E assim aconteceu. Daquela vez, a presa revelou ser um par de galés, longas, esguias e rápidas. Raif, o Coxo, foi o primeiro a avistá-las, mas depressa ganharam distância à Angústia e à Esperança Perdida, portanto Victarion enviou a Asa de Ferro, o Gavião e o Beijo da Lula Gigante para as apanhar. Não tinha navios mais rápidos do que esses três. A perseguição durou a maior parte do dia, mas por fim ambas as galés foram abordadas e capturadas, após breves mas brutais combates. Victarion soube depois que seguiam vazias, dirigindo-se a Nova Ghis para embarcar provisões e armas para as legiões ghiscariotas acampadas em frente de Meereen... e para trazer novos legionários para a guerra, a fim de substituírem todos os homens que tinham morrido.
— Homens mortos em batalha? — perguntou Victarion. As tripulações das galés negaram-no; as mortes deviam-se a uma fluxão sangrenta. Chamavam-lhe "égua branca." E, tal como o capitão da Aurora Ghiscariota, os capitães das galés repetiram a mentira sobre a morte de Daenerys Targaryen.
— Dai-lhe um beijo por mim no inferno em que a encontrardes — disse Victarion. Gritou pelo machado, e cortou-lhes as cabeças ali e naquele momento. Depois mandou matar também as tripulações, poupando apenas os escravos acorrentados aos remos. Quebrou-lhes pessoalmente as correntes e disse-lhes que eram agora homens livres, e teriam o privilégio de remar para a Frota de Ferro, uma honra com que qualquer rapaz das Ilhas de Ferro sonhava ao crescer. — A rainha dos dragões liberta escravos e eu também — proclamou.
Às galés chamou Fantasma e Sombra.
— Porque quero que assombrem e cacem esses yunkaitas — disse nessa noite à mulher sombria, depois de ter obtido dela prazer. Eram agora chegados, e tornavam-se mais chegados todos os dias. — Cairemos sobre eles como um raio — disse, enquanto apertava o seio da mulher. Perguntou a si próprio se seria assim que o irmão Aeron se sentia quando o Deus Afogado falava com ele. Quase conseguia ouvir a voz do deus a erguer-se das profundezas do mar. Irás servir-me bem, meu capitão, pareciam as ondas dizer. Foi para isto que te fiz.
Mas queria alimentar também o deus vermelho, o deus de fogo de Moqorro. O braço que o sacerdote curara tinha um aspeto hediondo, porco estaladiço do cotovelo às pontas dos dedos. Às vezes, quando Victarion fechava a mão, a pele abria-se e fumegava, mas o braço era mais forte do que alguma vez fora.
— Tenho agora em mim dois deuses — disse à mulher sombria. — Nenhum inimigo pode resistir a dois deuses. — Depois pô-la de costas e tomou-a outra vez.
Quando as falésias de Yaros apareceram a bombordo das suas proas, descobriu os três navios perdidos à espera, tal como Moqorro prometera. Victarion deu ao sacerdote um torque de ouro como recompensa.
Agora tinha uma decisão a tomar: deveria arriscar os estreitos, ou levar a Frota de Ferro em volta da ilha? A recordação da Ilha Bela ainda amargurava a memória do capitão de ferro. Stannis Baratheon caíra sobre a Frota de Ferro tanto do norte como do sul enquanto estavam encurralados no canal entre a ilha e o continente, causando a mais esmagadora derrota que Victarion sofrera na vida. Mas navegar em volta de Yaros custar-lhe-ia dias preciosos. Com Yunkai tão perto, era provável que o tráfego nos estreitos fosse denso, mas não esperava encontrar navios de guerra yunkaitas até estarem mais próximos de Meereen.
Que faria o Olho de Corvo? Matutou naquilo durante algum tempo, depois fez sinal aos capitães.
— Navegaremos pelos estreitos.
Foram capturadas mais três presas antes de Yaros minguar à popa da frota. Um gordo galeão caiu nas mãos do Arganaz e da Desgosto, e uma galé mercante nas de Manfryd Merlyn, do Milhafre. Os porões estavam repletos de bens de comércio, vinhos, sedas e especiarias, madeiras raras e odores mais raros, mas o verdadeiro prémio eram os navios propriamente ditos. Mais tarde nesse dia, uma galeota pesqueira foi capturada pela Sete Crânios e pela Perdição do Servo. Era uma coisinha pequena, lenta e suja, quase não valia o esforço da abordagem. Victarion ficou descontente por saber que tinham sido precisos dois dos seus navios para levar os pescadores a ajoelhar. Mas foi através dos seus lábios que ficou a saber do regresso do dragão negro.
— A rainha prateada foi-se — disse-lhe o capitão da galeota. — Voou em cima do dragão, para lá do mar dothraki.
— Onde fica esse mar dothraki? — quis saber. — Atravessá-lo-ei com a Frota de Ferro e encontrarei a rainha onde quer que ela possa estar.
O pescador soltou uma gargalhada.
— Isso haveria de ser coisa digna de se ver. O mar dothraki é feito de erva, palerma.
Não devia ter dito aquilo. Victarion pegou-lhe na garganta com a mão queimada e ergueu-o no ar. Atirando-o contra o mastro, apertou até que a cara do yunkaita ficou tão negra como os dedos que se lhe enterravam na carne. O homem esperneou e contorceu-se por algum tempo, tentando infrutiferamente soltar-se da mão do capitão.
— Nenhum homem chama palerma a Victarion Greyjoy e vive para se gabar disso. — Quando abriu a mão, o corpo sem força do homem caiu sobre o convés. O Agualonga Pyke e Tom Tidewood atiraram-no por cima da amurada, outra oferenda ao Deus Afogado.
— O vosso Deus Afogado é um demónio — disse o sacerdote negro Moqorro mais tarde. — Não passa de um servo do Outro, o deus escuro cujo nome não pode ser dito.
— Cuidado, sacerdote — avisou-o Victarion. — Há homens devotos a bordo deste navio que te arrancariam a língua por dizeres tais blasfémias. O teu deus vermelho terá o que lhe é devido, juro. A minha palavra é de ferro. Pergunta a qualquer um dos meus homens.
O sacerdote vermelho inclinou a cabeça.
— Não há necessidade. O Senhor da Luz mostrou-me o vosso valor, senhor capitão. Todas as noites, nos meus fogos, vislumbro a glória que vos aguarda.
Aquelas palavras agradaram bastante a Victarion Greyjoy, segundo disse nessa noite à mulher sombria.
— O meu irmão Balon foi um grande homem — disse — mas eu farei o que ele não conseguiu fazer. As Ilhas de Ferro voltarão a ser livres, e o Costume Antigo regressará. Nem Dagon conseguiu tal coisa. — Quase cem anos se tinham passado desde que Dagon Greyjoy se sentara na Cadeira da Pedra do Mar, mas os nascidos no ferro ainda contavam histórias sobre as suas incursões e batalhas. Nos tempos de Dagon sentava-se no Trono de Ferro um rei fraco, cujos olhos ramelosos estavam fixos no outro lado do mar estreito, onde bastardos e exilados conspiravam rebeliões. Por isso, o Lorde Dagon zarpara de Pyke para tornar seu o mar do poente. — Enfrentou o leão no seu covil e deu nós ao rabo do lobo gigante, mas nem mesmo Dagon conseguiu derrotar os dragões. Mas eu tornarei minha a rainha dos dragões. Ela partilhará a minha cama e dar-me-á muitos filhos poderosos.
Nessa noite, os navios da Frota de Ferro eram em número de sessenta.
Velas estranhas tornaram-se mais comuns a norte de Yaros. Estavam agora muito perto de Yunkai, e a costa entre a Cidade Amarela e Meereen deveria estar repleta de mercadores e navios de abastecimento a navegar de um lado para o outro, por isso, Victarion levou a Frota de Ferro para águas mais profundas, fora de vista de terra. Mesmo ali encontrariam outras embarcações.
— Que nenhuma escape para avisar os nossos inimigos — ordenou o capitão de ferro. Nenhuma o fez.