Kevan Lannister vira Pedra do Dragão com os próprios olhos. Duvidava fortemente de que Loras Tyrell tivesse passado busca a cada centímetro daquela antiga fortificação. Tinham sido os valirianos a construi-la, afinal de contas, e todas as suas obras fediam a feitiçaria. E Sor Loras era jovem, dado a todas as avaliações impetuosas da juventude, e além disso fora gravemente ferido durante o assalto ao castelo. Mas não seria bom fazer lembrar a Tyrell que o seu filho preferido era falível.
— Se havia riquezas em Pedra do Dragão, Stannis tê-las-ia encontrado — declarou. — Prossigamos, senhores. Talvez vos lembreis de que temos duas rainhas a julgar por alta traição. A minha sobrinha escolheu julgamento por batalha, segundo me informou. Sor Robert Strong será o seu campeão.
— O gigante silencioso. — O Lorde Randyll fez uma careta.
— Dizei-me, sor, de onde veio esse homem? — quis saber Mace Tyrell. — Porque é que nunca tinha ouvido o nome dele? Não fala, não quer mostrar a cara, nunca é visto sem a armadura. Teremos mesmo a certeza de que é um cavaleiro?
Nem sequer sabemos se está vivo. Meryn Trant afirmava que Strong não comia nem bebia, e Boros Blount chegava ao ponto de dizer que nunca vira o homem usar a latrina. Porque haveria de usá-la? Os mortos não cagam. Kevan Lannister nutria fortes suspeitas sobre quem aquele Sor Robert realmente era, sob aquela reluzente armadura branca. Uma suspeita que Mace Tyrell e Randyll Tarly sem dúvida partilhavam. Fosse qual fosse a cara escondida por trás do elmo de Strong, tinha de permanecer oculta por agora. O gigante silencioso era a única esperança da sobrinha. E reza para que seja tão terrível como parece.
Mas Mace Tyrell não parecia ver para além da ameaça contra a filha.
— Sua Graça nomeou Sor Robert para a Guarda Real — fez-lhe lembrar Sor Kevan — e Qyburn também garante a sua identidade. Mas seja como for. É preciso que Sor Robert vença, senhores. Se se provar que a minha sobrinha é culpada daquelas traições, a legitimidade dos seus filhos será posta em causa. Se Tommen deixar de ser rei, Margaery deixará de ser rainha. — Deixou o Tyrell remoer aquilo por um momento. — Independentemente do que Cersei possa ter feito, não deixa de ser uma filha do Rochedo, do meu próprio sangue. Não permitirei que morra uma morte de traidora, mas assegurei-me de lhe arrancar os colmilhos. Todos os seus guardas foram demitidos e substituídos por homens meus. Em lugar das suas antigas damas de companhia, será de agora em diante servida por uma septã e por três noviças escolhidas pelo Alto Septão. Não terá mais voz no governo do reino, nem na educação de Tommen. Pretendo mandá-la de volta para Rochedo Casterly depois do julgamento, e assegurar-me de que fica lá. Que isso seja suficiente.
O resto deixou por dizer. Cersei estava agora conspurcada, e o seu poder chegara ao fim. Todos os ajudantes de padeiro e pedintes da cidade a tinham visto na sua vergonha e todas as pegas e curtidores do Fundo das Pulgas à Curva do Mijo haviam olhado a sua nudez, percorrendo com olhos ávidos os seus seios, barriga e órgãos de mulher. Nenhuma rainha podia esperar voltar a governar depois disso. Vestida de ouro, seda e esmeraldas, Cersei fora uma rainha, alguém logo abaixo de uma deusa; nua, era apenas humana, uma mulher a envelhecer com estrias na barriga e mamas que tinham começado a descair... como as víboras entre a multidão tinham feito notar com toda a alegria aos maridos e amantes. É melhor viver envergonhada do que morrer orgulhosa, disse Sor Kevan a si próprio.
— A minha sobrinha não fará mais diabruras — prometeu a Mace Tyrell. — Tendes a minha palavra quanto a isso, senhor.
Tyrell fez um aceno renitente.
— É como dizeis. A minha Margaery prefere ser julgada pela Fé, para que todo o reino possa ser testemunha da sua inocência.
Se a tua filha for tão inocente como nos queres levar a crer, porque tens de ter o exército presente quando ela enfrentar os acusadores?, podia ter perguntado Sor Kevan.
— Em breve, espero — disse em vez disso, antes de se virar para o Grande Meistre Pycelle. — Há mais alguma coisa?
O Grande Meistre consultou os papéis.
— Devíamos discutir a herança Rosby. Foram apresentadas seis pretensões. ..
— Podemos decidir Rosby mais tarde. Que mais?
— Devem ser feitos preparativos para a Princesa Myrcella.
— É isto o que acontece quando se lida com os dorneses — disse Mace Tyrell. — Certamente que pode ser encontrado melhor casamento para a rapariga, não?
Como por exemplo o teu filho Willas, talvez? Ela desfigurada por um domes, ele aleijado por outro?
— Sem dúvida — disse Sor Kevan — mas já temos suficientes inimigos sem ofendermos Dorne. Se Doran Martell juntasse as suas forças às de Connington em apoio daquele falso dragão, as coisas podiam correr muito mal para todos nós.
— Talvez possamos persuadir os nossos amigos dorneses a negociar com o Lorde Connington — disse Sor Harys Swyft, com um risinho irritante. — Isso pouparia bastante sangue e problemas.
— É verdade — disse Sor Kevan, fatigado. Estava na altura de pôr fim àquilo. — Obrigado, senhores. Reunamo-nos de novo daqui a cinco dias. Depois do julgamento de Cersei.
— Como quiserdes. Que o Guerreiro dê força aos braços de Sor Robert. — As palavras eram renitentes, o abaixamento de queixo que Mace Tyrell dirigiu ao senhor regente era a mais apressada das vénias. Mas era alguma coisa, e por isso Sor Kevan Lannister sentiu-se grato.
Randyll Tarly saiu do salão com o seu suserano, levando os lanceiros de mantos verdes logo atrás. O verdadeiro perigo é o Tarly, refletiu Sor Kevan enquanto observava a partida dos dois nobres. Um homem de vistas estreitas, mas com astúcia e uma vontade de ferro, e dos melhores soldados de que a Campina se pode gabar. Mas como o conquisto para o nosso lado?
— O Lorde Tyrell não gosta de mim — disse o Grande Meistre Pycelle num tom sombrio depois de a Mão partir. — Aquela questão do chá de lua... Eu nunca teria falado em tal coisa, mas a Rainha Viúva ordenou-me! Se aprouver ao Senhor Regente, eu dormiria mais profundamente se me pudésseis emprestar alguns dos vossos guardas.
— Isso poderá cair mal ao Lorde Tyrell.
Sor Harys Swyft puxou pela barbicha.
— Eu próprio preciso de guardas. Estes são tempos perigosos.
Pois, pensou Kevan Lannister, e Pycelle não é o único membro do conselho que a nossa Mão gostaria de substituir. Mace Tyrell tinha o seu próprio candidato para senhor tesoureiro: o tio, Senhor Senescal de Jardim de Cima, ao qual os homens chamavam Garth, o Grosso. A última coisa de que preciso é de outro Tyrell no pequeno conselho. Já estava em inferioridade numérica. Sor Harys era pai da mulher, e também se podia contar com Pycelle. Mas Tarly estava ajuramentado a Jardim de Cima, o mesmo se podendo dizer de Paxter Redwyne, senhor almirante e mestre dos navios, atualmente a levar a sua frota em torno de Dorne para lidar com os homens de ferro de Euron Greyjoy. Depois de Redwyne regressar a Porto Real, o conselho ficaria três a três, Lannister e Tyrell.
A sétima voz seria a dornesa que estava agora a trazer Myrcella para casa. A Senhora Nym. Mas não é senhora alguma, se metade do que Qyburn relata for verdade. Filha bastarda da Víbora Vermelha, quase tão notória como o pai e decidida a reclamar o lugar no conselho que o próprio Príncipe Oberyn ocupara tão brevemente. Sor Kevan ainda não achara adequado informar Mace Tyrell sobre a sua vinda. A Mão, bem o sabia, não ficaria contente. O homem de que precisamos é o Mindinho. Petyr Baelish tinha um dom para fazer surgir dragões do próprio ar.