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Podia ir onde quisesse, dentro das muralhas.

A muralha interior de Winterfell era a mais antiga e a mais alta das duas, e as suas antigas ameias cinzentas erguiam-se a uma altura de trinta metros, com torres quadradas em cada canto. A muralha exterior, erguida muitos séculos mais tarde, era seis metros mais baixa, mas era mais espessa e estava em melhor estado, ostentando torres octogonais em vez de quadradas. Entre as duas muralhas ficava o fosso, profundo e largo… e gelado.

Montes de neve tinham começado a avançar pela superfície gelada. Neve também se acumulava ao longo das ameias, enchendo os intervalos entre os merlões e pondo suaves coruchéus brancos no topo de todas as torres.

Para lá das muralhas, até tão longe quanto a vista alcançava, o mundo estava a ficar branco. Os bosques, os campos, a estrada de rei — as neves estavam a cobri-los a todos sob um suave manto branco, enterrando os restos da vila de inverno, escondendo as paredes enegrecidas que os homens de Ramsay tinham deixado para trás quando passaram as casas pelo archote.

As feridas que o Snow fez, a neve esconde, mas isso não estava certo. Ramsay era agora um Bolton, não um Snow, nunca um Snow.

Mais longe, a estrada sulcada desaparecera, perdida entre os campos e colinas onduladas, tudo uma vasta extensão branca. E a neve continuava a cair, pairando em silêncio de um céu sem vento. Stannis Baratheon está algures por ali, gelando. Iria o Lorde Stannis tentar tomar Winterfell de assalto? Se o fizer, a sua causa está condenada. O castelo era forte demais.

Mesmo com o fosso coberto de gelo, as defesas de Winterfell continuavam a ser formidáveis. Theon capturara o castelo pela calada, mandando os seus melhores homens escalar as muralhas e atravessar o fosso a nado a coberto da escuridão. Os defensores nem sequer se tinham apercebido de que estavam sob ataque até ser tarde demais. Nenhum subterfúgio semelhante era possível para Stannis.

Ele talvez preferisse isolar o castelo do mundo exterior e vencer os defensores pela fome. Os armazéns e as adegas de Winterfell estavam vazios.

Uma longa coluna logística tinha atravessado o Gargalo com Bolton e os seus amigos de Frey, a Senhora Dustin trouxera de Vila Acidentada comida e rações para os animais, e o Lorde Manderly chegara bem aprovisionado de Porto Branco… mas a hoste era grande. Com tantas bocas para alimentar, as suas reservas não podiam durar muito tempo. Mas o Lorde Stannis e os seus amigos deverão estar igualmente esfomeados. E também com frio e com bolhas nos pés, nada em condições para um combate… se bem que a tempestade os vá deixar desesperados para entrarem no castelo.

A neve também estava a cair no bosque sagrado, derretendo quando tocava no chão. Sob as árvores cobertas de branco a terra transformara-se em lama. Gavinhas de névoa pairavam no ar como fitas fantasmagóricas.

Porque foi que vim cá? Estes não são os meus deuses. Este lugar não é meu.

A árvore coração estava na frente dele, um pálido gigante com uma cara esculpida e folhas que eram como mãos sangrentas.

Uma fi na película de gelo cobria a superfície da lagoa sob o represeiro. Theon caiu sobre os joelhos a seu lado.

— Por favor — murmurou por entre os dentes quebrados — eu nunca quis… — As palavras prenderam-se-lhe na garganta. — Salvai-me — conseguiu por fim dizer. — Dai-me… — O quê? Força? Coragem? Misericórdia? A neve caía à sua volta, pálida e silenciosa, guardando os conselhos para si. O único som era um ténue e suave soluçar. Jeyne, pensou. É ela, a soluçar na sua cama de noiva. Quem mais poderá ser? Os deuses não choravam. Ou chorarão?

O som era demasiado doloroso para suportar. Theon agarrou um

ramo e puxou-se até se pôr em pé, sacudiu a neve das pernas e regressou a coxear na direção das luzes. Há fantasmas em Winterfell, pensou, e eu sou um deles.

Mais bonecos de neve tinham crescido no pátio quando Theon

Greyjoy regressou. Para comandar as sentinelas nevadas nas muralhas, os escudeiros tinham erguido uma dúzia de senhores nevados. Um pretendia claramente ser o Lorde Manderly; era o boneco de neve mais gordo que Theon vira na vida. O senhor maneta só podia ser Harwood Stout, a senhora de neve Barbrey Dustin. E aquele que estava mais perto da porta, com a barba feita de pingentes, tinha de ser o Terror-das-Rameiras Umber.

Lá dentro, os cozinheiros estavam a servir estufado de carne de vaca e cevada, cheio de cenouras e cebolas, em trinchos abertos em pães do dia anterior. Eram atirados bocados para o chão, que eram devorados pelas raparigas de Ramsay e pelos outros cães.

As raparigas mostraram-se felizes por vê-lo. Conheciam-no pelo cheiro. A Jeyne Vermelha aproximou-se aos saltos e lambeu-lhe a mão, e Helicent enfi ou-se debaixo da mesa e enrolou-se aos seus pés, roendo um osso. Eram bons cães. Era fácil esquecer que cada um recebera o nome de uma rapariga que Ramsay caçara e matara.

Fatigado como estava, Theon tinha apetite sufi ciente para comer um pouco de estufado, empurrado para baixo com cerveja. Por essa altura já o salão se enchera de vozes roufenhas. Dois dos batedores de Roose Bolton tinham regressado pelo Portão do Caçador para relatar que o avanço do Lorde Stannis abrandara até quase parar. Os seus cavaleiros montavam corcéis de batalha, e os grandes cavalos afundavam-se na neve. Os pequenos garranos de patas seguras dos clãs da montanha estavam a portar-se melhor, segundo os batedores, mas os homens dos clãs não se atreviam a avançar demasiado para evitar que a hoste se desfizesse. O Lorde Ramsay ordenou a Abel para lhes cantar uma canção de marcha em honra da difícil caminhada de Stannis pelas neves, de modo que o bardo voltou a pegar no alaúde, enquanto uma das suas lavadeiras convenceu o Alyn Azedo a emprestar-lhe uma espada e imitou Stannis a atirar espadeiradas aos flocos de neve.

Theon estava a fitar os últimos restos da terceira caneca quando a Senhora Barbrey Dustin entrou de rompante no salão e ordenou a dois dos homens a si ajuramentados que o levassem até ela. Quando parou abaixo do estrado, ela olhou-o de cima a baixo e soltou uma fungadela.

— Essa é a mesma roupa que usastes no casamento.

— Sim, senhora. É a roupa que me foi dada. — Essa era uma das lições que aprendera no Forte do Pavor: aceitar o que lhe era dado, e nunca pedir mais.

A Senhora Dustin vestia de negro, como sempre, embora as mangas estivessem forradas de veiro. O vestido tinha um colarinho alto e rígido que lhe enquadrava a cara.

— Vós conheceis este castelo.

— Conheci em tempos.

— Algures por baixo de nós encontram-se as criptas onde os velhos reis Stark estão sentados nas trevas. Os meus homens não foram capazes de encontrar a entrada. Percorreram todas as galerias e caves, andaram mesmo nas masmorras, mas…

— Não é possível aceder às criptas a partir das masmorras, senhora.

— Podeis mostrar-me o caminho até lá abaixo?

— Lá não há nada a não ser…

— Starks mortos? Pois. E calha que todos os meus Starks preferidos estão mortos. Conheceis o caminho ou não?

— Conheço. — Não gostava das criptas, nunca gostara das criptas, mas não lhe eram estranhas.

— Mostrai-me. Sargento, vai buscar uma lanterna.

— A senhora vai querer um manto quente — acautelou Theon. — Vamos precisar de ir ao exterior.

O nevão estava mais forte do que nunca quando saíram do salão, com a Senhora Dustin envolta em zibelina. Aconchegados nos seus mantos com capuz, os guardas lá fora eram quase indistinguíveis dos bonecos de neve. Só os seus hálitos a carregar o ar de neblina eram prova de que ainda estavam vivos. Ardiam fogueiras ao longo das ameias, uma vã tentativa de afastar as sombras. O pequeno grupo que eles constituíam deu por si a avançar penosamente por uma extensão lisa e virgem de brancura que lhes subia até meio das pernas. As tendas no pátio estavam meio enterradas, ajoujadas sob o peso da neve acumulada.

A entrada das criptas ficava na secção mais antiga do castelo, perto da base da Primeira Torre, a qual não era usada há centenas de anos. Ramsay passara-a pelo archote quando saqueara Winterfell, e muito daquilo que não ardera ruíra. Só restava uma casca, com um lado aberto aos elementos e a encher-se de neve. Havia entulho por todo o lado; grandes bocados de pedra quebrada, vigas queimadas, gárgulas partidas. A neve caída cobrira quase tudo, mas parte de uma gárgula ainda se projetava da superfície da neve, com um rosto grotesco que rosnava cegamente ao céu.