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Ainda assim, se Sor Justin desejava cortejar os seus favores com comida, vinho e conversa, Asha não ia desencorajá-lo. O homem era melhor companhia do que a taciturna Ursa, e se não contasse com eles Asha estava sozinha entre cinco mil inimigos. Tris Botley, Qarl, o Donzel, Cromm, Roggon e o resto do seu bando ensanguentado tinham sido deixados para trás em Bosque Profundo, nas masmorras de Galbart Glover.

O exército percorreu vinte e duas milhas no primeiro dia, pelos cálculos dos guias que a Senhora Sybelle lhes dera, batedores e caçadores ajuramentados a Bosque Profundo com nomes de clã como Forrester e Woods, Branch e Bole. No segundo dia, a hoste avançou vinte e quatro milhas, e a vanguarda ultrapassou as terras dos Glover, penetrando nas profundezas da mata de lobos.

— R’hllor, enviai a vossa luz para nos indicar o caminho através destas sombras — rezaram os fi éis nessa noite, quando se reuniram em volta de uma ruidosa fogueira à porta do pavilhão do rei. Cavaleiros e homens-de-armas do sul, todos eles. Asha ter-lhes-ia chamado homens do rei, mas os outros homens das terras da tempestade e da coroa chamavam-lhes homens da rainha… se bem que a rainha que seguiam fosse a vermelha em Castelo Negro, não a esposa que Stannis Baratheon deixara em Atalaialeste-do-Mar. — Oh, Senhor da Luz, suplicamo-vos, virai o vosso olhar fogoso para nós e mantende-nos a salvo e quentes — cantaram às chamas — pois a noite é escura e cheia de terrores.

Era um grande cavaleiro chamado Sor Godry Farring que os liderava. Godry, o Mata-Gigantes. Um grande nome para um homem pequeno.

Farring tinha um peito largo e era musculoso sob o aço e a cota de malha.

Também era arrogante e vaidoso, segundo parecia a Asha; faminto de glória, surdo à cautela, um glutão de elogios, e desdenhoso para com os plebeus, os lobos e as mulheres. Neste último detalhe, não se diferenciava do seu rei.

— Deixai-me seguir a cavalo — pediu Asha a Sor Justin quando este se aproximou da carroça com meio presunto. — Estou a dar em doida com estas correntes. Não vou tentar fugir. Tendes a minha palavra a esse respeito.

— Bem gostaria de poder, senhora. Sois cativa do rei, não minha.

— O vosso rei não aceita a palavra de uma mulher.

A Ursa rosnou.

— Porque haveríamos de confiar na palavra de qualquer nascido no ferro depois do que o vosso irmão fez em Winterfell?

— Eu não sou Theon — insistiu Asha… mas as correntes ficaram.

Quando Sor Justin avançou a galope coluna adiante, Asha deu por si a lembrar-se da última vez que vira a mãe. Fora em Harlaw, nas Dez Torres. Uma vela tremeluzia no quarto da mãe, mas a grande cama entalhada estava vazia sob o seu dossel poeirento. A Senhora Alannys encontrava-se sentada junto de uma janela, a fitar o mar.

— Trouxeste-me o meu filhinho? — perguntara, com a boca a tremer.

— O Theon não pôde vir — dissera-lhe Asha, baixando os olhos para a ruína da mulher que a dera à luz, uma mãe que perdera dois dos filhos. E

o terceiro…

Mando a cada um de vós um bocado de príncipe.

Acontecesse o que acontecesse quando se travasse batalha em Winterfell, não parecia a Asha que fosse provável que o irmão lhe sobrevivesse.

Theon Vira-Mantos. Até a Ursa quer ver a cabeça dele num espigão.

— Tendes irmãos? — perguntou Asha à sua guarda.

— Irmãs — respondeu Alysanne Mormont, abrupta como sempre.

— Éramos cinco. Todas raparigas. Lyanna está na Ilha dos Ursos. Lyra e Jory estão com a nossa mãe. Dacey foi assassinada.

— O Casamento Vermelho.

— Pois. — Alysanne fi tou Asha por um momento. — Eu tenho um filho. Tem só dois anos. A minha filha tem nove.

— Começastes nova.

— Nova demais. Mas é melhor do que esperar até ser tarde demais.

Uma estocada contra mim, pensou Asha, mas não importa.

— Sois casada.

— Não. Os meus filhos foram gerados por um urso. — Alysanne sorriu. Tinha os dentes tortos, mas havia qualquer coisa de cativante naquele sorriso. — As mulheres Mormont são troca-peles. Transformamo-nos em ursas e arranjamos parceiros na floresta. Toda a gente sabe.

Asha respondeu ao sorriso.

— E as mulheres Mormont também são todas combatentes.

O sorriso da outra mulher desvaneceu-se.

— O que somos é aquilo que de nós fizestes. Na Ilha dos Ursos todas as crianças aprendem a temer lulas gigantes que se erguem do mar.

O Costume Antigo. Asha afastou a cara, fazendo tinir debilmente as correntes.

No terceiro dia, a floresta fechou-se bem à volta deles, e as estradas sulcadas reduziram-se a trilhos de caça que depressa se revelaram estreitos demais para as carroças maiores. Aqui e ali passavam por lugares que lhe eram familiares; uma colina pedregosa que se parecia um pouco com a ca-beça de um lobo quando vista de um certo ângulo, uma queda de água meio gelada, um arco natural de pedra revestido de musgo cinzento-esverdeado.

Asha reconheceu-os a todos. Já antes passara por ali, cavalgando para Winterfell, a fim de convencer o irmão Theon a abandonar a sua conquista e a regressar com ela à segurança de Bosque Profundo. Também falhei nisso.

Nesse dia avançaram catorze milhas, e sentiram-se contentes por isso.

Quando caiu o ocaso, o condutor puxou a carroça para baixo de uma árvore. Enquanto libertava os cavalos dos tirantes, Sor Justin surgiu a trote e abriu as grilhetas em volta dos tornozelos de Asha. Ele e a Ursa escoltaram-na pelo acampamento até à tenda do rei. Podia ser uma cativa, mas continuava a ser uma Greyjoy de Pyke, e agradava a Stannis Baratheon alimentá-la com bocados da sua própria mesa, onde jantava com os seus capitães e comandantes.

O pavilhão do rei era quase tão grande como o salão de Bosque Profundo, mas havia nele pouco de grandioso além do tamanho. As suas rígidas paredes de pesada lona amarela estavam muito desbotadas, manchadas por lama e água, com pontos de bolor nelas visíveis. No topo da estaca central esvoaçava o estandarte real, dourado, com uma cabeça de veado no interior de um coração ardente. Os pavilhões dos senhores do sul que tinham vindo para norte com Stannis rodeavam-no por três lados.

No quarto rugia a fogueira noturna, chicoteando o céu que escurecia com turbilhões de chamas.

Uma dúzia de homens partia lenha para alimentar o fogo quando Asha chegou a coxear com os seus guardas. Homens da rainha. O seu deus era o rubro R’hllor, e que ciumento deus este era. O deus dela, o Deus Afogado das Ilhas de Ferro, era um demónio aos olhos deles, e se ela não adotasse aquele Senhor da Luz, seria amaldiçoada e danada. Queimar-me-iam tão alegremente como àqueles toros e ramos partidos. Alguns tinham insisti-do nisso mesmo, ao alcance dos seus ouvidos, depois da batalha na floresta.

Stannis recusara.

O rei estava em pé à porta da tenda, a fitar a fogueira noturna. Que vê ele ali? Vitória? Perdição? O rosto do seu deus vermelho e faminto? Os olhos dele estavam afundados em profundos poços, a sua barba cortada curta não passava de uma sombra no rosto encovado e no maxilar ossudo. No entanto, havia poder no olhar, uma ferocidade férrea que dizia a Asha que aquele homem nunca, nunca se afastaria do seu rumo.

Caiu sobre um joelho na sua frente.

— Senhor. — Estou sufi cientemente humilhada para vós, Vossa Graça? Estou sufi cientemente derrotada, vergada e quebrada para o vosso gosto?

— Tirai-me estas correntes dos pulsos, suplico-vos. Deixai-me montar a cavalo. Não tentarei qualquer fuga.

Stannis olhou-a como poderia olhar para um cão que se atrevesse a tentar acasalar com a sua perna.