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A porta foi aberta por uma criada, uma coisinha magricela com uma veste forrada de peles, demasiado grande para ela. Sor Kevan sacudiu a neve das botas batendo com os pés, tirou o manto, atirou-lho.

—   O Grande Meistre está à minha espera — anunciou. A rapariga acenou com a cabeça, séria e silenciosa, e apontou para a escada.

Os aposentos de Pycelle ficavam debaixo da colónia de corvos, um espaçoso conjunto de divisões repletas de prateleiras cheias de ervas, po­ções e unguentos e de estantes a transbordar de livros e pergaminhos. Sor Kevan sempre as achara desconfortavelmente quentes. Naquela noite, não. Depois de ultrapassar a porta do quarto, o frio era palpável. Cinzas negras e brasas moribundas eram tudo o que restava do togo na lareira. Algumas velas tremeluzentes deitavam charcos de luz aqui e ali.

O resto encontrava-se amortalhado de sombras... exceto sob a janela aberta, onde uma poalha de cristais de gelo reluzia ao luar, rodopiando ao vento. No banco de janela, um corvo deambulava lentamente, pálido, enor­me, com as penas eriçadas. Era o maior corvo que Kevan Lannister vira na vida. Maior do que qualquer falcão de caça em Rochedo Casterly, maior do que a maior das corujas. Neve soprada pelo vento dançava à sua volta, e a Lua pintava-o de prata.

De prata não. De branco. A ave é branca.

Os corvos brancos da Cidadela não transportavam mensagens, como os seus primos escuros faziam. Quando eram enviados de Vilavelha, era apenas para um fim: anunciar uma mudança de estação.

—  Inverno — disse Sor Kevan. A palavra criou uma névoa branca no ar. Virou costas à janela.

Então algo lhe bateu no peito entre as costelas, com a força de um punho de gigante. Tirou-lhe o fôlego e fê-lo recuar. O corvo branco levan­tou voo, e as suas asas brancas bateram-lhe na cabeça. Sor Kevan meio sen­tou-se e meio caiu no banco de janela. O que... quem... Um dardo estava enterrado quase até às penas no peito. Não. Não, foi assim que o meu irmão morreu. Sangue escorria em volta da haste.

—   Pycelle — murmurou, confuso. — Ajudai-me... eu...

Então viu. O Grande Meistre Pycelle estava sentado à sua mesa, com a cabeça apoiada no grande tomo encadernado a couro que tinha na frente.

dormir, pensou Kevan... até que pestanejou e viu o profundo corte vermelho no crânio pintalgado do velho e a poça de sangue acumulada por baixo da sua cabeça, manchando as páginas do livro. A toda a volta da vela havia bocados de osso e cérebro, ilhas num lago de cera derretida.

Ele queria guardas, pensou Sor Kevan. Devia-lhe ter enviado guardas. Poderia Cersei ter tido razão desde o início? Seria aquilo obra do sobrinho?

—  Tyrion? — chamou. — Onde...?

—   Longe — respondeu uma voz meio conhecida.

O homem estava numa lagoa de sombras junto de uma estante, re­chonchudo, de rosto pálido, ombros redondos, segurando uma besta com mãos suaves e empoadas. Chinelos de seda enfaixavam-lhe os pés.

—  Varys?

O eunuco pousou a besta.

—  Sor Kevan. Perdoai-me, se puderdes. Não tenho má vontade con­tra vós. Isto não foi feito por maldade. Foi pelo reino. Pelos filhos.

Eu tenho filhos. Tenho uma esposa. Oh, Dorna. A dor submergiu-o. Fechou os olhos, voltou a abri-los.

—   Há... há centenas de guardas Lannister neste castelo.

—   Mas nenhum nesta sala, felizmente. Isto dói-me, senhor. Vós não mereceis morrer só, numa noite fria e escura como esta. Há muitos como vós, bons homens ao serviço de más causas... mas estáveis a ameaçar des­fazer todo o bom trabalho da rainha, reconciliar Jardim de Cima e Rochedo Casterly, ligar a Fé ao vosso pequeno rei, unir os Sete Reinos sob o domínio de Tommen. Portanto...

Soprou uma rajada de vento. Sor Kevan tremeu violentamente.

—  Tendes frio, senhor? — perguntou Varys. — Perdoai-me. O gran­de meistre sujou-se ao morrer, e o fedor era tão abominável que julguei que sufocaria.

Sor Kevan tentou levantar-se, mas as forças tinham-no abandonado. Não conseguia sentir as pernas.

—    Achei a besta adequada. Partilháveis tantas coisas com o Lorde Tywin, porque não isso? A vossa sobrinha pensará que os Tyrell mandaram assassinar-vos, talvez com a conivência do Duende. Os Tyrell suspeitarão dela. Alguém, algures, encontrará maneira de culpar os dorneses. Dúvida, divisão e desconfiança corroerão o próprio chão sob os pés do vosso rei rapaz, enquanto Aegon ergue o seu estandarte sobre Ponta Tempestade e os senhores do reino se reúnem à volta dele.

—    Aegon? — Por um momento não compreendeu. Depois lem­brou-se. Um bebê envolto num manto carmesim, o pano manchado com o seu sangue e miolos. — Morto. Está morto.

—                      Não. — A voz do eunuco pareceu mais grave. — Está aqui. Aegon foi formado para governar desde antes de saber andar. Foi treinado com armas, como é próprio de um futuro cavaleiro, mas esse não foi o fim da sua educação. Sabe ler e escrever, fala várias línguas, estudou história, lei e poesia. Uma septã instruiu-o nos mistérios da Fé desde que ele chegou à idade de os compreender. Viveu com pescadores, trabalhou com as mãos, nadou em rios e remendou redes e aprendeu a lavar a própria roupa se necessário. Sabe pescar, cozinhar e ligar um ferimento, sabe como é passar fome, ser perseguido, ter medo. Ensinaram a Tommen que ser rei é o seu direito. Aegon sabe que ser rei é o seu dever, que um rei tem de pôr o seu povo em primeiro lugar, e viver e governar por ele.

Kevan Lannister tentou gritar... pelos guardas, pela mulher, pelo ir­mão... mas as palavras não vieram. Sangue pingou-lhe da boca. Estreme­ceu com violência.

— Lamento — Varys contorceu as mãos. — Estais a sofrer, eu sei, e aqui estou eu a tagarelar como uma velha pateta. Está na altura de pôr fim a isto. — O eunuco espetou os lábios e soltou um pequeno assobio.

Sor Kevan estava frio como gelo, e cada inspiração trabalhosa o apu­nhalava de novo com dor. Vislumbrou movimento, ouviu o suave som de pés calçados com chinelos a raspar em pedra. Uma criança saiu de uma la­goa de escuridão, um rapaz pálido com um trajo esfarrapado, que não teria mais de nove ou dez anos. Outro ergueu-se de trás da cadeira do Grande Meistre. A rapariga que lhe abrira a porta também lá se encontrava. Esta­vam a toda a sua volta, meia dúzia deles, crianças de caras brancas com olhos escuros, tanto rapazes como raparigas.

E nas suas mãos, os punhais.

AGRADECIMENTOS 

O último foi dos diabos. Este foi dos diabos, dos demónios e dos in­fernos. De novo, os meus agradecimentos aos meus muito sofredores edi­tores: a Jane Johnson e Joy Chamberlain na Voyager, e a Scott Shannon, Nita Taublib e Anne Groell da Bantam. A sua compreensão, bom humor e sábios conselhos ajudaram a ultrapassar as partes difíceis, e nunca deixarei de me sentir grato pela sua paciência.

Agradeço também aos meus igualmente pacientes agentes, que me deram um apoio sem fim, Chris Lotts, Vince Gerardis, à fabulosa Kay McCauley, e ao falecido Ralph Vicinanza. Ralph, gostaria que estivesses cá para partilhar este dia.

E obrigado a Stephen Boucher, o errante australiano que ajuda a manter o meu computador oleado e a zumbir sempre que aparece em San­ta Fé para um burrito ao pequeno-almoço (no Natal) e uma fatia de bacon jalapeno.

Aqui na frente doméstica, também são devidos agradecimentos aos meus queridos amigos Melinda Snodgrass e Daniel Abraham pelo seu encorajamento e apoio, à minha webmaster Pati Nagle por manter o meu canto da Internet, e à espantosa Raya Golden pelas refeições, pela arte, pelo infalível bom humor que ajudou a iluminar até os dias mais sombrios em Terrapin Station. Mesmo apesar de me ter tentado roubar o gato.