Выбрать главу

Foi ali que encontraram Bran quando caiu. Theon andara à caça nesse

dia, cavalgando com o Lorde Eddard e o Rei Robert, sem qualquer indício das terríveis notícias que os aguardavam quando regressaram ao castelo.

Lembrou-se da cara de Robb quando lhe contaram. Ninguém esperara que o rapaz quebrado sobrevivesse. Os deuses não conseguiram matar Bran, tal como eu não consegui. Era um estranho pensamento, e era ainda mais estranho lembrar-se que Bran podia ainda estar vivo.

— Ali. — Theon apontou para o local onde um monte de neve começara a subir a parede da fortaleza. — Debaixo daquilo. Cuidado com as pedras partidas.

Os homens da Senhora Dustin precisaram da maior parte de meia hora para destapar a entrada, cavando a neve e afastando entulho. Quando o fi zeram, a porta estava trancada com gelo. O sargento teve de ir à procura de um machado antes de conseguir abri-la, com as dobradiças a gritar, revelando degraus de pedra que desciam em espiral para as trevas.

— É uma longa descida, senhora — acautelou Theon.

A Senhora Dustin não se deixou demover.

— Beron, a luz.

O caminho era estreito e íngreme, o centro dos degraus estava gasto por séculos de pés. Seguiram em fila única; o sargento com a lanterna, depois Theon e a Senhora Dustin, e o outro homem atrás deles. Theon sempre

pensara nas criptas como um lugar frio, e pareciam sê-lo no verão, mas agora, à medida que desciam, o ar foi-se tornando mais quente. Não quente, nunca quente, mas mais quente do que lá em cima. Cá em baixo, no subsolo, segundo parecia, o frio era constante, imutável.

— A noiva chora — disse a Senhora Dustin enquanto desciam, um degrau cuidadoso após outro. — A nossa pequena Senhora Arya.

Agora tem cuidado. Tem cuidado, tem cuidado. Pôs uma mão na parede. A luz mutável do archote fazia com que os degraus parecessem mexer-se sob os seus pés.

— É… é como dizeis, senhora.

— Roose não está contente. Dizei isso ao vosso bastardo.

Ele não é o meu bastardo, quis dizer, mas outra voz dentro dele disse: Mas é, mas é. O Cheirete pertence a Ramsay e Ramsay pertence ao Cheirete.

Não te podes esquecer do teu nome.

— Vesti-la de cinzento e branco não serve de nada se a rapariga for posta a soluçar. Os Frey podem não se importar, mas os nortenhos… temem o Forte do Pavor, mas amam os Stark.

— Vós não — disse Theon.

— Eu não — confessou a Senhora de Vila Acidentada — mas os outros sim. O velho Terror-das-Rameiras só aqui está porque os Frey têm o Grande-Jon cativo. E imaginais que os homens de Boscorno esqueceram o último casamento do Bastardo, e o modo como a sua senhora foi deixada à fome, a roer os próprios dedos? Que julgais que lhes passa pelas cabeças quando ouvem a nova esposa chorar? A preciosa rapariguinha do valente Ned?

Não, pensou. Ela não é do sangue do Lorde Eddard, o seu nome é Jeyne, é só filha de um intendente. Não duvidava de que a Senhora Dustin suspeitava, mas mesmo assim…

— Os soluços da Senhora Arya causam-nos mais dano do que todas as espadas e lanças do Lorde Stannis. Se o Bastardo quiser permanecer como Senhor de Winterfell, é melhor que ensine a esposa a rir.

— Senhora — interrompeu Theon. — Chegámos.

— A escada continua a descer — observou a Senhora Dustin.

— Há andares inferiores. Mais antigos. O mais profundo ruiu parcialmente, segundo ouvi dizer. Nunca estive lá em baixo. — Abriu a porta com um empurrão e levou-os para um longo túnel abobadado, onde poderosos pilares de granito marchavam dois a dois negrume adentro.

O sargento da Senhora Dustin ergueu a lanterna. Sombras deslizaram e alteraram-se. Uma pequena luz numa grande escuridão. Theon nunca

se sentira confortável nas criptas. Conseguia sentir os reis de pedra a fitá-lo com os seus olhos de pedra, os dedos de pedra enrolados nos cabos de espadas ferrugentas. Nenhum deles sentia qualquer apreço por nascidos no ferro. Uma sensação familiar de terror encheu-o.

— Tantos — disse a Senhora Dustin. — Sabeis os seus nomes?

— Soube em tempos… mas foi há muito tempo. — Theon apontou.

— Os deste lado foram Reis no Norte. Torrhen foi o último.

— O Rei Que Ajoelhou.

— Sim, senhora. Depois dele eram só senhores.

— Até ao Jovem Lobo. Onde está a tumba de Ned Stark?

— No fim. Por aqui, senhora.

Os passos do grupo ecoaram na abóbada quando avançaram entre as fileiras de pilares. Os olhos de pedra dos mortos pareceram segui-los, e os olhos dos seus lobos gigantes de pedra também. As caras despertaram ténues recordações. Alguns nomes voltaram-lhe à memória, de moto próprio, sussurrados na voz fantasmagórica do Meistre Luwin. O Rei Edrick Barba-de-Neve, que governara o Norte durante cem anos. Brandon, o Construtor Naval, que velejara para lá do sol-posto. Theon Stark, o Lobo Faminto.

O meu homónimo. O Lorde Beron Stark, que fi zera causa comum com o Rochedo Casterly para guerrear contra Dagon Greyjoy, Senhor de Pyke, nos dias em que os Sete Reinos eram governados em tudo menos no nome pelo feiticeiro bastardo a que os homens chamavam Corvo de Sangue.

— Aquele rei não tem a espada — observou a Senhora Dustin.

Era verdade. Theon não se lembrava de qual era o rei, mas a espada que devia ter na mão desaparecera. Riscos de ferrugem permaneciam para mostrar onde ela estivera. A cena inquietou-o. Sempre ouvira dizer que o ferro que havia na espada mantinha os espíritos dos mortos fechados no interior das suas tumbas. Se uma espada desaparecera…

Há fantasmas em Winterfell. E eu sou um deles.

Continuaram a caminhar. A cara de Barbrey Dustin parecia endurecer a cada passo. Ela não gosta mais deste lugar do que eu. Theon ouviu-se a dizer:

— Senhora, porque odiais os Stark?

Ela estudou-o.

— Pelo mesmo motivo porque vós os amais.

Theon tropeçou.

— Amá-los? Eu nunca… eu tomei este castelo das mãos deles, senhora. Mandei… mandei executar Bran e Rickon, montei as cabeças deles em espigões, eu…

— … cavalgastes para sul com Robb Stark, combatestes a seu lado no Bosque dos Murmúrios e em Correrrio, regressastes às Ilhas de Ferro como seu emissário para negociar com o vosso próprio pai. Vila Acidentada também enviou homens com o Jovem Lobo. Dei-lhe o mínimo de homens que me atrevi a dar, mas sabia que tinha de lhe dar alguns para não arriscar ser alvo da ira de Winterfell. Portanto tinha os meus olhos e ouvidos nessa hoste. Mantinham-me bem informada. Eu sei o que sois. Agora respondei à minha pergunta. Porque amais os Stark?

— Eu… — Theon apoiou uma mão enluvada a um pilar. — … eu queria ser um deles…

— E nunca pudestes sê-lo. Temos mais em comum do que julgais, senhor. Mas vinde.

Só um pouco mais à frente, três sepulturas estavam agrupadas muito juntas. Foi aí que pararam.

— O Lorde Rickard — observou a Senhora Dustin, estudando a figu-ra central. A estátua erguia-se acima deles; de cara longa, barbuda, solene.

Tinha os mesmos olhos de pedra dos outros, mas os dele pareciam tristes.

— Também lhe falta uma espada.

Era verdade.

— Alguém esteve cá em baixo a roubar espadas. A de Brandon também desapareceu.

— Ele odiaria isso. — Ela descalçou a luva e tocou o joelho da estátua, pele pálida contra pedra escura. — O Brandon amava a sua espada. Adorava amolá-la. “Quero-a sufi cientemente afi ada para rapar os pintelhos de uma mulher,” costumava ele dizer. E como adorava usá-la. “Uma espada ensanguentada é uma coisa linda,” disse-me ele uma vez.