— Pode ser que sim, senhora — disse Balon Swann — mas Sor Gregor era um cavaleiro, e um cavaleiro deve morrer de espada na mão. O veneno é uma forma má e nojenta de matar.
A Senhora Tyene sorriu ao ouvir aquilo. O seu vestido era verde e creme, com longas mangas de renda, tão modesto e inocente que qualquer homem que a olhasse poderia julgá-la a mais casta das donzelas. Areo Hotah sabia que não o era. As suas mãos suaves e pálidas eram tão mortíferas como as mãos calejadas de Obara, se não o fossem ainda mais. Observou-a com atenção, alerta a todos os pequenos tremores dos seus dedos.
O Príncipe Doran franziu o sobrolho.
— Isso é verdade, Sor Balon, mas a Senhora Nym tem razão. Se algum homem mereceu morrer aos gritos, foi Gregor Clegane. Ele assassinou a minha boa irmã, esmagou a cabeça do seu bebé contra uma parede. Só rezo para agora estar a arder nalgum inferno e para que Elia e os filhos estejam em paz. Foi esta a justiça de que Dorne tinha fome. Contenta-me ter vivido o sufi ciente para a saborear. Os Lannister finalmente deram provas da verdade da sua fanfarronada, e pagaram esta velha dívida de sangue.
O príncipe deixou para Ricasso, o seu senescal cego, a tarefa de se levantar e propor o brinde.
— Senhores e senhoras, bebamos agora todos a Tommen, o Primeiro do Seu Nome, Rei dos Ândalos, dos Roinares e dos Primeiros Homens e Senhor dos Sete Reinos.
Criados tinham começado a andar entre os convidados enquanto o senescal falava, enchendo taças dos jarros que traziam. O vinho era vinho-forte dornês, escuro como sangue e doce como a vingança. O capitão não bebeu. Nunca bebia nos banquetes. O próprio príncipe tampouco participou do brinde. Tinha o seu próprio vinho, preparado pelo Meistre Myles e bem temperado com sumo da papoila para lhe aliviar a agonia nas articulações inchadas.
O cavaleiro branco bebeu, como a cortesia obrigava. Os companheiros também. O mesmo fizeram a Princesa Arianne, a Senhora Jordayne, o Senhor de Graçadivina, o Cavaleiro de Limoeiros, a Senhora de Monte Espírito… até Ellaria Sand, a adorada amante do Príncipe Oberyn, a qual estivera com ele em Porto Real quando morrera. Hotah prestou mais atenção àqueles que não beberam: Sor Daemon Sand, o Lorde Remond Gargalen, os gémeos Fowler, Dagos Manwoody, os Uller da Toca do Inferno, os Wyl do Caminho do Espinhaço. Se houver sarilhos, poderão começar com um deles. Dorne era uma terra zangada e dividida, e o domínio do Príncipe Doran sobre ela não era tão firme como poderia ser. Muitos dos seus próprios senhores julgavam-no fraco, e teriam acolhido bem uma guerra aberta com os Lannister e o rei rapaz no Trono de Ferro.
Em posição destacada entre estes encontravam-se as Serpentes de Areia, as filhas bastardas do falecido irmão do príncipe, Oberyn, a Víbora Vermelha, três das quais se encontravam presentes no banquete. Doran Martell era o mais sábio dos príncipes, e não cabia ao capitão dos seus guardas questionar as suas decisões, mas Areo Hotah interrogava-se sobre o motivo por que teria decidido libertar as senhoras Obara, Nymeria e Tyene das celas solitárias na Torre da Lança.
Tyene declinou o brinde de Ricasso com um murmúrio e a Senhora Nym com um gesto de mão. Obara deixou que lhe enchessem a taça até à borda, e depois virou-a ao contrário, derramando o vinho tinto no chão.
Quando uma criada se ajoelhou para limpar o vinho derramado, Obara abandonou o salão. Passado um momento a Princesa Arianne desculpou-se e foi atrás dela. Obara nunca virará a sua raiva contra a pequena princesa, pensou Hotah. São primas, e gosta muito dela.
O banquete continuou noite dentro, presidido pelo crânio sorridente no seu pilar de mármore negro. Sete pratos foram servidos, em honra dos sete deuses e dos sete irmãos da Guarda Real. A sopa fora feita com ovos e limões, os longos pimentos verdes estavam recheados de queijo e cebolas. Houve empadões de lampreia, capões com cobertura de mel, um peixe-gato proveniente do fundo do Sangueverde que era tão grande que foram precisos quatro criados para o trazer para a mesa. Depois disso, veio um saboroso guisado de cobra, bocados de sete espécies diferentes de cobra cozinhados em lume brando com pimentos e laranjas de sangue e uma pitada de veneno para o deixar a picar bem. Hotah sabia que o guisado picava como fogo, embora não o tivesse saboreado. Seguiu-se limonada, para refrescar a língua. Como sobremesa, foi servido a cada convidado um crânio de açúcar castanho. Depois de quebrarem a crosta, foram encontrar lá dentro creme de leite com bocados de ameixa e cereja.
A Princesa Arianne regressou a tempo dos pimentos recheados. A minha princesinha, pensou Hotah, mas Arianne já era uma mulher. As sedas escarlates que usava não deixavam qualquer dúvida sobre o facto. Nos últimos tempos mudara também de outras maneiras. A sua conspiração para coroar Myrcella fora traída e esmagada, o seu cavaleiro branco perecera de forma sangrenta às mãos de Hotah, e ela própria fora confinada à Torre da Lança, condenada à solidão e ao silêncio. Tudo isso moderara-a.
Contudo, havia mais alguma coisa, um segredo qualquer que o pai lhe confiara antes de a libertar do seu confinamento. O que seria esse segredo, o capitão não sabia.
O príncipe colocara a filha entre si e o cavaleiro branco, um lugar de grande honra. Arianne sorriu quando voltou a deslizar para o seu lugar, e murmurou qualquer coisa ao ouvido de Sor Balon. O cavaleiro não achou por bem responder. Hotah observou que o homem pouco comeu; uma colher de sopa, uma dentada de pimento, a perna de um capão, um pouco de peixe. Evitou a tarte de lampreia e só provou uma pequena colherada do estufado. Mesmo isso fez com que a testa se lhe cobrisse de suor. Hotah podia solidarizar-se com ele. Quando chegara a Dorne, a comida picante dava-lhe nós nas tripas e queimava-lhe a língua. Isso fora anos antes, porém; agora o seu cabelo era branco, e era capaz de comer tudo o que um dornês comesse.
Quando os crânios de açúcar foram servidos, a boca de Sor Balon apertou-se, e ele dirigiu ao príncipe um olhar demorado para ver se estariam a troçar dele. Doran Martell não pareceu reparar, mas a filha reparou.
— É o pequeno gracejo do cozinheiro, Sor Balon — disse Arianne.
— Nem mesmo a morte é sagrada para um dornês. Não ficareis zangado connosco, suponho? — Afagou com os dedos as costas da mão do cavaleiro branco. — Espero que tenhais apreciado o tempo passado em Dorne.
— Toda a gente foi muito hospitaleira, senhora.
Arianne tocou o alfinete que lhe prendia o manto, com os seus cisnes quezilentos.
— Sempre gostei de cisnes. Não há outra ave com metade da sua beleza deste lado do Mar do Verão.
— Os vossos pavões podem contestar essa ideia — disse Sor Balon.
— Pois podem — disse Arianne — mas os pavões são criaturas vaidosas e orgulhosas, que se pavoneiam por aí com todas aquelas cores garridas. Prefro um cisne, sereno de branco ou belo de negro.
Sor Balon fez um aceno com a cabeça e beberricou do vinho. Este não é tão fácil de seduzir como o seu Irmão Ajuramentado foi, pensou Hotah. Sor Arys era um rapaz, apesar da idade que tinha. Este é um homem, e cauteloso.
Bastava ao capitão olhá-lo para ver que o cavaleiro branco estava pouco à vontade. Este lugar é-lhe estranho e pouco do seu agrado. Hotah conseguia compreender porquê. Dorne também a si parecera um lugar esquisito quando chegara pela primeira vez com a sua princesa, muitos anos antes.
Os sacerdotes barbudos tinham-lhe ensinado o idioma comum de Westeros antes de o enviarem, mas todos os dorneses falavam depressa demais para ele compreender. As mulheres dornesas eram libidinosas, o vinho dornês era amargo, e a comida dornesa era cheia de estranhas especiarias picantes. E o sol dornês era mais quente do que o pálido e macilento sol de Norvos, olhando furioso de um céu azul, dia após dia.