E está feito. O anão inclinou para trás o banco de acampar.
— É tudo o que exigis de mim? Não tenho de prestar um juramento? Matar um bebê? Chupar a pica do capitão?
— Chupa o que quiseres. — O Tinteiros virou o livro e espalhou pela página um pouco de areia fina. — Para a maioria de nós, a assinatura é suficiente, mas detestaria desapontar um novo irmão de armas. Bem-vindo aos Segundos Filhos, Lorde Tyrion.
Lorde Tyrion. O anão gostou de como aquilo soava. Os Segundos Filhos podiam não beneficiar da brilhante reputação da Companhia Dourada, mas tinham conquistado algumas vitórias fabulosas ao longo dos séculos.
— Houve outros senhores a servir na companhia?
— Senhores sem terras — disse o Ben Castanho. — Como tu, Duende.
Tyrion saltou do banco.
— O meu irmão anterior era inteiramente insatisfatório. Espero mais dos novos. E agora, como é que trato de arranjar armas e armadura?
— Também vais querer uma porca para montar? — perguntou Kasporio.
— Ora, não sabia que a tua mulher estava na companhia — disse Tyrion. — E gentileza tua oferecê-la, mas eu preferia um cavalo.
O espadachim enrubesceu, mas o Tinteiros riu alto e o Ben Castanho concedeu-lhe um risinho.
— Tinteiros, leva-o às carroças. Ele pode escolher de entre o aço da companhia. A rapariga também. Põe-lhe um elmo, um pouco de cota de malha, e pode ser que alguns a confundam com um rapaz.
— Lorde Tyrion, comigo. — O Tinteiros segurou na aba da tenda para que ele a atravessasse a bambolear. — Vou mandar o Arrebato levar-te às carroças. Vai buscar a tua mulher e vai ter com ele junto da tenda do cozinheiro.
— Ela não é minha mulher. Talvez devesses ser tu a ir buscá-la. Nos últimos tempos não faz nada a não ser dormir e deitar-me olhares furiosos.
— Tens de lhe bater com mais força e de a foder mais vezes — aconselhou o tesoureiro. — Trá-la, deixa-a, faz o que quiseres. O Arrebato não se vai importar. Vem à minha procura quando arranjares armadura para te mostrar o livro-mestre.
— Como queiras.
Tyrion encontrou Centava a dormir a um canto da tenda de ambos, enrolada sobre uma fina enxerga de palha sob uma pilha de lençóis sujos. Quando lhe tocou com a ponta da bota, ela rolou, olhou-o a piscar os olhos e bocejou.
— Hugor? Que é?
— Ah já nos falamos, é? — Era melhor do que o silêncio carrancudo do costume. Tudo por causa de um cão e de um porco abandonados. Salvei-nos a ambos da escravatura, julgar-se-ia que seria motivo para uma certa gratidão. — Se dormires mais, és capaz de não ver a guerra.
— Estou triste. — Voltou a bocejar. — E cansada. Tão cansada.
Cansada ou doente? Tyrion ajoelhou ao lado da enxerga.
— Estás pálida. — Pôs-lhe a mão na testa. Estará calor aqui dentro, ou será que ela tem um pouco de febre? Não se atreveu a fazer essa pergunta em voz alta. Mesmo homens duros como os Segundos Filhos tinham terror de montar a égua branca. Se julgassem que Centava estava doente, expulsá-la-iam sem um momento de hesitação. Até podem devolver-nos aos herdeiros de Yezzan, com notas ou sem elas. — Assinei o livro deles. A moda antiga, com sangue. Agora sou um Segundo Filho.
Centava sentou-se, afastando com uma esfregadela o sono dos olhos.
— E eu? Também posso assinar?
— Acho que não. Sabe-se de algumas companhias livres que aceitaram mulheres, mas... bem, afinal de contas eles não são as Segundas Filhas.
— Nós — disse ela. — Se és um deles, devias dizer nós, não eles. Alguém viu a Porca Bonita? O Tinteiros disse que ia perguntar por ela. Ou o Trincão, há notícias do Trincão?
Só se confiares no Kasporio. O não-tão-astucioso-como-isso segundo comandante do Plumm afirmava que três apanhadores de escravos yunkaitas andavam a percorrer os acampamentos, perguntando por um par de anões fugidos. Um deles transportava uma grande lança com uma cabeça de cão espetada na ponta, segundo Kasporio dizia. Mas não era provável que notícias como aquela a tirassem da cama.
— Ainda não há novidades — mentiu. — Anda. Temos de arranjar uma armadura para ti.
Ela dirigiu-lhe um olhar cauteloso.
— Armadura? Porquê?
— Uma coisa que o meu velho mestre-de-armas me disse. "Nunca vás nu para a batalha, rapaz," disse ele. Eu aceito o conselho. Além disso, agora que sou um mercenário devo ter uma espada para vender. — Ela continuava a não mostrar sinais de se mexer. Tyrion pegou-lhe no pulso, pô-la em pé e atirou-lhe uma mancheia de roupa à cara. — Veste-te. Usa o manto com o capuz e mantém a cabeça baixa. Devemos parecer um par de rapazes promissores, para o caso dos apanhadores de escravos estarem a observar.
O Arrebato estava à espera junto da tenda do cozinheiro, a mascar folhamarga, quando os dois anões apareceram, cobertos com mantos e capuzes.
— Ouvi dizer que vós os dois ides combater para nós — disse o sargento __ isso deve tê-los posto a mijar de medo em Meereen. Algum de vós matou alguém na vida?
— Eu matei — disse Tyrion. — Esmago-os como se fossem moscas.
— Com o quê?
— Um machado, um punhal, um comentário de primeira categoria. Se bem que seja mais mortífero com a minha besta.
O Arrebato coçou a barba por fazer com a ponta do gancho.
— E coisa porca, isso da besta. Quantos homens mataste com isso?
— Nove. — Certamente que o pai valia por tantos, pelo menos. Senhor de Rochedo Casterly, Protetor do Oeste, Escudo de Lannisporto, Mão do Rei, marido, irmão, pai, pai, pai.
— Nove. — O Arrebato soltou uma fungadela e cuspiu uma bola de muco vermelho. Apontara aos pés de Tyrion, talvez, mas acertou-lhe no joelho. Era claro que era isso que pensava dos "nove." Os dedos do sargento estavam manchados de vermelho devido ao suco da folhamarga que mascava. Pôs dois deles dentro da boca e assobiou.
— Kem! Anda cá, penico dum cabrão. — Kem veio a correr. — Leva o Senhor e a Senhora Duende às carroças, e diz ao Martelo para lhes arranjar um bocado de aço da companhia.
— O Martelo pode estar caído de bêbado — acautelou Kem.
— Mija-lhe na tromba. Isso há de acordá-lo. — O Arrebato voltou a virar-se para Tyrion e Centava. — Nunca tivemos cá uns merdas de uns anões, mas nunca nos faltaram rapazes. Filhos desta puta ou daquela, palerminhas fugidos de casa para terem aventuras, cuzinhos, escudeiros, gente dessa. Alguma da tralha deles pode ser suficientemente pequena para servir a duendes. O mais certo é ser tralha que tinham vestida quando morreram, mas eu sei que isso não vai chatear cabrões ferozes como vós dois. Nove, foi? — Abanou a cabeça e afastou-se.
Os Segundos Filhos tinham o amieiro da companhia em seis grandes carroças estacionadas perto do centro do acampamento. Kem indicou o caminho, fazendo oscilar a lança como se fosse um bastão.
— Como foi que um rapaz de Porto Real acabou numa companhia livre? — perguntou-lhe Tyrion.
O rapaz dirigiu-lhe um cauteloso olhar de viés.
— Quem foi que te disse que eu era de Porto Real?
— Ninguém. — Cada palavra que te sai da boca fede ao Fundo das Pulgas. — Foram os teus miolos que te denunciaram. Diz-se que não há gente mais esperta que a de Porto Real.
Aquilo pareceu surpreendê-lo.
— Quem é que diz isso?
— Toda a gente. — Eu.
— Desde quando?
Desde que eu inventei o dito, agora mesmo.