperarmos. Para reunirmos o nosso poder, conquistarmos alguns pequenos senhores para a nossa causa, deixarmos que Lysono Maar envie os seus espiões para ficarmos a saber o que pudermos sobre os nossos inimigos.
Connington deitou ao rechonchudo capitão-general um olhar frio. Este homem não é nenhum Coração Negro, nenhum Açamargo, nenhum Maelys. Esperaria até que os sete infernos congelassem, se pudesse, em vez de correr o risco de sofrer outro ataque de borbulhas.
— Não atravessámos meio mundo para esperar. A nossa melhor hipótese é atacar duramente e depressa, antes de Porto Real saber quem somos. Tenciono tomar Ponta Tempestade. Um forte quase inexpugnável, e a última base de Stannis Baratheon no sul. Depois de tomado, dar-nos-á uma fortaleza segura para onde retirar se necessário, e conquistá-la provará a nossa força.
Os capitães da Companhia Dourada trocaram olhares.
— Se Ponta Tempestade ainda for controlada por homens leais a Stannis, estaremos a tirar-lha a ele, não aos Lannister — objetou Brendel Byrne. — Porque não fazer causa comum com ele contra os Lannister?
— Stannis é irmão de Robert, da mesma laia que derrubou a Casa Targaryen — fez-lhe lembrar Jon Connington. — Além disso, está a mil léguas de distância, com as magras forças que ainda comanda. Entre nós estende-se todo o reino. Precisaríamos de meio ano só para chegarmos junto dele, e tem menos que pouco a oferecer-nos.
— Se Ponta Tempestade é assim tão inexpugnável, como tencionais tomá-la? — perguntou Maio.
— Através de uma artimanha.
O Harry Sem-Abrigo Strickland discordou.
— Devíamos esperar.
— E esperaremos. — Jon Connington pôs-se em pé. — Dez dias. Mais não. Precisaremos desse tempo para nos prepararmos. Na manhã do décimo primeiro dia, partimos para Ponta Tempestade.
O príncipe chegou para se lhes juntar quatro dias mais tarde, cavalgando à cabeça de uma coluna de cem cavaleiros, com três elefantes a avançar pesadamente na retaguarda. A Senhora Lemore vinha com ele, de novo vestida com o trajo branco de uma septã. A frente vinha Sor Rolly Campopato, com um manto branco como a neve a escorrer-lhe dos ombros.