Выбрать главу

Algo se passava, contudo. Tyrion esgueirou-se para fora da rede, bocejando, e olhou em volta à procura das botas. E, louco como estava, procurou também pela besta, mas claro que nada havia do género para descobrir.

Uma pena, matutou, podia servir de alguma coisa quando a gente grande viesse comer-me. Calçou as botas e subiu ao convés para ver qual o motivo da gritaria. Centava chegara lá antes dele, com os olhos dilatados de assombro.

— Uma vela — gritou — ali, ali, estás a ver? Uma vela, e eles viram-nos, viram-nos mesmo. Uma vela.

Daquela vez beijou-a… uma vez em cada bochecha, uma vez na testa e uma última na boca. Ela estava corada e a rir quando chegou ao último beijo, de novo tímida, mas não importava. O outro navio aproximava-se.

Uma galé das grandes, viu Tyrion. Os seus remos deixavam uma longa esteira branca para trás.

— Que navio é aquele? — perguntou a Sor Jorah Mormont. — Conseguis ler o seu nome?

— Não preciso de ler o nome. Estamos contra o vento. Consigo cheirá-lo. — Mormont puxou pela espada. — Aquilo é um traficante de escravos.

O  VIRA–MANTOS

Os primeiros flocos começaram a cair na altura em que o Sol se punha a oeste. Quando a noite caiu nevava tanto que a Lua se ergueu por trás de uma cortina branca, sem ser vista.

— Os deuses do norte libertaram a sua fúria contra o Lorde Stannis — anunciou Roose Bolton ao chegar a manhã, quando os homens se reuniram no Grande Salão de Winterfell para quebrar o jejum. — Aqui é um estranho, e os deuses antigos não toleram que sobreviva.

Os seus homens rugiram em aprovação, esmurrando as longas mesas de tábuas. Winterfell podia estar arruinado, mas as suas paredes de granito continuavam a manter afastado o pior do vento e do mau tempo. Estavam bem abastecidos de comida e bebida; tinham fogos para se aquecerem quando não estavam de serviço, um lugar onde secarem a roupa, cantos aconchegados onde se deitarem e dormirem. O Lorde Bolton preparara lenha em quantidade sufi ciente para manter os fogos alimentados durante meio ano, e por conseguinte o Grande Salão estava sempre morno e acolhedor. Stannis não tinha nada disso.

Theon Greyjoy não se juntou às aclamações. E, como não deixou de reparar, os homens da Casa Frey também não. Eles também são aqui estranhos, pensou, observando Sor Aenys Frey e o seu meio-irmão Sor Hosteen.

Nascidos e criados nas terras fluviais, os Frey nunca tinham visto um nevão como aquele. O norte já reclamou para si três dos do seu sangue, pensou Theon, lembrando-se dos homens que Ramsay procurara infrutiferamente, perdidos entre Porto Branco e a Vila Acidentada.

No estrado, o Lorde Wyman Manderly estava sentado entre dois dos seus cavaleiros de Porto Branco, enfiando na sua gorda cara colheradas de papas. Não parecia estar a gostar tanto, nem de perto nem de longe, como gostara dos empadões de porco da boda. Noutro ponto, o maneta Harwood Stout conversava em voz baixa com o cadavérico Terror-das-Rameiras Umber.

Theon juntou-se à fila dos outros homens que esperavam as papas, as quais eram tiradas às conchadas de panelas de cobre e despejadas em tigelas de madeira. Viu que os senhores e cavaleiros tinham leite e mel e até um pouco de manteiga para adoçar as suas doses, mas nada disso lhe seria oferecido. O seu reinado enquanto Príncipe de Winterfell fora breve. Desempenhara o seu papel naquele espetáculo de saltimbancos, 93

entregando a falsa Arya para ser casada, e agora já não tinha préstimo para Roose Bolton.

— No primeiro inverno de que me lembro, as neves subiram mais alto que a minha cabeça — disse um homem de Boscorno na fi la à sua frente.

— Pois, mas nessa altura só tinhas um metro de altura — replicou um cavaleiro dos Regatos.

Na noite anterior, incapaz de dormir, Theon dera por si a matutar em

fugir, em escapulir-se sem ser visto enquanto Ramsay e o senhor seu pai tinham a atenção posta noutras coisas. Mas todos os portões estavam fechados, trancados e fortemente guardados; a ninguém era permitido entrar ou sair do castelo sem a licença do Lorde Bolton. Mesmo se encontrasse alguma maneira secreta de sair, Theon não teria confiado nela. Não se esquecera de Kyra e das suas chaves. E se saísse, para onde iria? O pai estava morto, e não tinha nenhum préstimo para os tios. Pyke estava perdido para ele. A coisa mais próxima de um lar que lhe restava era ali, entre os ossos de Winterfell.

Um homem arruinado, um castelo arruinado. O meu lugar é este.

Ainda estava à espera das papas quando Ramsay entrou de rompante no salão com os seus Rapazes do Bastardo, a gritar por música. Abel esfregou o sono para longe dos olhos, pegou no alaúde, e atirou-se a “A Mulher do Dornês,” enquanto uma das suas lavadeiras batia o tempo no tambor.

Mas o cantor alterou as palavras. Em vez de provar a mulher de um dornês, cantou sobre provar a filha de um nortenho.

Podia perder a língua por aquilo, pensou Theon enquanto a tigela era enchida. É só um cantor. O Lorde Ramsay podia arrancar-lhe a pele das duas mãos e ninguém diria uma palavra. Mas a letra fez o Lorde Bolton sorrir e Ramsay riu alto. Então os outros ficaram a saber que era seguro rir também.

O Picha Amarela achou a canção tão engraçada que até lhe saiu vinho pelo nariz.

A Senhora Arya não se encontrava presente para participar no divertimento. Não saíra dos seus aposentos desde a noite do casamento. O Alyn Azedo tinha andado a dizer que Ramsay mantinha a noiva nua e acorrentada a uma das colunas da cama, mas Theon sabia que isso era só boato. Não havia correntes, pelo menos não existia nenhuma que os homens pudessem ver. Só um par de guardas à porta do quarto, para evitar que a rapariga deambulasse. E só fica nua quando toma banho.

Isso, contudo, era algo que fazia quase todas as noites. O Lorde Ramsay queria a mulher limpa.

— Não tem aias, coitadinha — dissera ele a Theon. — Restas tu, Cheirete. Achas que te devo vestir com um vestido? — Rira-se. — Talvez se mo suplicares. Por agora, bastará que sejas a sua aia de banhos. Não a quero a cheirar como tu. — Portanto, sempre que Ramsay tinha vontade de se deitar com a mulher, cabia a Theon ir pedir emprestadas umas criadas à Senhora Walda ou à Senhora Dustin, e trazer água quente das cozinhas.

Embora Arya nunca falasse com nenhuma delas, não podiam evitar ver-lhe as nódoas negras. Foi culpa dela. Não o satisfez.

— Limita-te a ser Arya — dissera uma vez à rapariga, enquanto a ajudava a entrar na água. — O Lorde Ramsay não te quer magoar. Ele só nos magoa quando nós… quando nos esquecemos. Nunca me cortou sem motivo.

— Theon… — sussurrara ela, chorando.

— Cheirete. — Agarrara-lhe no braço e sacudira-a. — Aqui sou Cheirete. Tens de te lembrar, Arya. — Mas a rapariga não era uma verdadeira Stark, só a pirralha de um intendente. Jeyne, o nome dela é Jeyne. Não devia procurar salvamento em mim. Theon Greyjoy talvez tivesse tentado

ajudá-la, em tempos. Mas Theon nascera no ferro, e era um homem mais

corajoso do que o Cheirete. Cheirete, Cheirete, rima com tapete.

Ramsay tinha um novo brinquedo para o divertir, um brinquedo com mamas e uma coninha… mas depressa as lágrimas de Jeyne perderiam o sabor, e Ramsay voltaria a querer o seu Cheirete. Vai esfolar-me centímetro a centímetro. Quando ficar sem dedos, cortar-me-á as mãos. Depois dos dedos dos pés, os pés. Mas só quando eu o suplicar, quando a dor for tão insuportável que lhe suplique que me dê algum alívio. Não haveria banhos quentes para o Cheirete. Voltaria a rebolar em merda, proibido de se lavar.

A roupa que usava transformar-se-ia em farrapos, nojentos e fedorentos, e seria obrigado a usá-los até apodrecerem. O melhor que podia esperar era ser devolvido aos canis com as raparigas de Ramsay por companhia. Kyra, recordou. Chama Kyra à cadela nova.