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Vergonha, vergonha — cantou a Septã Scolera, com o sino a repicar.

Cersei tentou andar mais depressa, mas rapidamente se viu obstruída pelas costas das Estrelas que seguiam na sua frente e teve de voltar a abrandar o passo. Um homem, logo à frente, vendia espetadas de carne assada com um carrinho de mão, e o cortejo parou enquanto os Pobres Companheiros o afastavam do caminho. Aos olhos de Cersei, a carne parecia-se de forma suspeita com ratazana, mas o seu cheiro enchia o ar e, quando a rua ficou finalmente suficientemente desimpedida para reatar a caminhada, metade dos homens que os rodeavam estava a mastigar, de pauzinhos na mão.

—   Quereis um bocadinho, Vossa Graça? — gritou um homem. Era um grande brutamontes corpulento com olhos de porco, uma maciça bar­riga e uma barba negra mal cuidada que lhe fez lembrar Robert. Quan­do afastou o olhar, repugnada, ele atirou-lhe a espetada. Esta atingiu-a na perna e caiu na rua, e a carne semicozinhada deixou-lhe uma mancha de gordura e sangue na coxa.

Os gritos pareciam-lhe mais altos ali do que na praça, talvez por­que a turba estivesse tão mais próxima. "Rameira" e "pecadora" eram os mais comuns, mas "fodilhona de irmãos", "puta" e "traidora" também lhe eram atirados, e de vez em quando ouvia alguém gritar por Stannis ou Margaery. As pedras sob os seus pés estavam imundas e havia tão pouco espaço que a rainha nem sequer podia contornar as poças. Nunca ninguém morreu de pés molhados, disse a si própria. Quis acreditar que as poças eram só de água da chuva, embora mijo de cavalo fosse igual­mente provável.

Mais detritos choviam de janelas e varandas: fruta meio apodrecida, baldes de cerveja, ovos que explodiam num cheirete sulfuroso quando se rachavam no chão. Então, alguém atirou um gato morto por cima quer dos Pobres Companheiros, quer dos Filhos do Guerreiro. A carcaça atingiu o empedrado com tal força que rebentou, salpicando-lhe a parte inferior das pernas com entranhas e larvas.

Cersei continuou a andar. Sou cega e surda, e eles são vermes, disse a si própria.

—   Vergonha, vergonha — cantavam as septãs.

—  Castanhas, quentes, castanhas assadas — gritou um vendedor am­bulante.

—   Rainha Puta — declarou solenemente um bêbado de uma varan­da, levantando a taça na sua direção num brinde trocista. — Saudai todos as régias tetas!

Palavras são vento, pensou Cersei. As palavras não me podem fazer mal.

A meio da descida da Colina de Visenya, a rainha caiu pela primeira vez, quando o pé escorregou em algo que podia ter sido dejetos. Quando a Septã Unella a pôs cm pé, tinha o joelho esfolado e ensanguentado. Uma gargalhada irregular percorreu a multidão, e um homem gritou, oferecendo-se para beijar o dói-dói e pô-lo melhor. Cersei olhou para trás. Ainda conseguia ver a grande cúpula e as sete torres de cristal do Grande Septo de Baelor no topo da colina. Terei realmente percorrido um trajeto tão curto? Pior, cem vezes pior, perdera de vista a Fortaleza Vermelha.

—   Onde... onde...?

—   Vossa Graça. — O capitão da escolta apareceu a seu lado. Cersei esquecera o seu nome. — Tendes de prosseguir. A multidão está a tornar-se difícil de controlar.

Sim, pensou. Difícil de controlar.

—   Não tenho medo...

—    Devíeis ter. — O capitão puxou-lhe pelo braço, obrigando-a a avançar a seu lado. Cersei cambaleou colina abaixo, para baixo, sempre para baixo, estremecendo a cada passo, deixando que ele a sustentasse. De­via ser Jaime a estar ao meu lado. Ele puxaria pela espada dourada e abriria caminho à espadeirada através da turba, arrancando os olhos da cabeça de qualquer homem que se atrevesse a olhá-la.

As pedras do pavimento estavam fendidas e irregulares, escorrega­dias, e ela sentia-as ásperas nos pés suaves. O calcanhar caiu sobre qualquer coisa afiada, uma pedra ou um bocado partido de cerâmica. Cersei soltou um grito de dor.

—   Eu pedi sandálias — cuspiu sobre a Septã Unella. — Vós podíeis ter-me dado sandálias, podíeis ter feito pelo menos isso. — O cavaleiro vol­tou a puxar-lhe pelo braço, como se fosse uma qualquer rapariga de servir. Ter-se-á ele esquecido de quem eu sou? Era a rainha de Westeros, ele não tinha qualquer direito de lhe pôr as mãos em cima.

Perto do sopé da colina, o declive diminuiu e a rua começou a alargar. Cersei voltou a ver a Fortaleza Vermelha, a brilhar, carmim, ao sol da ma­nhã, no topo da Colina de Aegon. Tenho de continuar a andar. Libertou-se com um esticão da mão de Sor Theodan.

—   Não precisais de me arrastar, sor. — Avançou a coxear, deixando atrás de si um rasto de pegadas ensanguentadas nas pedras.

Caminhou por lama e por bosta, sangrando, com pele de galinha, a mancar. A toda a sua volta havia um rebuliço de som.

—   A minha mulher tem melhores mamas do que aquelas — gritou um homem. Um carroceiro praguejou quando os Pobres Companheiros ordenaram que a sua carroça saísse do caminho.

—    Vergonha, vergonha, vergonha para a pecadora — entoavam as septãs.

—                       Olha para esta — gritou uma rameira da janela de um bordel — na tive para minha acima metade dos caralhos que ela teve. — Sinos repicavam, repicavam, repicavam.

—   Aquilo na pode ser a rainha — disse um rapaz — tem tudo tão caído como a minha mãe.

Esta é a minha penitência, disse Cersei a si própria. Pequei com grande gravidade, esta é a minha expiação. Acabará em breve, ficará para trás de mim, depois posso esquecer.

A rainha começou a ver caras conhecidas. Um careca com suíças hir­sutas franziu o sobrolho a uma janela com o cenho franzido do pai, e por um instante pareceu-se tanto com o Lorde Tywin que ela tropeçou. Uma jovem estava sentada sob um fontanário, ensopada de salpicos, e fitava-a com os olhos acusadores de Melara Hetherstone. Viu Ned Stark, e a seu lado a pequena Sansa com o cabelo ruivo e um peludo cão cinzento que po­dia ter sido o seu lobo. Todas as crianças que corriam através da multidão se transformaram no seu irmão Tyrion, zombando dela como zombara quan­do Joffrey morrera. E ali estava também Joff, o seu filho, o seu primogénito, o seu belo e brilhante rapaz com os caracóis dourados e sorriso doce, ele tinha uns lábios tão encantadores, ele...

Foi então que caiu pela segunda vez.

Estava a tremer como uma folha quando a puseram em pé.

—   Por favor — disse. — Mãe, misericórdia. Eu confessei.

—   Confessastes — disse a Septã Moelle. — Esta é a vossa expiação.

—   Já não falta muito — disse a Septã Unella. — Vedes? — Apontou. — Subir a colina, nada mais.

Subira colina. Nada mais. Era verdade. Estavam na base da Colina de Aegon, com o castelo por cima.

—   Rameira — gritou alguém.

—   Fode-irmãos — acrescentou outra voz. — Abominação.

—  Quereis mamar nisto, Vossa Graça? — Um homem com um aven­tal de carniceiro tirou a pica de dentro das bragas, sorrindo. Não importa­va. Ela estava quase em casa.

Cersei começou a subir.

Se havia alguma diferença, era as zombarias e os gritos serem ali mais grosseiros. A caminhada não a levara a atravessar o Fundo das Pul­gas, portanto os seus habitantes tinham-se aglomerado nas ladeiras infe­riores da Colina de Aegon para ver o espetáculo. As caras que a olhavam de trás dos escudos e lanças dos Pobres Companheiros pareciam retor­cidas, monstruosas, hediondas. Tropeçava-se em porcos e crianças nuas por todo o lado, pedintes aleijados e carteiristas enxameavam como bara­tas pelo meio da multidão. Viu homens cujos dentes tinham sido afiados até formarem pontas, bruxas com inchaços de bócio tão grandes como as cabeças, uma rameira com uma enorme serpente listada enrolada em volta de seios e ombros, um homem cujas bochechas e testa estavam cobertas de chagas que exsudavam pus cinzento. Sorriam e lambiam os lábios e gritavam-lhe quando passava por eles a coxear, com os seios a oscilar devido ao esforço da subida. Alguns gritavam propostas obscenas, outros insultos. Palavras são vento, pensou, palavras não me podem fazer mal. Sou bela, a mais bela mulher de todo o Westeros, é o Jaime que o diz, o Jaime nunca me mentiria. Até Robert, Robert nunca me amou, mas via que eu era bela, ele desejava-me.