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Sim, disse a erva, mas viraste-te contra os teus filhos.

Dany tinha a barriga vazia, os pés magoados e com bolhas, e pare­cia-lhe que as dores de barriga tinham piorado. Tinha as tripas cheias de serpentes que se contorciam e lhe mordiam as entranhas. Agarrou uma mancheia de lama e água com mãos trémulas. Ao meio-dia a água estaria tépida, mas ao frio da madrugada estava quase fresca, e ajudava-a a manter os olhos abertos. Quando molhou a cara, viu mais sangue nas suas coxas. A bainha esfarrapada de túnica interior estava manchada com ele. Ver tanto vermelho assustou-a. Sangue da Lua, é só o meu sangue da Lua, mas não se lembrava de alguma vez ter tido um fluxo tão abundante. Poderá ser da água? Se fosse da água, estava perdida. Tinha de beber, senão morreria de sede.

—   Caminha — ordenou Dany a si própria. — Segue o ribeiro, e ele levar-te-á ao Skahazadhan. Será aí que Daario te encontrará. — Mas preci­sou de todas as suas forças só para voltar a pôr-se em pé, e quando o fez só logrou ficar ali, febril e a sangrar. Levantou os olhos para o céu azul e vazio, semicerrando-os ao sol. Metade da manhã já se foi, compreendeu, conster­nada. Obrigou-se a dar um passo, e depois outro, e depois viu-se de novo a caminhar, seguindo o pequeno riacho.

O dia foi ficando mais quente, e o sol batia-lhe na cabeça e nos restos queimados do cabelo. Água chapinhava contra as solas dos pés. Estava a caminhar no riacho. Há quanto tempo estaria a fazer isso? A mole lama castanha era agradável entre os dedos dos pés, e ajudava a aliviar-lhe as bolhas. No ribeiro ou fora dele, tenho de continuar a caminhar. A água corre para baixo. O ribeiro levar-me-á ao rio, e o rio levar-me-á para casa.

Só que não o faria, não propriamente.

Meereen não era o seu lar, e nunca o seria. Era uma cidade de ho­mens estranhos com deuses estranhos e cabelos mais estranhos ainda, de esclavagistas envoltos em tokars fimbriados, onde a graça era conquistada através da prostituição, a carnificina era arte e cão era um acepipe. Meereen seria sempre a cidade da harpia, e Daenerys não podia ser uma harpia.

Nunca, disse a erva, com o áspero tom de voz de Jorah Mormont. Fos­tes avisada, Vossa Graça. Deixai esta cidade em paz, disse eu. A vossa guerra é em Westeros, disse-vos eu.

A voz não era mais do que um suspiro, mas de alguma forma Dany sentia que ele estava a caminhar logo atrás de si. O meu urso, pensou, o meu velho, querido urso, que me amava e me traiu. Sentira tantas saudades dele. Desejou ver a sua cara feia, envolvê-lo nos braços e encostar-se ao seu peito, mas sabia que, se se virasse, Sor Jorah desapareceria.

—   Estou a sonhar — disse. — Um sonho acordado, um sonho so­nâmbulo. Estou sozinha, e perdida.

Perdida porque vos deixastes ficar num lugar onde nunca estivestes des­tinada a estar, murmurou Sor Jorah tão suavemente como o vento. Sozinha porque me afastastes do vosso lado.

—  Tu traíste-me. Deste informações sobre mim, por ouro.

Pelo lar. O que sempre desejei foi o meu lar.

—   E a mim. Também me desejaste. — Dany vira-o nos seus olhos.

Desejei, sussurrou a erva, tristemente.

—   Beijaste-me. Não disse que o podias fazer mas fizeste-o. Vendeste-me aos meus inimigos, mas quando me beijaste foi a sério.

Dei-vos bons conselhos. Poupai as lanças e as espadas para os Sete Rei­nos, disse-vos eu. Deixai Meereen para os meereeneses e ide para oeste, disse eu. Não me quisestes dar ouvidos.

—   Eu tinha de tomar Meereen, caso contrário veria os meus filhos passar fome durante a marcha. — Dany ainda via o rasto de cadáveres que deixara para trás durante a travessia do Deserto Vermelho. Não era algo que desejasse voltar a ver. — Tinha de tomar Meereen para alimentar o meu povo.

Tomastes Meereen, disse-lhe ele, mas mesmo assim demoraste-vos.

—   Para ser uma rainha.

Vós sois uma rainha, disse o seu urso. Em Westeros.

—  A viagem é tão longa — protestou ela. — Estava cansada, Jorah. Estava farta de guerra. Queria descansar, rir, plantar árvores e vê-las crescer. Não passo de uma rapariguinha.

Não. Sois do sangue do dragão. Os sussurros estavam a tornar-se mais ténues, como se Sor Jorah estivesse a deixar-se ficar mais para trás. Os dra­gões não plantam árvores. Lembrai-vos disso. Lembrai-vos de quem sois, do que fostes feita para fazer. Lembrai-vos do vosso lema.

—   Fogo e Sangue — disse Daenerys à erva oscilante.

Uma pedra virou-se sob o seu pé. Caiu sobre um joelho e gritou de dor, esperando contra a esperança que o seu urso pegasse nela e a ajudasse a pôr-se em pé. Quando virou a cabeça para o procurar, tudo o que viu foi um fio de água castanha... e a erva, ainda a mexer-se levemente. O vento, disse a si própria, o vento sacode os caules efá-los oscilar. Só que não esta­va a soprar vento algum. O sol brilhava no alto, o mundo estava imóvel e quente. Mosquitos enxameavam no ar, e uma libélula flutuava por cima do riacho, dardejando de um lado para o outro. E a erva estava a mexer-se, quando não tinha nenhuma razão para se mexer.

Procurou na água às apalpadelas, descobriu uma pedra do tamanho do punho, arrancou-a da lama. Era fraca arma, mas melhor do que uma mão vazia. Pelo canto do olho, Dany viu a erva mover-se outra vez, à sua direita. A erva oscilou e fez uma profunda vénia, como se estivesse peran­te um rei, mas nenhum rei lhe apareceu. O mundo estava verde e vazio. O mundo estava verde e silencioso. O mundo estava amarelo, moribundo. Devia levantar-me, disse a si própria. Tenho de caminhar. Tenho de seguir o ribeiro.

Através da erva soou um suave tinido prateado.

Campainhas, pensou Dany, sorrindo, lembrando-se de Khal Drogo, do seu sol-e-estrelas, e das campainhas que entrançava no cabelo. Quando o Sol nascer a ocidente e se puser a oriente, quando os mares secarem e as mon­tanhas forem sopradas pelo vento como folhas, quando o meu ventre voltara ganhar vida e eu der à luz um filho vivo, Khal Drogo voltará para mim.

Mas nenhuma dessas coisas acontecera. Campainhas, voltou Dany a pensar. Os seus companheiros de sangue tinham-na encontrado.

—  Aggo — sussurrou. — Jhogo. Rakharo. — Poderia Daario ter vin­do com eles?

O mar verde abriu-se. Um cavaleiro surgiu. A sua trança era negra e brilhante, a sua pele tão escura como cobre polido, os olhos da forma de amêndoas amargas. Campainhas cantavam no seu cabelo. Usava um cinto de medalhões e um colete pintado, com um arakh a uma anca e um chicote na outra. Um arco de caça e uma aljava cheia de setas estavam pendurados da sua sela.

Um cavaleiro, e sozinho. Um batedor. Era um dos que avançavam à frente do khalasar para encontrar a caça e a boa erva verde, e farejar inimi­gos onde quer que se pudessem esconder. Se a encontrasse ali, iria matá-la, violá-la ou escravizá-la. Na melhor das hipóteses, enviá-la-ia às velhas do dosh khaleen, para onde as boas khaleesi deviam ir quando os seus khals morriam.

Mas ele não a vira. A erva ocultava-a, e ele estava a olhar para outro sítio. Dany seguiu os seus olhos, e ali voava a sombra, com asas bem aber­tas. O dragão estava a quilómetro e meio de distância, mas apesar disso o batedor manteve-se imóvel até que o seu garanhão começou a relinchar de medo. Então despertou, como que de um sonho, fez a montada dar meia volta e precipitou-se a galope através da erva alta.