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Cersei levantou a cabeça. Para lá da praça, para lá do mar de olhos famintos e bocas abertas em caras sujas, do outro lado da cidade, a Colina de Aegon ainda se erguia à distância, com as torres e ameias da Fortaleza Vermelha rosados à luz do Sol nascente. Não é assim tão longe. Depois de chegar aos portões da fortaleza terminaria o pior das suas penas. Voltaria a ter o filho. Teria o seu campeão. O tio prometera-lho. Tommen está à minha espera. O meu reizinho. Posso fazer isto. Tenho de o fazer.

A Septã Unella deu um passo em frente.

—  Uma pecadora apresenta-se perante vós — declarou. — Ela é Cer­sei da Casa Lannister, rainha viúva, mãe de Sua Graça, o Rei Tommen, vi­úva de Sua Graça, o Rei Robert, e cometeu graves falsidades e fornicações.

A Septã Moelle avançou à direita da rainha.

—   Esta pecadora confessou os seus pecados e suplicou absolvição e perdão. Sua Alta Santidade ordenou-lhe que demonstrasse o seu arre­pendimento pondo de lado todo o orgulho e artifício e apresentando-se ao bom povo da cidade como os deuses a fizeram.

A Septã Scolera concluiu.

—   Portanto, esta pecadora apresenta-se a vós de coração humilde, de segredos e ocultações tosquiados, nua perante os olhos dos deuses e dos homens, para fazer a sua caminhada de expiação.

Cersei tinha um ano quando o avô morrera. A primeira coisa que o pai fizera ao ascender à senhoria fora expulsar de Rochedo Casterly a ga­nanciosa e mal nascida amante do seu próprio pai. As sedas e veludos que o Lorde Tytos lhe prodigalizara e as jóias de que se apropriara tinham-lhe sido tirados, e ela fora obrigada a atravessar nua as ruas de Lannisporto, para que o oeste pudesse vê-la tal como era.

Embora fosse nova demais para testemunhar pessoalmente o espetá­culo, Cersei ouvira as histórias ao crescer, das bocas de lavadeiras e guardas que tinham lá estado. Falavam de como a mulher chorara e suplicara, do modo desesperado como se agarrara à roupa quando lhe fora ordenado que a despisse, dos seus esforços fúteis para tapar os seios e o sexo com as mãos enquanto coxeava pelas ruas, descalça e nua, rumo ao exílio. Lembra­va-se de um guarda dizer:

—   Antes era vaidosa e orgulhosa, tão altiva que se diria que se tinha esquecido que veio da terra. Mas depois de lhe tirarmos a roupa, passou a

ser só mais uma rameira.

Se Sor Kevan e o Alto Pardal julgavam que seria o mesmo consigo, estavam muito enganados. O sangue do Lorde Tywin corria-lhe nas veias.

Sou uma leoa. Não irei encolher-me perante eles.

A rainha desfez-se da veste.

Desnudou-se num movimento suave e sem pressa, como se estivesse nos seus aposentos e se despisse para o banho sem ninguém a ver além das aias. Quando o vento frio lhe tocou a pele, tremeu violentamente. Precisou de toda a sua força de vontade para não tentar esconder-se com as mãos, como a rameira do avô fizera. Os dedos apertaram-se-lhe em punhos, es­petando as unhas nas palmas das mãos. Estavam a olhá-la, todos os olhos famintos. Mas que estavam a ver? Sou bela, fez lembrar a si própria. Quan­tas vezes lho dissera Jaime? Até Robert lhe dera isso, quando vinha à sua cama, com os copos, para lhe prestar uma homenagem ébria com a pica.

Mas olharam para Ned Stark da mesma maneira.

Tinha de se mexer. Nua, rapada, descalça, Cersei desceu lentamente os largos degraus de mármore. Pele de galinha brotou dos seus braços e pernas. Manteve o queixo erguido, como uma rainha devia fazer, e a escolta abriu-se em leque à sua frente. Os Pobres Companheiros empurraram pes­soas para o lado, a fim de abrirem caminho através da multidão, enquanto as Espadas se puseram de ambos os lados dela. A Septã Unella, a Septã Scolera e a Septã Moelle seguiram-nos. Atrás das septãs vinham as noviças vestidas de branco.

—    Rameira! — gritou alguém. Uma voz de mulher. As mulheres eram sempre mais cruéis no que tocava a outras mulheres.

Cersei ignorou-a. Haverá mais, e pior. Estas criaturas não têm na vida alegria mais saborosa do que escarnecer dos seus superiores. Não podia si­lenciá-los, portanto tinha de fingir que não os ouvia. Tampouco os veria. Manteria os olhos postos na Colina de Aegon, do outro lado da cidade, nas torres da Fortaleza Vermelha que reluziam à luz. Seria aí que encontraria a salvação, se o tio tivesse cumprido a sua parte do acordo que haviam alcan­çado.

Ele quis isto. Ele e o Alto Pardal. E a rosinha também, sem dúvida. Pe­quei e tenho de expiar os pecados, tenho de exibir a minha vergonha perante os olhos de todos os pedintes da cidade. Eles acham que isto quebrará o meu orgulho, que me porá fim, mas enganam-se.

A Septã Unella e a Septã Moelle mantiveram-se a seu lado, com a Septã Scolera a apressar-se atrás, fazendo soar um sino.

—    Vergonha — gritava a velha bruxa — vergonha para a pecadora, vergonha, vergonha. — Algures, à direita, outra voz cantava em contrapon­to da dela, um qualquer ajudante de padeiro que gritava:

—   Pastéis de carne, três dinheiros, há pastéis de carne quentes. — O mármore sob os seus pés estava trio e escorregadio, e Cersei tinha de pisar com cuidado com medo de escorregar. O seu percurso fê-los passar pela estátua de Baelor, o Abençoado, que se erguia alto e sereno do seu pedestal, e cuja cara era um estudo em benevolência. Olhando-o nunca se imagina­ria o palerma que fora. A dinastia Targaryen produzira bons reis e maus reis, mas nenhum era tão amado como Baelor, esse piedoso e simpático rei-septão que amava o povo e os deuses em partes iguais mas aprisionara as próprias irmãs. Era espantoso que a estátua não se desfizesse ao ver os seus seios nus. Tyrion costumava dizer que o Rei Baelor tinha pavor da própria pica. Recordou que uma vez expulsara todas as rameiras de Porto Real. Rezara por elas enquanto eram obrigadas a atravessar os portões da cidade, segundo as histórias, mas recusara-se a olhá-las.

—  Pega — gritou uma voz. Outra mulher. Algo voou do seio da mul­tidão. Um legume podre qualquer. Castanho e a liquefazer-se, passou sobre a sua cabeça e foi esmagar-se aos pés de um dos Pobres Companheiros. Não tenho medo. Sou uma leoa. Continuou a caminhar.

—   Pastéis quentes — estava a gritar o ajudante de padeiro. — Tenho aqui tartes quentes.

A Septã Scolera fazia soar o sino, cantando:

—    Vergonha, vergonha, vergonha para a pecadora, vergonha, vergo­nha.

Os Pobres Companheiros seguiam à frente deles, forçando as pessoas a afastarem-se com os escudos, servindo de muros para um estreito cami­nho. Cersei seguia para onde eles a levavam, de cabeça rigidamente erguida, os olhos postos na distância longínqua. Cada passo trazia a Fortaleza Ver­melha para mais perto. Cada passo a aproximava mais do filho e da salvação.

A travessia da praça pareceu demorar cem anos, mas o mármore deu por fim lugar a empedrado sob os seus pés, lojas, estábulos e casas aproxi­maram-se em redor e o grupo deu início à descida da Colina de Visenya.

Ali o avanço era mais lento. A rua era íngreme e estreita, a multidão muito apertada. Os Pobres Companheiros empurravam aqueles que blo­queavam o caminho, tentando afastá-los, mas não havia para onde ir, e os que estavam na parte de trás da multidão empurravam-nos devolta. Cersei tentou manter a cabeça erguida, mas só conseguiu pisar algo escorregadio e húmido que a fez perder o equilíbrio. Podia ter caído, mas a Septã Unella pegou-lhe no braço e manteve-a de pé.

—  Vossa Graça devia ver onde põe os pés.

Cersei libertou-se com um sacão.

—   Sim, septã — disse, numa voz dócil, embora estivesse suficiente­mente zangada para cuspir. A rainha continuou a caminhar, vestida apenas de pele de galinha e orgulho. Procurou a Fortaleza Vermelha, mas esta es­tava agora oculta, escondida do seu olhar pelos altos edifícios de madeira que a rodeavam.