— Borroq é a menor das vossas preocupações. Aquela patrulha...
— Uma palavra vossa poderia ter feito a rainha mudar de ideias.
— Selyse tem razão a este respeito, Lorde Snow. Eles que morram. Não podeis salvá-los. Os vossos navios estão perdidos...
— Restam seis. Mais de metade da frota.
— Os vossos navios estão perdidos. Todos. Nem um só homem regressará. Vi-o nos meus fogos.
— Os vossos fogos já foram apanhados em mentiras.
— Eu cometi erros, já o admiti, mas...
— Uma rapariga cinzenta num cavalo moribundo. Punhais no escuro. Um príncipe prometido, nascido entre fumo e sal. Parece-me que nada haveis cometido além de erros, senhora. Onde está Stannis? E o Lorigão-de-Chocalho e as suas esposas de lanças? Onde está a minha irmã?
— Todas as vossas perguntas serão respondidas. Olhai para os céus, Lorde Snow. E quando obtiverdes as vossas respostas, mandai-me chamar. O inverno já quase chegou. Eu sou a vossa única esperança.
— Uma esperança de tolo. — Jon virou-se e deixou-a só.
O Couros percorria o pátio lá fora.
— Toregg regressou — relatou quando Jon saiu. — O pai instalou a sua gente em Escudorroble, e regressará esta tarde com oitenta combatentes. Que tinha a rainha barbuda a dizer?
— Sua Graça não pode fornecer ajuda.
— Demasiado ocupada a arrancar pelos do queixo, é? — O Couros escarrou. — Não interessa. Os homens de Tormund e os nossos serão suficientes.
Suficientes para nos levar até lá, talvez. Era a viagem de regresso que preocupava Jon Snow. Ao voltar para casa seriam abrandados por milhares de membros do povo livre, muitos dos quais doentes e esfomeados. Um rio de humanidade, avançando mais devagar do que um rio de gelo. Isso deixá-los-ia vulneráveis. Coisas mortas na floresta. Coisas mortas na água.
— Quantos homens são suficientes? — perguntou ao Couros. — Cem? Duzentos? Quinhentos? Mil? — Deverei levar mais homens, ou menos? Uma patrulha mais pequena chegaria mais cedo a Larduro... mas de que serviam espadas sem comida? A Mãe Toupeira e a sua gente já tinham chegado ao ponto de comer os próprios mortos. Para os alimentar teria de levar carros e carroças, e animais de tração para os puxar; cavalos, bois, cães. Em vez de voar pela floresta, seriam condenados a rastejar. — Ainda há muito a decidir. Passa palavra. Quero todos os líderes no Salão dos Escudos quando começar o turno da noite. Tormund já deverá ter regressado por essa hora. Onde posso encontrar Toregg?
— Com o monstrinho, provavelmente. Ouvi dizer que engraçou com uma das amas-de-leite.
Engraçou com Val. A irmã era uma rainha, porque não ela? Tormund pensara em tempos tornar-se Rei-para-lá-da-Muralha, antes de Mance o ter derrotado. Toregg, o Alto, podia perfeitamente estar a sonhar o mesmo sonho. Antes ele do que Gerrick Sangue-de-rei.
— Deixa-os estar — disse Jon. — Posso falar mais tarde com Toregg. — Olhou para cima, para trás da Torre do Rei. A Muralha estava de um branco mortiço, o céu acima dela mais branco ainda. Um céu de neve. — Reza para não termos outra tempestade.
À porta do amieiro, Mully e o Pulga tremiam, de guarda.
— Não devíeis estar lá dentro, fora deste vento? — perguntou Jon.
— Isso era bom, senhor — disse Fulk, o Pulga — mas hoje o vosso lobo não está com disposição para companhia.
Mully concordou.
— Tentou dar-me uma dentada, tentou pois.
— O Fantasma? — Jon estava chocado.
— A menos que vossa senhoria tenha outro lobo branco, sim. Nunca o vi assim, senhor. Todo selvagem, quero eu dizer.
Não se enganava, como Jon descobriu pessoalmente quando atravessou as portas. O grande lobo gigante branco não parava quieto. Andava de Uma extremidade do amieiro à outra, passando pela velha forja, e regressava pelo mesmo caminho.
— Calma, Fantasma — chamou Jon. — Para baixo. Senta-te, Fantasma. Para baixo. — Mas quando fez tenção de lhe tocar, o lobo eriçou-se todo e mostrou os dentes. É aquele maldito javali. Até aqui o Fantasma consegue cheirar o fedor que deita.
O corvo de Mormont também parecia agitado.
— Snow — não parava a ave de gritar. — Snow, snow, snow. — J0n enxotou-a, mandou o Cetim acender a lareira, e depois mandou-o chamar Bowen Marsh c Othell Yarwyck. — Traz também um jarro de vinho com especiarias.
— Três copos, senhor?
— Seis. Mully e o Pulga parecem estar a precisar de qualquer coisa quente. E tu também vais precisar.
Quando o Cetim saiu, Jon sentou-se e deu outra olhadela aos mapas das terras a norte da Muralha. O caminho mais rápido para Larduro seguia ao longo da costa... a partir de Atalaialeste. A floresta era menos densa perto do mar, o terreno era principalmente composto por planuras, colinas onduladas e pântanos salgados. E quando as tempestades outonais chegavam aos uivos, a costa era mais fustigada por saraiva e chuva gelada do que por neve. Os gigantes estão em Atalaialeste, e o Couros diz que alguns ajudarão. A partir de Castelo Negro o caminho era mais difícil, mesmo através do coração da floresta assombrada. Se a neve tem esta profundidade junto da Muralha, quão pior estará lá em cima?
Marsh entrou a fungar, Yarwyck severo.
— Outra tempestade — anunciou o Primeiro Construtor. — Como vamos nós trabalhar com este tempo? Preciso de mais construtores.
— Usai o povo livre — disse Jon.
Yarwyck abanou a cabeça.
— Esses não valem os sarilhos que causam. São desleixados, descuidados, preguiçosos... há alguns bons carpinteiros aqui e ali, não vou negá-lo, mas quase não há um pedreiro entre eles, e nem sinal de ferreiros. Costas fortes, talvez, mas não fazem o que lhes dizem para fazer. E nós com todas aquelas ruínas para voltar a transformar em fortes. Não pode ser feito, senhor, estou a dizer-vos a verdade. Não pode ser feito.
— Será feito — disse Jon — caso contrário, eles viverão em ruínas. — Um lorde precisava de homens à sua volta com quem pudesse contar para lhe fornecerem conselhos honestos. Marsh e Yarwyck não eram nenhuns lambe-botas, e ainda bem... mas raramente davam alguma ajuda. Era cada vez mais frequente dar por si a saber o que diriam antes de lhes perguntar.
Especialmente no que tocava ao povo livre, tema em que a sua desaprovação chegava aos ossos. Quando Jon povoara Portapedra com Soren Quebrascudos, Yarwyck protestara que o castelo era demasiado isolado. Como podiam saber que travessuras andava Soren a fazer naquelas colinas? Quando atribuíra Escudorroble a Tormund Terror dos Gigantes e portão da Rainha a Morna Máscara Branca, Marsh fizera notar que Castelo Negro teria agora inimigos de ambos os lados, os quais podiam facilmente isolá-los do resto da Muralha. E quanto a Borroq, Òthell Yarwyck afirmava nue os bosques a norte de Portapedra estavam cheios de javalis selvagens. Quem poderia afirmar que o troca-peles não arranjaria o seu próprio exército de porcos?