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Um homem sólido e fiel, pensou Connington enquanto via o Pato desmontar, mas não é digno da Guarda Real. Fizera os possíveis para dis­suadir o príncipe de dar a Campopato aquele manto, fazendo notar que era melhor manter a honraria de reserva para guerreiros de maior renome cuja lealdade pudesse adicionar esplendor à sua causa, e para os filhos mais novos de grandes senhores de cujo apoio necessitaria na luta que aí vinha, mas o rapaz não se deixara demover.

—  O Pato morrerá por mim, se tiver de ser — dissera — e isso é tudo o que eu exijo da minha Guarda Real. O Regicida também era um guerrei­ro de grande renome e filho de um grande senhor.

Pelo menos convenci-o a deixar os outros seis lugares em aberto, caso contrário o Pato podia ter seis patinhos a correr atrás dele, cada um mais fulgurantemente inadequado do que o anterior.

—  Escoltai Sua Graça ao meu aposento privado — ordenou. — Ime­diatamente.

Mas o Príncipe Aegon Targaryen não era nem por sombras tão obe­diente como o Jovem Griff fora. Passou-se a maior parte de uma hora antes de aparecer no aposento privado, com o Pato ao lado.

—  Lorde Connington — disse — gosto do vosso castelo.

As terras do teu pai são belas, disse ele. O cabelo prateado estava a ser soprado pelo vento, e os seus olhos eram de um profundo tom de púrpura, mais escuros que os deste rapaz.

—   Tal como eu, Vossa Graça. Por favor, sentai-vos. Sor Rolly, não teremos mais falta de vós por agora.

—   Não, eu quero que o Pato fique. — O príncipe sentou-se. — Esti­vemos a conversar com Strickland e Flowers. Falaram-nos desse ataque a Ponta Tempestade que estais a planear.

Jon Connington não deixou transparecer a fúria que sentiu.

—  E o Harry Sem-Abrigo tentou convencer-vos a adiá-lo?

—  Por acaso tentou — disse o príncipe — mas eu não o vou fazer. O Harry é uma velha donzela, não é? Vós tendes razão, senhor. Quero que o ataque se realize... com uma alteração. Pretendo liderá-lo.

A SACRIFICADA 

No largo ajardinado da aldeia, os homens da rainha montaram a sua pira.

Ou deveria ser largo nevado? A neve chegava aos joelhos em todo o lado, exceto onde os homens a tinham limpo à pazada para abrir buracos no chão gelado com machados, pás e picaretas. O vento turbilhonava de oeste, empurrando ainda mais neve por sobre a superfície gelada dos lagos.

—  Não quereis ver isto — disse Aly Mormont.

—   Não, mas quero. — Asha Greyjoy era filha da lula gigante, não uma donzela apaparicada que não suportava olhar para coisas feias.

Fora um dia escuro, frio e esfomeado, como o dia anterior, e o dia antes desse. Tinham passado a maior parte dele no meio do gelo, a tremer ao lado de um par de buracos que tinham cortado no mais pequeno dos lagos gelados, agarrando linhas de pesca com mãos tornadas desajeitadas pelas luvas. Pouco tempo antes, podiam aspirar a pescar um ou dois peixes cada um, e os homens da mata de lobos, mais habituados a pescar no gelo, tiravam da água quatro ou cinco. Naquele dia, Asha só conseguira regressar com um frio que lhe chegava aos ossos. Aly não se saíra melhor. Tinham-se passado três dias desde que qualquer delas apanhara um peixe.

A Ursa voltou a tentar.

—  Eu não quero ver isto.

Não é a ti que os homens da rainha querem queimar.

—   Então ide-vos embora. Tendes a minha palavra, não fugirei. Para onde iria? Para Winterfell? — Asha riu-se. — Só a três dias a cavalo, dizem.

Seis homens da rainha lutavam com dois enormes postes de pinho para os enfiar em buracos que outros seis homens da rainha tinham cava­do. Asha não precisava de perguntar o que tencionavam fazer. Sabia. Es­tacas. O cair da noite chegaria em breve, e o deus vermelho tinha de ser alimentado. Uma oferenda de sangue efogo, chamavam-lhe os homens da rainha, para que o Senhor da Luz vire o seu olho fogoso para nós e derreta estas três vezes malditas neves.

—  Mesmo neste lugar de medo e trevas, o Senhor da Luz protege-nos — disse Sor Godry Farring aos homens que se reuniram para ver as estacas a serem enfiadas nos buracos à martelada.

—  Que tem o vosso deus do sul a ver com a neve? — quis saber Artos Flint. A sua barba negra estava coberta de gelo. — Isto foi a faria dos deuses antigos que caiu sobre nós. É a eles que temos de apaziguar.

—  Pois — disse o Grande Balde Wull. — O Vermelho Rahlu não sig­nifica nada por aqui. Só irritaremos os deuses antigos. Eles observam-nos da sua ilha.

A aldeia dos camponeses ficava entre dois lagos, o maior dos quais era salpicado de pequenas ilhas cobertas de floresta que trespassavam o gelo como os punhos gelados de algum gigante afogado. Numa dessas ilhas erguia-se um represeiro, nodoso e antigo, cujo tronco e ramos eram tão brancos como a neve circundante. Oito dias antes Asha saíra com Aly Mormont para ver mais de perto os seus olhos vermelhos fendidos e a sua boca sangrenta. É só seiva, dissera a si própria, a seiva vermelha que corre no interior destes represeiros. Mas os seus olhos não ficaram convencidos; ver era crer, e o que eles viram foi sangue congelado.

—   Vós, os nortenhos, fizestes cair estas neves sobre nós — insis­tiu Corliss Penny. — Vós e as vossas árvores demoníacas. R'hllor salvar-nos-á.

—   R'hllor perder-nos-á — disse Artos Flint.

Merda para ambos os vossos deuses, pensou Asha Greyjoy.

Sor Godry, o Mata-Gigantes, examinou as estacas, empurrando uma delas para se assegurar de que estava firmemente no lugar.

—   Ótimo. Ótimo. Servirão. Sor Clayton, trazei o sacrifício.

Sor Clayton Suggs era o forte braço direito de Godry. Ou deveria cha­mar-lhe o seu braço mirrado? Asha não gostava de Sor Clayton. Enquanto Farring parecia feroz na devoção ao seu deus vermelho, Suggs era simples­mente cruel. Vira-o nas fogueiras noturnas, a observar, com os lábios en­treabertos e os olhos ávidos. Não é o deus que ele adora, são as chamas, concluíra. Quando perguntara a Sor Justin se Suggs sempre fora assim, ele fizera uma careta.

—  Em Pedra do Dragão jogava com os torturadores, e dava-lhes uma ajuda nos interrogatórios aos prisioneiros, especialmente se o prisioneiro fosse uma mulher jovem.

Asha não ficara surpreendida. Não duvidava de que Suggs obteria um deleite especial de a queimar. A menos que as tempestades amainem.

Estavam a três dias de Winterfell há dezanove. Cem léguas de Bos­que Profundo a Winterfell. Trezentas milhas em voo de corvo. Mas nenhum deles era um corvo, e a tempestade não esmorecia. Todas as manhãs Asha acordava com a esperança de talvez ver o sol, só para enfrentar outro dia de neve. A tempestade enterrara todas as cabanas e palhotas debaixo de um monte de neve suja, e os montes de neve acumulada depressa seriam sufi­cientemente profundos para engolir também o edifício comum.

E não havia comida, além dos cavalos cada vez mais débeis, do peixe pescado nos lagos (cada dia menos), e de qualquer magro sustento que os forrageadores conseguissem encontrar naquela fria e morta floresta. Com os cavaleiros e senhores do rei a ficar com a parte de leão da carne dos ca­valos, era menos que pouco o que restava para os homens comuns. Assim, pouco admirava que tivessem começado a comer os seus mortos.

Asha ficara tão horrorizada como os outros quando a Ursa lhe dissera que quatro dos homens de Peasebury tinham sido encontrados a esquar­tejar um dos do falecido Lorde Fell, cortando-lhe fatias de carne das coxas e nádegas enquanto um dos antebraços girava num espeto, mas não podia fingir surpresa. Apostava que aqueles quatro não eram os primeiros a pro­var carne humana durante aquela marcha sombria — só os primeiros a serem descobertos.