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Os quatro de Peasebury iam pagar pelo banquete com as vidas, por decreto do rei... e para, ardendo, porem fim à tempestade, segundo afir­mavam os homens da rainha. Asha Greyjoy não tinha qualquer fé no deus vermelho deles, mas rezava para terem razão a esse respeito. Se não a tives­sem haveria outras piras, e Sor Clayton Suggs poderia vir a obter o que o seu coração desejava.

Os quatro comedores de carne estavam nus quando Sor Clayton os empurrou para o exterior, com os pulsos atados atrás das costas com cordões de couro. O mais novo chorava enquanto ia tropeçando pela neve fora. Outros dois caminhavam como se já estivessem mortos, de olhos fi­xos no chão. Asha surpreendeu-se ao ver como pareciam banais. Não são monstros, compreendeu, são só homens.

O mais velho tinha sido seu sargento. Só ele se mantinha desafiador, cuspindo veneno contra os homens da rainha enquanto o empurravam com as lanças.

— Fodei-vos todos e que se foda também o vosso deus vermelho — disse. — Estás a ouvir-me, Farring? Mata-Gigantes? Eu ri-me quando o cabrão do teu primo morreu, Godry. Também o devíamos ter comido a ele, cheirou tão bem quando o assaram! Aposto que o rapaz era saboroso e tenrinho. Sumarento. — Um golpe com o cabo de uma lança pôs o ho­mem de joelhos mas não o silenciou. Quando se levantou cuspiu sangue e dentes partidos e prosseguiu onde tinha ficado. — O caralho é a parte mais saborosa, todo estaladiço do espeto. Uma salsichinha gorda. — Mesmo en­quanto o envolviam nas correntes, continuou a tresvariar. — Corliss Penny, anda cá. Que raio de nome é Penny7. Não é uma moeda? Era isso que a tua mãe cobrava? E tu, Suggs, meu bastardo de merda, tu...

Sor Clayton não proferiu palavra. Um golpe rápido abriu a goela ao sargento, inundando-lhe o peito com uma onda de sangue.

O chorão chorou com mais força, com o corpo a estremecer a cada soluço. Estava tão magro que Asha conseguiu contar-lhe as costelas.

—   Não — suplicava — por favor, ele 'lava morto, ele estava morto e a gente tinha fome, por favor...

—  O sargento foi o esperto — disse Asha a Aly Mormont. — Levou Suggs a matá-lo. — Perguntou a si própria se o mesmo truque resultaria duas vezes, no caso de chegar a sua vez.

As quatro vítimas foram acorrentadas costas contra costas, duas por estaca. E aí ficaram pendurados, três vivos e um morto, enquanto os devotos do Senhor da Luz empilhavam troncos abertos ao meio e ramos partidos debaixo dos seus pés, e depois ensopavam as pilhas com óleo de lamparina. Tiveram de se apressar. A neve caía pesadamente, como sempre, e a madeira depressa ficaria ensopada.

—  Onde está o rei? — perguntou Sor Corliss Penny.

Quatro dias antes, um dos escudeiros do rei sucumbira ao frio e à fome, um rapaz chamado Byren Farring que fora da família de Sor Godry. Stannis Baratheon mantivera-se de cara sombria junto da pira funerária enquanto o corpo do rapaz era entregue às chamas. Depois, o rei retira­ra para a sua torre de vigia. Não saíra desde então... embora de vez em quando Sua Graça fosse visto no telhado da torre, delineado contra o fogo sinaleiro que aí ardia de noite e de dia. Conversando com o deus vermelho, diziam alguns. A chamar a Senhora Melisandre, insistiam outros. Fosse como fosse, parecia a Asha Greyjoy que o rei estava perdido e gritava por ajuda.

—  Canty, vai à procura do rei e diz-lhe que está tudo a postos — disse Sor Godry ao homem-de-armas mais próximo.

—  O rei está aqui. — A voz era a de Richard Horpe.

Por cima da couraça de placa de aço e cota de malha, Sor Richard usava o seu gibão acolchoado, decorado com três borboletas caveira em fundo de cinza e osso. O Rei Stannis caminhava a seu lado. Atrás deles, lutando para se manter a par, coxeava Arnolf Karstark, apoiado na ben­gala de espinheiro negro. O Lorde Arnolf encontrara-os oito dias antes. O nortenho trouxera um filho, três netos, quatrocentas lanças, duas vintenas de arqueiros, uma dúzia de lanceiros a cavalo, um meistre, e uma gaiola de corvos... mas só provisões suficientes para sustentar os seus.

Asha fora levada a crer que o Karstark não era um verdadeiro senhor; só castelão de Karhold enquanto o verdadeiro senhor continuasse cativo dos Lannister. Magro, corcunda e torto, com o ombro esquerdo quinze centímetros mais alto do que o direito, tinha um pescoço descarnado, uns olhos cinzentos e vesgos e dentes amarelos. Alguns cabelos brancos eram tudo o que o separava da calvície; a sua barba bifurcada era composta em partes iguais por branco e cinzento, mas andava sempre mal cortada. Asha achava que havia algo de azedo nos seus sorrisos. Mas se o que se dizia fosse verdade, seria o Karstark quem ficaria com Winterfell no caso de to­marem o castelo. Algures, no passado distante, a Casa Karstark brotara da Casa Stark, e o Lorde Arnolf fora o primeiro dos vassalos de Eddard Stark a declarar-se partidário de Stannis.

Tanto quanto Asha soubesse, os deuses dos Karstark eram os deuses antigos do norte, deuses que partilhavam com os Wull, os Norrey, os Flint e os outros clãs da montanha. Perguntou a si própria se o Lorde Arnolf teria vindo ver a incineração a pedido do rei, para testemunhar pessoalmente o poder do deus vermelho.

Ao verem Stannis, dois dos homens atados às estacas começaram a suplicar por misericórdia. O rei ouviu em silêncio, com o maxilar tenso. Depois disse a Godry Farring:

—  Podeis começar.

O Mata-Gigantes ergueu os braços.

—  Senhor da Luz, escutai-nos.

—   Senhor da Luz, defendei-nos — entoaram os homens da rainha — pois a noite é escura e cheia de terrores.

Sor Godry ergueu a cabeça para o céu que escurecia.

—  Agradecemo-vos o sol que nos aquece e rezamos para que no-lo de­volvais, senhor, para que ele possa iluminar o caminho que leva aos nossos inimigos. — Flocos de neve derretiam no seu rosto. — Agradecemo-vos as estrelas que nos vigiam à noite, e rezamos para que arranqueis este véu que as oculta, para podermos voltar a exultar com a sua vista.

—  Senhor da Luz, protegei-nos — rezaram os homens da rainha — e mantende afastada esta escuridão selvagem.

Sor Corliss Penny deu um passo em frente, agarrando no archote com ambas as mãos. Brandiu-o em volta da cabeça, descrevendo um círcu­lo, avivando as chamas. Um dos cativos começou a choramingar.

—   R'hllor — cantou Sor Godry — oferecemo-vos agora quatro homens maus. De corações alegres efiéis, entregamo-los aos vossos fogos purificadores, para que a escuridão nas suas almas possa ser queimada. Que a sua vil carne seja crestada e enegrecida para que os seus espíritos possam erguer-se livres e puros para ascender para a luz. Aceitai o seu sangue, senhor, e derretei as correntes geladas que prendem os vossos servos. Escutai a sua dor e concedei força às nossas espadas para podermos derramar o sangue dos vossos ini­migos. Aceitai este sacrifício e mostrai-nos o caminho para Winterfell, para podermos vencer os incréus.

—  Senhor da Luz, aceitai este sacrifício — ecoou uma centena de vo­zes. Sor Corliss acendeu a primeira pira com o archote, e depois atirou-o para o meio da madeira na base da segunda. Alguns farrapos de fumo co­meçaram a levantar-se. Os cativos desataram a tossir. As primeiras chamas

surgiram, precipitando-se e dançando de lenho em lenho. Momentos de­pois, ambas as estacas estavam engolidas pelo fogo.

—  Ele estava morto — gritou o rapaz que chorava, enquanto as chamas lhe lambiam as pernas. — Encontrámo-lo morto... por favor... a gente tinha fome... — O fogo chegou-lhe aos tomates. Quando os pelos em volta da sua pica começaram a arder, a súplica dissolveu-se num longo guincho inarticulado.