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Quando o Meistre Medrick caiu sobre um joelho para murmurar ao ouvido de Bolton, a boca da Senhora Dustin torceu-se de desagrado.

— Se eu fosse rainha, a primeira coisa que faria seria matar todas aquelas ratazanas cinzentas. Correm por todo o lado, vivendo das sobras dos senhores, chiando umas com as outras, sussurrando aos ouvidos dos seus amos. Mas quem são realmente os amos e os servos? Todos os grandes senhores têm o seu meistre, todos os senhores de menor gabarito aspiram a ter um. Se não se tem um meistre, isso é visto como querendo dizer que se é de pouca importância. As ratazanas cinzentas leem e escrevem as nossas cartas, mesmo para senhores que não sabem ler, e quem poderá dizer com certeza que não estão a distorcer as palavras para os seus próprios fins? De que servem eles?, pergunto-vos.

— Curam — disse Theon. Parecia ser o que se esperava dele.

— Curam, pois. Nunca disse que não eram subtis. Tratam de nós quando estamos doentes ou feridos, ou perturbados com a doença de um pai ou de um filho. Sempre que estamos mais fracos e mais vulneráveis, lá estão eles. Às vezes curam-nos, e ficamos devidamente agradecidos. Quando falham, consolam-nos na nossa dor, e também ficamos gratos por isso.

Por gratidão, concedemos-lhes um lugar sob o nosso teto e deixamo-los ao corrente de todas as nossas vergonhas e segredos, fazemo-los participar em todos os conselhos. E não demora muito até que o governante passe a governado. Foi isso que aconteceu ao Lorde Rickard Stark. O nome da sua ratazana cinzenta era Meistre Walys. E não é inteligente o modo como os meistres respondem só pelo primeiro nome, mesmo aqueles que tinham dois quando chegaram à Cidadela? Assim, não podemos saber quem realmente são ou de onde vêm… mas se se for sufi cientemente decidido ainda se pode descobrir. Antes de forjar a sua corrente, o Meistre Walys era conhecido como Walys Flowers. Flowers, Hill, Rivers, Snow… damos esses nomes a crianças bastardas para as assinalar como o que são, mas elas são sempre rápidas a verem-se livres deles. Walys Flowers tinha uma rapariga de Torralta como mãe… e um arquimeistre da Cidadela como pai, segundo se dizia. As ratazanas cinzentas não são tão castas como nos gostariam de levar a crer. Os meistres de Vilavelha são os piores de todos. Depois de Walys forjar a corrente, o seu pai secreto e os amigos dele não perderam tempo a despachá-lo para Winterfell para encher os ouvidos do Lorde Rickard com palavras envenenadas doces como o mel. O casamento Tully foi ideia dele, não tenhais dúvidas, ele…

Interrompeu-se quando Roose Bolton se pôs em pé, com os olhos claros a brilhar à luz dos archotes.

— Meus amigos — começou, e um silêncio varreu o salão, tão profundo que Theon conseguiu ouvir o vento a empurrar as tábuas que tapavam as janelas. — Stannis e os seus cavaleiros abandonaram Bosque Profundo, exibindo o estandarte do seu novo deus vermelho. Os clãs dos montes nortenhos vêm com ele nos seus cavalinhos hirsutos. Se o tempo se mantiver como está, podem cair sobre nós dentro de uma quinzena. E o Papa-Corvos Umber desce a estrada de rei, enquanto os Karstark se aproximam vindos de leste. Pretendem juntar-se aqui ao Lorde Stannis e tirar-nos este castelo das mãos.

Sor Hosteen Frey pôs-se em pé com ímpeto.

— Devíamos avançar ao seu encontro. Porque haveremos de deixar que combinem as forças?

Porque Arnolf Karstark só espera um sinal do Lorde Bolton para virar o manto, pensou Theon, enquanto outros senhores começavam a gritar conselhos. O Lorde Bolton ergueu as mãos pedindo silêncio.

— O salão não é o lugar para tais discussões, senhores. Vamos até ao aposento privado enquanto o meu filho consuma este casamento. Os restantes de vós, ficai e desfrutai da comida e da bebida.

Enquanto o Senhor do Forte do Pavor se retirava, acompanhado pelos três meistres, outros senhores e capitães levantaram-se para o seguirem.

Hother Umber, o velho descarnado a que chamavam Terror-das-Rameiras, foi de rosto sombrio e cenho franzido. O Lorde Manderly estava tão bêbado que precisou de quatro homens fortes para o ajudarem a sair do salão.

— Devíamos ouvir uma canção sobre o Cozinheiro Ratazana — estava ele a resmungar enquanto passava por Theon a cambalear, apoiado nos seus cavaleiros. — Cantor, canta-nos uma canção sobre o Cozinheiro Ratazana.

A Senhora Dustin foi uma das últimas a mexer-se. Depois de ela se ir embora, o salão pareceu de repente abafado. Foi só quando Theon se pôs em pé que se apercebeu do muito que bebera. Quando se afastou da mesa, instável, fez voar um jarro das mãos de uma criada. Vinho derramou-se-lhe sobre as botas e as bragas, uma maré vermelha escura.

Uma mão agarrou-lhe no ombro, cinco dedos duros como ferro que se lhe enterraram profundamente na carne.

— Querem-te, Cheirete — disse o Alyn Azedo, com o hálito nauseabundo devido ao cheiro dos dentes podres. O Picha Amarela e o Damon-Dança-Para-Mim estavam com ele. — Ramsay diz que vais levar a noiva para a cama dele.

Um estremecimento de medo percorreu-o. Eu desempenhei o meu papel, pensou. Porquê eu? Mas bem sabia que não devia levantar objeções.

O Lorde Ramsay já abandonara o salão. A sua noiva, abandonada e aparentemente esquecida, mantinha-se sentada, retraída e silenciosa sob o estandarte da Casa Stark, agarrando com ambas as mãos um cálice de prata. Julgando pelo modo como olhou para ele quando se aproximou, esvaziara o cálice por mais de uma vez. Talvez esperasse que, se bebesse o suficiente, a provação a deixaria em paz. Theon sabia que não seria assim.

— Senhora Arya — disse. — Vinde. Está na altura de cumprirdes o vosso dever.

Seis dos rapazes do Bastardo acompanharam-nos quando Theon levou a rapariga pela parte de trás do salão, atravessando o gélido pátio, até à Grande Torre. Havia que subir três lanços de degraus de pedra até ao quarto do Lorde Ramsay, um dos quartos que os incêndios só tinham tocado levemente. Enquanto subiam, Damon-Dança-Para-Mim assobiava, e o Esfolador gabava-se de que o Lorde Ramsay lhe prometera um bocado do lençol ensanguentado como sinal de especial apreço.

O quarto fora bem preparado para a consumação. Toda a mobília era nova, trazida de Vila Acidentada na coluna logística. A cama de dossel tinha um colchão de penas, e cortinados de veludo vermelho de sangue. O chão de pedra estava coberto com peles de lobo. Um fogo ardia na lareira, uma vela na mesa de cabeceira. No aparador encontrava-se um jarro de vinho, duas taças e meia rodela de queijo branco raiado.

Também havia uma cadeira, esculpida em carvalho negro com um assento de couro vermelho. O Lorde Ramsay estava sentado nela quando entraram. Saliva reluzia no seu lábio.

— Aí está a minha doce donzela. Bons rapazes. Agora podeis deixar-nos. Tu não, Cheirete. Tu ficas.

Cheirete, Cheirete, rima com malandrete. Sentia cãibras nos dedos que lhe faltavam; dois na mão esquerda, um na direita. E o punhal repousava-lhe à coxa, dormindo na bainha de couro, mas pesado, oh, tão pesado.

Só me desapareceu o mindinho da mão direita, lembrou Theon a si próprio.

Ainda sou capaz de pegar numa faca.

— Senhor. Como posso servir-vos?

— Deste-me a moça. Quem será melhor para desembrulhar o presente? Vamos dar uma olhadela à filhinha do Ned Stark.

Ela não é da família do Lorde Eddard, quase disse Theon. Ramsay

sabe, ele tem de saber, que novo jogo cruel é este? A rapariga estava em pé ao lado da coluna da cama, a tremer como uma corça.

— Senhora Arya, se quiserdes virar-nos as costas, tenho de desatar-vos o vestido.

— Não. — O Lorde Ramsay serviu-se de uma taça de vinho. — As ataduras demoram demasiado. Corta-lho.

Theon puxou pelo punhal. Tudo o que tenho de fazer é virar-me e apunhalá-lo. Tenho a faca na mão. Nessa altura compreendeu o jogo. Outra armadilha, disse a si próprio, recordando Kyra com as suas chaves. Ele quer que eu tente matá-lo. E quando falhar, arranca-me a pele da mão que usei para manejar a lâmina. Agarrou num bocado da saia da noiva.