Ao fundo do salão erguia-se uma plataforma pouco firme. Jon subiu-a, com Tormund Terror dos Gigantes a seu lado, e ergueu as mãos pedindo silêncio. As vespas só zumbiram mais alto. Depois Tormund levou o corno de guerra as lábios e deu um sopro. O som encheu o salão, ecoando nas vigas por cima das suas cabeças. O silêncio caiu.
— Chamei-vos para fazermos planos para o auxílio a Larduro — começou Jon Snow. — Milhares de membros do povo livre estão lá reunidos, encurralados e a passar fome, e recebemos relatos sobre coisas mortas na floresta. — À sua esquerda viu Marsh e Yarwyck. Othell estava rodeado pelos seus construtores, enquanto Bowen tinha Wick Palito, o Lew Mão Esquerda e o Alf de Lamágua a seu lado. À sua direita, Soren Quebrascudos sentava-se com os braços cruzados sobre o peito. Mais para trás, Jon viu Gavin, o Mercador, e Harle, o Belo, a conversar em murmúrios. Ygon Paivelho estava sentado entre as esposas, o Howd Vadio sozinho. Borroq estava encostado a uma parede num canto escuro. Misericordiosamente, não se via o seu javali em lado nenhum. — Os navios que enviei para trazer a Mãe Toupeira e a sua gente foram devastados por tempestades. Temos de enviar a ajuda que pudermos por terra, ou de os deixar morrer. — Jon viu que dois dos cavaleiros da Rainha Selyse também tinham vindo. Sor Narbert e Sor Benethon estavam em pé, perto da porta, ao fundo do salão. Mas o resto dos homens da rainha era conspícuo na sua ausência. — Tive a esperança de liderar pessoalmente a patrulha e de trazer tantos membros do povo livre quantos conseguissem sobreviver à viagem. — Um clarão vermelho ao fundo do salão chamou a atenção de Jon. A Senhora Melisandre chegara. — Mas descubro agora que não posso ir a Larduro. A patrulha será liderada por Tormund Terror dos Gigantes, que todos conheceis. Prometi-lhe tantos homens quantos aqueles de que precise.
— E onde estarás tu, corvo? — trovejou Borroq. — Aqui escondido em Castelo Negro com o teu cão branco?
— Não. Eu parto para sul. — De seguida Jon leu-lhes a carta que Ramsay Snow escrevera.
O Salão dos Escudos enlouqueceu.
Todos os homens desataram aos gritos ao mesmo tempo. Puseram-se em pé aos saltos, sacudindo punhos. Lá se foi o poder calmante de bancos confortáveis. Foram brandidas espadas, machados esmagaram-se contra escudos. Jon Snow olhou para Tormund. O Terror dos Gigantes voltou a fazer soar o corno, duas vezes mais alto e durante o dobro do tempo da primeira vez.
— A Patrulha da Noite não participa nas guerras dos Sete Reinos — fez-lhes lembrar Jon, quando algo de semelhante à calma regressou. — Não nos cabe a nós opormo-nos ao Bastardo de Bolton, vingar Stannis Baratheon ou defender a sua viúva ou a filha. Esta criatura que faz mantos com as peles de mulheres jurou arrancar-me o coração e eu pretendo fazê-lo responder por essas palavras... mas não pedirei aos meus irmãos para abjurarem dos seus votos. A Patrulha da Noite dirigir-se-á a Larduro. Eu cavalgo para Winterfell sozinho, a menos que... — Jon fez uma pausa. — ... há aqui algum homem que queira vir comigo?
O rugido foi tudo o que Jon podia esperar, o tumulto tão ruidoso que dois velhos escudos caíram das paredes. Soren Quebrascudos estava em pé, o Vadio também. Toregg, o Alto, Brogg, tanto Harle, o Caçador, como Harle, o Belo, Ygon Paivelho, o Doss Cego, até o Grande Morsa. Tenho as minhas espadas, pensou Jon Snow, e vamos buscar-te, Bastardo.
Viu que Yarwyck e Marsh estavam a esgueirar-se para fora, com todos os seus homens atrás deles. Não importava. Agora não precisava deles. Não os queria. Nenhum homem poderá dizer que obriguei os meus irmãos a quebrar os votos. Se isto é perjúrio, o crime é meu e apenas meu. Depois sentiu Tormund a bater-lhe nas costas, todo ele sorriso desdentado de orelha a orelha.
— Bem dito, corvo. Agora traz o hidromel! Torna-os teus e embebeda-os, é assim que se faz. Ainda vamos fazer de ti um selvagem, rapaz. Ha!
— Vou mandar buscar cerveja disse Jon, distraído. Apercebeu-se de que Melisandre se fora embora, e os cavaleiros da rainha também. Devia ter ido ter primeiro com Selyse. Ela tem o direito de saber que o seu senhor está morto. — Tens de me desculpar. Vou deixar contigo a tarefa de os embebedares.
— Ha! Uma tarefa para a qual sou bastante adequado. Desaparece!
O Cavalo e Rory puseram-se ao lado de Jon quando abandonou o
Salão dos Escudos. Devia falar com Melisandre depois de ir ter com a rainha, pensou. Se ela conseguiu ver um corvo numa tempestade, pode encontrar Ramsay Snow por mim. Então ouviu os gritos, e um rugido tão sonoro que pareceu sacudir a Muralha.
— Aquilo veio da Torre de Hardin, senhor — relatou o Cavalo. Podia ter dito mais, mas o grito interrompeu-o.
Val, foi o primeiro pensamento de Jon. Mas aquilo não era grito de mulher. Aquilo é um homem numa agonia mortal. Desatou a correr. O Cavalo e Rory correram atrás dele.
— São criaturas? — perguntou Rory. Jon foi assaltado por dúvidas. Poderiam os cadáveres ter escapado às correntes que os prendiam?
Quando chegaram à Torre de Hardin os gritos tinham parado, mas Wun Weg Wun Dar Wun continuava a rugir. O gigante sacudia um cadáver ensanguentado por uma perna, tal como Arya costumava sacudir a boneca quando era pequena, brandindo-a como uma maça de armas quando era ameaçada por legumes. Mas Arya nunca fez as bonecas em bocados. O braço da espada do morto estava a metros de distância, com a neve, por baixo, a tornar-se vermelha.
— Larga-o — gritou Jon. — Wun Wun, larga-o.
Wun Wun não ouviu ou não compreendeu. O próprio gigante sangrava, com golpes de espada na barriga e no braço. Brandiu o cavaleiro morto contra a pedra cinzenta da torre, uma e outra e outra vez, até deixar a cabeça do homem vermelha e polposa como um melão estival. O manto do cavaleiro adejava no ar frio. Fora de lã branca, debruado com pano de prata e com um padrão de estrelas azuis. Sangue e ossos voavam por todo o lado.
Homens jorraram das torres e fortificações circundantes. Nortenhos, membros do povo livre, homens da rainha...
— Formai uma linha — ordenou-lhes Jon Snow. — Mantende-os afastados. Todos, mas em especial os homens da rainha. — O morto era Sor Patrek da Montanha Real; a sua cabeça estava praticamente desaparecida, mas a sua heráldica era tão identificativa como a cara. Jon não queria correr o risco de que Sor Malegorn ou Sor Brus ou qualquer outro dos cavaleiros da rainha tentasse vingá-lo.
Wun Weg Wun Dar Wun voltou a uivar e deu ao outro braço de Sor Patrek outra torção e um puxão. O braço soltou-se do ombro com um jorro de sangue vermelho vivo. Como uma criança a arrancar pétalas a uma margarida, pensou Jon.
— Couros, fala com ele, acalma-o. O idioma antigo, ele compreende o idioma antigo. Para trás, o resto de vós. Guardai o aço, estais a assustá-lo. — Não viam que o gigante fora golpeado? Jon tinha de pôr fim àquilo, senão mais homens morreriam. Eles não faziam ideia da força que Wun Wun possuía. Um corno, preciso cie um corno. Viu um reluzir de aço, virou-se para ele. — Nada de lâminas — gritou. — Wick, guarda essa...
... faca, fora o que pretendera dizer. Quando Wick Palito lhe cortou a garganta, a palavra transformou-se num grunhido. }on afastou-se da faca com uma torção de corpo, só o suficiente para a arma lhe roçar pela pele. Ele golpeou-me. Quando levou a mão à parte lateral do pescoço, sangue jorrou entre os seus dedos.