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Sim, devem querer. Tudo se encaixava. Isso não queria dizer que Bar­ristan Selmy gostasse mais do que estava a fazer.

—   Isso não acontecerá. — A sua rainha era a Mãe dos Dragões; ele não permitiria que algum mal acontecesse aos seus filhos. Na hora do lobo. Na mais negra parte da noite, quando todo o mundo dorme. — Ouvi­ra aquelas palavras pela primeira vez da boca de Tywin Lannister, junto das muralhas de Valdocaso. Ele deu-me um dia para trazer Aerys. Disse-me que se eu não regressasse com o rei até à alvorada do dia seguinte, ele tomaria a vila com aço e fogo. Era a hora do lobo quando entrei, e a hora do lobo quan­do saímos. — O Verme Cinzento e os Imaculados fecharão e trancarão os portões à primeira luz da aurora.

—    É melhor atacar à primeira luz — disse Skahaz. — Arremeter a partir dos portões e cair sobre as linhas de cerco, esmagar os yunkaitas en­quanto eles saem aos tropeções das camas.

—   Não. — Os dois já antes tinham discutido aquilo. — Há uma paz, assinada e selada por Sua Graça, a rainha. Não seremos os primeiros a quebrá-la. Depois de termos capturado Hizdahr, formaremos um conselho para governar no seu lugar, e exigiremos que os yunkaitas nos devolvam os reféns e retirem os seus exércitos. Se recusarem, então e só então os infor­maremos de que a paz está quebrada e avançaremos para lhes dar batalha. A vossa maneira é desonrosa.

—   A vossa maneira é estúpida — disse o Tolarrapada. — A hora está madura. Os nossos libertos estão prontos. Famintos.

Selmy sabia que aquilo era verdade. Quer Symon Dorsolistado, dos Irmãos Livres, quer Mollono Yos Dob, dos Escudos Vigorosos, estavam an­siosos pela batalha, decididos a provar o seu valor e a lavar todas as desfeitas que tinham sofrido numa maré de sangue yunkaita. Só Marselen, dos Ho­mens da Mãe, partilhava das dúvidas de Sor Barristan.

—   Já discutimos isto. Concordastes que seria feito à minha maneira.

—   Concordei — rosnou o Tolarrapada — mas isso foi antes de Gro­leo. Da cabeça. Os esclavagistas não têm honra.

—   Mas nós temos — disse Sor Barristan.

O Tolarrapada resmungou qualquer coisa em ghiscari e depois disse:

—   Como queirais. Se bem que me pareça que nos iremos arrepender da vossa honra de velho antes de este jogo chegar ao fim. E os guardas de Hizdahr?

—    Sua Graça mantém dois homens consigo quando dorme. Um à porta do quarto, um segundo lá dentro, numa alcova contígua. Esta noite serão Khrazz e Peledaço.

—   Khrazz — rosnou o Tolarrapada. — Não gosto disso.

—   Não é preciso que haja derramamento de sangue — disse-lhe Sor Barristan. — Pretendo falar com Hizdahr. Se ele compreender que não ten­cionamos matá-lo, talvez ordene aos guardas que se rendam.

—   E se não ordenar? Hizdahr não nos pode fugir.

—    Não fugirá. — Selmy não temia Khrazz, muito menos Peleda­ço. Não passavam de lutadores de arena. O temível conjunto de antigos escravos de combate que Hizdahr controlava dava uma guarda medí­ocre, na melhor das hipóteses. Possuíam rapidez, força e ferocidade, e também alguma perícia com as armas, mas jogos de sangue eram fraco treino para proteger reis. Nas arenas, os inimigos eram anunciados com trombetas e tambores, e depois de a batalha estar terminada e vencida os vencedores podiam mandar ligar os ferimentos e emborcar um pouco de leite da papoila para as dores, sabendo que a ameaça tinha passado e estavam livres para beber e banquetear-se e ir às rameiras até ao com­bate seguinte. Mas a batalha nunca estava realmente terminada para um cavaleiro da Guarda Real. As ameaças vinham de todo o lado e de lado nenhum, a qualquer hora do dia ou da noite. Nenhuma trombeta anun­ciava o inimigo; vassalos, criados, amigos, irmãos, filhos, até esposas, qualquer um deles podia ter uma faca oculta sob um manto e assassí­nio escondido no coração. Por cada hora de combate, um cavaleiro da Guarda Real passava dez mil horas vigiando, esperando, em silêncio nas sombras. Os lutadores de arena do Rei Hizdahr já estavam a ficar abor­recidos e irrequietos com os seus novos deveres, e homens aborrecidos eram descuidados, lentos a reagir.

—    Eu lidarei com Khrazz — disse Sor Barristan. — Assegurai-vos apenas de que não terei de lidar também com nenhum Fera de Bronze.

—   Não tenhais medo. Teremos Marghaz a ferros antes de ele poder fazer travessuras. Já vos disse, os Feras de Bronze são meus.

—   Dissestes que tendes homens entre os yunkaitas?

—   Bufos e espiões. Reznak tem mais.

Não se pode confiar em Reznak. Tem um cheiro demasiado doce e sen­timentos demasiado nauseabundos.

—   Alguém tem de libertar os nossos reféns. Se não recuperarmos a nossa gente, os yunkaitas usá-la-ão contra nós.

Skahaz soltou uma fungadela através dos buracos nasais da sua más­cara.

—   É fácil falar em salvamento. É mais difícil fazê-lo. Os esclavagistas que ameacem.

—   E se fizerem mais do que ameaçar?

—  Sentiríeis assim tanto a sua falta, velho? Um eunuco, um selvagem e um mercenário?

Herói, Jhogo e Daario.

—   Jhogo é companheiro de sangue da rainha, sangue do seu sangue. Saíram juntos do Deserto Vermelho. O Herói é o segundo comandante do Verme Cinzento. E Daario. .. — Ela ama Daario. Selmy vira-lho nos olhos quando olhava para ele, ouvira-o na sua voz quando falava dele. — ... Daa­rio é vaidoso e temerário, mas Sua Graça gosta dele. Tem de ser salvo, antes que os seus Corvos Tormentosos decidam tratar eles do assunto. Pode ser feito. Uma vez fiz sair o pai da rainha em segurança de Valdocaso, onde era mantido cativo por um senhor rebelde, mas...

—    ... nunca poderíeis esperar passar despercebido entre os yunkai­tas. Por esta altura já todos os seus homens conhecem a vossa cara.

Podia esconder a cara, como tu, pensou Selmy, mas sabia que o Tolarrapada tinha razão. Valdocaso fora há uma vida. Era velho demais para esse tipo de heroísmos.

—    Então temos de encontrar outra maneira. Outro salvador qual­quer. Alguém conhecido dos yunkaitas, cuja presença no seu acampamen­to possa passar despercebida.

—   Daario chama-vos Sor Avô — fez-lhe lembrar Skahaz. — Não di­rei o que me chama a mim. Se vós e eu fôssemos reféns, será que ele arris­caria a pele por nós?

Não é provável, pensou, mas disse:

—  Talvez arriscasse.

—   Daario talvez mijasse em nós se estivéssemos a arder. Caso contrá­rio, não procureis nele ajuda. Que os Corvos Tormentosos escolham outro capitão, um capitão que conheça o seu lugar. Se a rainha não regressar, o mundo ficará com um mercenário a menos. Quem o chorará?

—   E quando ela regressar?

—   Chorará, arrancará cabelos e amaldiçoará os yunkaitas. Não a nós. Não há sangue nas nossas mãos. Podeis consolá-la. Contar-lhe alguma his­tória dos tempos antigos, ela gosta dessas histórias. Pobre Daario, o seu va­lente capitão ... nunca o esquecerá, não... mas é melhor para todos nós que ele esteja morto, sim? E também é melhor para Daenerys.

É melhor para Daenerys e para Westeros. Daenerys Targaryen ama­va o seu capitão, mas isso era a rapariga que nela havia, não a rainha. O Príncipe Rhaegar amou a sua Senhora Lyanna e morreram milhares de pes­soas por isso. Daemon Blackfyre amava a primeira Daenerys e ergueu-se em rebelião quando ela lhe foi negada. Tanto o Açamargo como o Corvo de Sangue amaram Siera Seastar, e os Sete Reinos sangraram. O Príncipe das Libélulas amou tanto Jenny de Pedravelhas que pôs de lado uma coroa, e Westeros pagou o dote em cadáveres. Todos os três filhos do quinto Aegon tinham casado por amor, em desafio aos desejos do pai. E porque esse monarca improvável seguira o coração quando escolhera a sua rainha, permitiu que os filhos levassem a sua avante, criando inimigos amargos onde podia ter amigos fiéis. Tinham-se seguido traições e turbulência, como a noite se segue ao dia, desembocando em Solarestival, em feitiça­ria, fogo e dor.