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—  Como está a cidade? — perguntou agora Selmy ao Tolarrapada.

—   Todas as portas estão fechadas e trancadas, conforme ordenastes. Andamos à caça de quaisquer mercenários ou yunkaitas que restem den­tro da cidade, e expulsamos ou prendemos os que apanhamos. A maioria parece ter-se enfiado na toca. Dentro das pirâmides, sem qualquer dúvida. Os Imaculados guarnecem as muralhas e as torres, prontos para qualquer assalto. Há duzentos bem-nascidos reunidos na praça, à chuva, metidos nos seus tokars e a uivar por audiência. Querem Hizdahr livre e eu morto, e querem que mateis aqueles dragões. Alguém lhes disse que os cavaleiros eram bons nisso. Os homens continuam a tirar cadáveres da pirâmide de Hazkar. Os Grandes Mestres de Yherizan e Uhlez abandonaram as suas pirâmides aos dragões.

Sor Barristan já sabia tudo aquilo.

—   E a contagem do carniceiro? — perguntou, temendo a resposta.

—   Vinte e nove.

—                       Vinte e nove? — Aquilo era muito pior do que imaginara. Os Filhos da Harpia tinham reatado a sua guerra de sombras dois dias antes. Três assassínios na primeira noite, nove na segunda. Mas ir de nove a vinte e nove numa única noite...

—   A contagem passará de trinta antes do meio-dia. Porque estais tão cinzento, velho? Que esperáveis? A Harpia quer Hizdahr libertado, portan­to voltou a enviar os seus filhos para as ruas com facas nas mãos. Todos os mortos são libertos e tolarrapadas, como dantes. Um era dos meus, um Fera de Bronze. O sinal da harpia foi deixado ao lado dos corpos, desenhado a giz no pavimento ou arranhado numa parede. Também houve mensagens. "Os dragões têm de morrer" escreveram, e "Harghaz, o Herói." Também se viu "Morte a Daenerys," antes de a chuva levar as palavras.

—   O imposto de sangue...

—   Vinte e nove mil peças de ouro de cada pirâmide, pois — resmun­gou Skahaz. — Será cobrado... mas a perda de algumas moedas nunca pa­rará a mão da Harpia. Só o sangue consegue fazer isso.

—   É o que dizeis. — Outra vez os reféns. Ele matá-los-ia a todos se eu deixasse. — Ouvi-vos das primeiras cem vezes. Não.

—    Mão da Rainha — resmungou Skahaz, descontente. — Mão de uma velha, estou eu cá a pensar, enrugada e débil. Rezo para que Daenerys regresse em breve para junto de nós. — Pôs na cara a máscara brônzea de lobo. — O vosso conselho deve estar a ficar irrequieto.

—   Eles são o conselho da rainha, não o meu. — Selmy trocou o man­to húmido por um seco e afivelou o cinturão da espada, após o que acom­panhou o Tolarrapada pelas escadas abaixo.

O salão das colunas estava vazio de peticionários naquela manhã. Embora tivesse assumido o título de Mão, Sor Barristan não queria ter a ousadia de conceder audiências na ausência da rainha nem permitiria que Skahaz mo Kandaz o fizesse. Os grotescos tronos em forma de dragão de Hizdahr tinham sido removidos por ordens suas, mas ele não trouxera de volta o simples banco com almofadas que a rainha preferira. Em vez disso, uma grande mesa redonda fora instalada no centro do salão, com cadeiras de espaldar alto a toda a volta, nas quais os homens se pudessem sentar e conversar como iguais.

Levantaram-se quando Sor Barristan desceu os degraus de mármo­re, com Skahaz Tolarrapada a seu lado. Marselen dos Homens da Mãe es­tava presente, com Symon Dorsolistado, comandante dos Irmãos Livres. Os Escudos Vigorosos tinham escolhido um novo comandante, um ilhéu do verão de pele negra chamado Tal Toraq, visto que o seu antigo capitão, Mollono Yos Dob, fora levado pela égua branca. Verme Cinzento estava lá em representação dos Imaculados, acompanhado por três sargentos eunu­cos com capacetes de bronze providos de espigões. Os Corvos Tormentosos eram representados por dois mercenários experientes, um arqueiro cha­mado Jokin e o amargo machadeiro cheio de cicatrizes que era simples­mente conhecido como Enviuvador. Os dois tinham assumido o comando conjunto da companhia na ausência de Daario Naharis. A maior parte do khalasar da rainha fora, com Aggo e Rakharo, procurá-la no mar dothraki, mas o estrábico jaqqa rhan Rommo, das pernas arqueadas, encontrava-se presente para falar pelos cavaleiros que haviam permanecido na cidade.

E do outro lado da mesa, em frente de Sor Barristan, sentavam-se quatro dos antigos guardas do Rei Hizdahr, os lutadores de arena Goghor, o Gigante, Belaquo Quebra-Ossos, Camarron da Contagem, e o Gato Ma­lhado. Selmy insistira na sua presença, contra as objeções de Skahaz Tolarrapada. Em tempos tinham ajudado Daenerys Targaryen a tomar aquela cidade, e isso não devia ser esquecido. Podiam ser brutamontes e assassinos ensopados em sangue, mas à sua maneira tinham sido leais... ao Rei Hi­zdahr, sim, mas também à rainha.

O último a chegar, Belwas, o Forte, entrou pesadamente no salão.

O eunuco olhara a morte na cara, tão de perto que podia tê-la beijado nos lábios. Isso marcara-o. Parecia ter perdido quinze quilos, e a pele cas­tanha escura que em tempos estivera bem esticada sobre a massa do peito e da barriga, cruzada por uma centena de cicatrizes desvanecidas, agora estava pendurada em dobras soltas, pendente e trémula, como um roupão cortado três medidas acima. Os seus passos também tinham abrandado, e pareciam algo incertos.

Mesmo assim, vê-lo alegrou o coração do velho cavaleiro. Atravessa­ra um dia o mundo com Belwas, o Forte, e sabia que podia contar com ele se tudo aquilo acabasse à espadeirada.

—   Belwas. Estamos contentes por te poderes juntar a nós.

—  Barba-Branca. — Belwas sorriu. — Onde estão o fígado e as cebo­las? Belwas, o Forte, não está tão forte como dantes, tem de comer, voltar a tornar-se grande. Puseram Belwas, o Forte, doente. Alguém tem de morrer.

Alguém morrerá. Muitos alguéns, provavelmente.

—   Senta-te, amigo. — Quando Belwas se sentou e cruzou os braços, Sor Barristan prosseguiu. — Quentyn Martell morreu esta manhã, logo an­tes da alvorada.

O Enviuvador riu-se.

—   O cavaleiro de dragões.

—   Palerma é como eu lhe chamo — disse Symon Dorsolistado.

Não, era só um rapaz. Sor Barristan não esquecera as loucuras da sua juventude.

—   Não faleis mal dos mortos. O príncipe pagou um preço horrível pelo que fez.

—   E os outros dorneses? — perguntou Tal Taraq.

—    Prisioneiros, por enquanto. — Nenhum dos dorneses tinha ofe­recido qualquer resistência. Archibald Yronwood embalava o corpo car­bonizado e fumegante quando os Feras de Bronze o encontraram, como as mãos queimadas podiam testemunhar. Usara-as para apagar as chamas que tinham rodeado Quentyn Martell. Gerris Drinkwater estava em pé por cima deles, de espada na mão, mas deixara cair a arma no momento em que os gafanhotos apareceram. — Partilham uma cela.

—   Eles que partilhem um cadafalso — disse Symon Dorsolistado. — Deixaram dois dragões à solta na cidade.

—   Abri as arenas e dai-lhes espadas — sugeriu o Gato Malhado. — Matá-los-ei a ambos enquanto Meereen grita o meu nome.

—   As arenas de combate permanecerão fechadas — disse Selmy. — Sangue e barulho só servirão para chamar os dragões.

—  Todos os três, talvez — sugeriu Marselen. — A fera negra apareceu uma vez, porque não virá segunda? Desta vez com a nossa rainha.

Ou sem ela. Se Drogon regressasse a Meereen sem Daenerys montada no dorso, a cidade irromperia em sangue e chamas, sobre isso Sor Barristan não tinha a mínima dúvida. Aqueles mesmos homens que agora estavam sentados à sua mesa depressa andariam à punhalada uns com os outros. Ela podia ser uma rapariguinha, mas Daenerys Targaryen era a única coisa que os mantinha todos juntos.