Dany pusera-se a caminho através da erva alta com um passo vivo. Sentia a terra quente entre os dedos dos pés. A erva era tão alta como ela. Nunca pareceu tão alta quando estava montada na minha prata, cavalgando ao lado do meu sol-e-estrelas, à cabeça do seu khalasar. Enquanto caminhava ia batendo na coxa com o chicote do mestre de arena. Isso, e os trapos que levava às costas, eram tudo o que trouxera de Meereen.
Embora caminhasse através de um reino verde, não era o profundo e rico verde do verão. Até ali o outono fazia sentir a sua presença, e o inverno não viria muito longe. A erva estava mais clara do que se lembrava, um verde pálido e doentio prestes a tornar-se amarelo. Depois disso viria o castanho. A erva estava a morrer.
O mar dothraki, o grande oceano de erva que se estendia da floresta de Qohor à Mãe das Montanhas e ao Ventre do Mundo, não era estranho a Daenerys Targaryen. Vira-o pela primeira vez quando ainda era rapariga, recém-casada com Khal Drogo e a caminho de Vaes Dothrak para ser apresentada às velhas do dosh khaleen. Ver toda aquela erva a estender-se na sua frente tirara-lhe o fôlego. O céu era azul, a erva era verde, e eu estava cheia de esperança. Sor Jorah, o seu rude velho urso, estivera então com ela. Tivera Irri, Jhiqui e Doreah para cuidarem de si, o seu sol-e-estrelas para a abraçar à noite, o filho a crescer dentro de si. Rhaego. Eu ia chamar-lhe Rhaego, e o dosh khaleen disse que ele seria o Garanhão Que Monta o Mundo. Não era tão feliz desde aqueles dias meio recordados em Bravos, quando vivera na casa com a porta vermelha.
Mas, no Deserto Vermelho, toda a sua alegria se transformara em cinzas. O seu sol-e-estrelas caíra do cavalo, a maegi Mirri Maz Duur assassinara Rhaego no seu ventre e Dany sufocara a concha vazia de Khal Drogo com as próprias mãos. Depois disso, o grande khalasar de Drogo estilhaçara-se. Ko Pono chamara a si próprio Khal Pono e levara muitos cavaleiros consigo, e também muitos escravos. Ko Jhaqo chamara a si próprio Khal Jhaqo e afastara-se com mais ainda. O seu companheiro de sangue Mago violara e assassinara Eroeh, uma rapariga que Daenerys salvara dele um dia. Só o nascimento dos dragões, entre o fogo e o fumo da pira funerária de Khal Drogo, poupara a própria Dany de ser arrastada de volta para Vaes Dothrak a fim de viver o resto dos seus dias entre as velhas do dosh khaleen.
O fogo queimou-me o cabelo, mas fora isso não me tocou. Acontecera o mesmo na Arena de Daznak. Disso conseguia lembrar-se, embora muito do que se seguira estivesse enevoado. Tanta gente, aos gritos e aos empurrões. Lembrava-se de cavalos empinados, de uma carroça de comida a derramar melões enquanto se virava. Vinda de baixo, uma lança surgira a voar, seguida por um bando de dardos de besta. Um passara tão perto que Dany o sentira a raspar-lhe pelo rosto. Outros ricochetearam nas escamas de Drogon, alojaram-se entre elas, ou trespassaram a membrana das suas asas. Lembrava-se do dragão se torcer debaixo dela, estremecendo com os impactos, enquanto tentava desesperadamente agarrar-se ao dorso escamoso. Os ferimentos fumegavam. Dany vira um dos dardos romper em chamas súbitas. Outro caíra, solto pelo bater das asas do dragão. Lá em baixo, vira homens a rodopiar, envoltos em chamas, com as mãos no ar como que apanhados nas convulsões de alguma dança louca. Uma mulher com um tokar verde estendera as mãos para uma criança que chorava, puxando-a para os seus braços a fim de a proteger das chamas. Dany vira a cor com clareza, mas não a cara da mulher. Havia gente a espezinhá-las enquanto mulher e criança jaziam abraçadas nos tijolos. Alguns ardiam.
Depois, tudo isso se desvanecera, os sons tinham-se reduzido, as pessoas encolheram, as lanças e as setas caíam de volta por baixo deles enquanto Drogon esgatanhava o seu caminho para o céu. Levara-a para cima, para cima, e mais para cima, bem acima das pirâmides e das arenas, com as asas estendidas para capturar o ar quente que se erguia dos tijolos cozidos pelo sol da cidade. Se eu cair e morrer, terá na mesma valido a pena, pensara.
E voaram para norte, para lá do rio, com Drogon a planar em asas rasgadas e esfarrapadas através de nuvens que passavam a esvoaçar como os estandartes de algum exército fantasmagórico. Dany vislumbrara as costas da Baía dos Escravos e a velha estrada valiriana que avançava junto a elas através de areia e desolação até desaparecer a oeste. A estrada para casa. Depois passara a nada haver por baixo deles além de erva a ondular ao vento.
Esse primeiro voo foi há mil anos? Às vezes parecia que devia ter sido.
O Sol foi ficando mais quente à medida que foi subindo no céu, e não demorou muito a ficar com a cabeça a latejar. O cabelo de Dany estava a voltar a crescer, mas lentamente.
— Preciso de um chapéu — disse em voz alta. Em Pedra do Dragão tentara fazer um, entretecendo caules de erva como vira as mulheres dothraki fazer durante o tempo que passara com Drogo, mas ou estava a usar o tipo errado de erva ou simplesmente lhe faltava a perícia necessária. Os chapéus que fizera tinham-se-lhe feito em pedaços nas mãos. Volta a tentar, dissera a si própria. Sair-te-ás melhor da próxima vez. És do sangue do dragão, consegues fazer um chapéu. Tentara e voltara a tentar, mas a última tentativa não fora mais bem sucedida do que a primeira.
Foi só à tarde que Dany encontrou o ribeiro que vislumbrara do topo da colina. Era um riacho, um regato, um fio de água, mais estreito que o seu braço... e o seu braço tornara-se mais magro todos os dias que passara em Pedra do Dragão. Dany reuniu uma mancheia de água e molhou a cara com ela. Quando pôs as mãos em taça, os nós dos dedos enterraram-se-lhe na lama no fundo do ribeiro. Podia ter desejado água mais fria e mais limpa. .. mas não, se ia prender as esperanças a desejos, desejaria ser salva.
Ainda se agarrava à esperança de que alguém viria atrás dela. Sor Barristan podia vir à sua procura; era o primeiro da sua Guarda Real, jurara defender a sua vida com a dele. E o mar dothraki não era estranho aos seus companheiros de sangue, e as vidas deles estavam ligadas à sua. O marido, o nobre Hizdahr zo Loraq, talvez enviasse homens à sua procura. E Daario... Dany imaginou-o a cavalgar na sua direção através da erva alta, sorrindo, com o dente dourado a cintilar com a última luz do Sol poente.
Só que Daario fora entregue aos yunkaitas, um refém para assegurar que nenhum mal aconteceria aos capitães de Yunkai. Daario e Herói, Jhogo e Groleo, e três familiares de Hizdahr. Por aquela altura, certamente, todos os reféns teriam sido libertados. Mas...
Perguntou a si própria se as lâminas do seu capitão ainda estariam penduradas da parede ao lado da sua cama, à espera de que Daario regressasse e as fosse buscar. "Deixo as minhas meninas contigo", dissera ele. "Mantém-nas a salvo por mim, amada." E sentiu curiosidade de saber até que ponto os yunkaitas saberiam o quanto o seu capitão significava para ela. Fizera a Sor Barristan essa pergunta na tarde em que os reféns partiram.
— Eles devem ter ouvido os boatos — respondera o velho cavaleiro. — Naharis pode até ter-se gabado do... do grande... apreço que Vossa Graça tem por ele. Se me perdoais por dizê-lo, a modéstia não é uma das virtudes do capitão. Ele tem grande orgulho da sua... da sua perícia com a espada.