Mas não se sentia bela. Sentia-se velha, usada, imunda, feia. Havia estrias na sua barriga, das crianças que dera ã luz, e os seios não eram tão firmes como tinham sido quando era mais nova. Sem um vestido que os sustentasse, pendiam-lhe sobre o peito. Não devia ter feito isto. Era a rainha deles, mas agora viram, viram, viram. Nunca devia ter deixado que vissem. Vestida e coroada, era uma rainha. Nua, ensanguentada, a coxear, era apenas uma mulher, não muito diferente das suas esposas, mais parecida com as suas mães do que com as lindas filhinhas donzelas. Que fiz eu?
Havia algo nos seus olhos, algo que picava, que lhe enevoava a visão. Não podia chorar, não queria chorar, os vermes não podiam nunca vê-la chorar. Cersei esfregou os olhos com os pulsos. Uma rajada de vento frio fê-la tremer com violência.
E de súbito ali estava a bruxa, no meio da multidão com as suas tetas pendulares e a verrugosa pele esverdeada, olhando como os outros, com malícia a brilhar nos ramelosos olhos amarelos.
— Rainha serás — silvou — até chegar outra, mais nova e mais bela, para te derrubar e te tirar tudo o que te for mais querido.
E depois disso não houve forma de parar as lágrimas. Escorreram a arder pela cara da rainha, como ácido. Cersei soltou um grito penetrante, tapou os mamilos com um braço, fez descer a outra mão para esconder a racha e desatou a correr, abrindo caminho ao encontrão pela fileira de Pobres Companheiros, inclinando-se para correr colina acima. A meio do caminho tropeçou e caiu, levantou-se, depois voltou a cair dez metros mais à frente. Quando deu por si estava a gatinhar, avançando de gatas colina acima, como um cão, enquanto a boa gente de Porto Real lhe abria caminho, rindo, troçando e aplaudindo-a.
Então, de súbito, a multidão afastou-se e pareceu dissolver-se, e surgiram portões de castelo à sua frente, e uma fileira de lanceiros com meios elmos dourados e mantos carmesim. Cersei ouviu o som duro e familiar do tio a rosnar ordens, e vislumbrou um clarão de branco de ambos os lados quando Sor Boros Blount e Sor Meryn Trant avançaram na sua direção com o aço branco e mantos de neve.
— O meu filho — gritou. — Onde está o meu filho? Onde está Tommen?
— Não está aqui. Nenhum filho deve ser testemunha da vergonha da mãe. — A voz de Sor Kevan estava severa. — Tapai-a.
Depois viu Jocelyn dobrada sobre si, envolvendo-a numa suave e limpa manta de lã verde para tapar a sua nudez. Uma sombra caiu sobre ambas, obscurecendo o sol. A rainha sentiu aço frio a deslizar sob o seu corpo, um par de grandes braços couraçados a levantá-la do chão, a erguê-la no ar tão facilmente como ela erguera Joffrey quando ele ainda era bebê. Um gigante, pensou Cersei, entontecida, enquanto ele a levava com grandes passos na direção da casa do portão. Ouvira dizer que ainda se podia encontrar gigantes nas regiões selvagens e ímpias para lá da Muralha. Isso é só uma lenda. Estarei a sonhar?
Não. O seu salvador era real. Dois metros e quarenta de altura, ou talvez mais, com pernas tão grossas como árvores, tinha um peito digno de um cavalo de tração e ombros que não envergonhariam um touro. A sua armadura era de placa de aço, esmaltada de branco e brilhante como esperanças de donzela, e era usada por cima de cota de malha dourada. Um grande elmo ocultava-lhe o rosto. Da crista partiam sete plumas de seda nas cores do arco-íris da Fé. Um par de estrelas douradas de sete pontas prendia-lhe aos ombros o manto encapelado.
Um manto branco.
Sor Kevan cumprira a sua parte do acordo. Tommen, o seu precioso rapazinho, nomeara o seu campeão para a Guarda Real.
Cersei não chegou a ver de onde Qyburn saíra, mas ele apareceu ali de súbito a seu lado, dando corridinhas para acompanhar os longos passos do seu campeão.
— Vossa Graça — disse — é tão bom ter-vos de volta. Posso ter a honra de vos apresentar o mais recente membro da Guarda Real? Este é Sor Robert Strong.
— Sor Robert — sussurrou Cersei enquanto atravessavam os portões.
— Se aprouver a Vossa Graça, Sor Robert prestou um voto sagrado de silêncio — disse Qyburn. — Jurou que não falaria até todos os inimigos de Vossa Graça estarem mortos e o mal ter sido expulso do reino.
Sim, pensou Cersei Lannister. Oh, sim.
TYRION
A pilha de pergaminhos tinha uma altura formidável. Tyrion olhou-a e suspirou.
— Julgava que éreis um bando de irmãos. Isto é o amor que um irmão sente por outro? Onde está a confiança? A amizade, a consideração dedicada, o profundo afeto que só homens que combateram e sangraram juntos poderão conhecer?
— Tudo a seu tempo — disse o Ben Castanho Plumm.
— Depois de assinares — disse o Tinteiros, afiando uma pena.
Kasporio, o Astucioso, tocou no cabo da sua espada.
— Se quiseres começar agora o sangramento, ficarei contente por te fazer a vontade.
— Que bondade a tua de fazeres essa oferta — disse Tyrion. — Acho que não.
O Tinteiros pôs-lhe os pergaminhos na frente e entregou-lhe a pena.
— Aqui 'tá a tua tinta. É da Velha Volantis. Vai durar tanto como preto de meistre como deve ser. Só tens que assinar e passar-me as notas. Eu cá faço o resto.
Tyrion dirigiu-lhe um sorriso torto.
— Posso lê-las primeiro?
— Se quiseres. A maior parte são iguais. Exceto as do fundo, mas a seu tempo lá chegaremos.
Oh, tenho a certeza de que chegaremos. Para a maioria dos homens não havia um preço a pagar para se juntarem a uma companhia, mas ele não era a maioria dos homens. Mergulhou a pena no tinteiro, debruçou-se sobre o primeiro pergaminho, fez uma pausa, ergueu o olhar.
— Preferes que eu assine Yollo ou Hugor Hill
O Ben Castanho enrugou os olhos.
— Preferes ser devolvido aos herdeiros de Yezzan ou só decapitado?
O anão riu-se e assinou o pergaminho: Tyrion da Casa Lannister.
Quando o passou para a esquerda, ao Tinteiros, folheou a pilha que estava por baixo.
— São... quê, cinquenta? Sessenta? Julgava que havia quinhentos Segundos Filhos.
— Quinhentos e treze, de momento — disse o Tinteiros. — Quando assinares o nosso livro seremos quinhentos e catorze.
— Então só um em dez recebe uma nota? Isso não me parece lá muito justo. Julgava que nas companhias livres éreis todos partilhar-e-partilhar-igualmente. — Assinou outra folha.
O Ben Castanho soltou um risinho.
— Oh, todos partilham. Mas não igualmente. Os Segundos Filhos não são muito diferentes de uma família...
— ... e todas as famílias têm os seus primos invejosos. — Tyrion assinou outra nota. O pergaminho estalou ruidosamente quando o fez deslizar na direção do tesoureiro. — Há celas nas entranhas de Rochedo Casterly onde o senhor meu pai mantinha os piores dos nossos. — Mergulhou a pena no tinteiro. Tyrion da Casa Lannister, escrevinhou, prometendo pagar ao portador da nota cem dragões de ouro. Cada traço de pena me deixa um pouco mais pobre... ou deixaria, se eu não começasse por ser um pedinte. Um dia talvez se arrependesse daquelas assinaturas. Mas não no dia de hoje. Soprou a tinta húmida, fez deslizar o pergaminho na direção do tesoureiro, e assinou o que estava por baixo. E outra vez. E outra. E outra.