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Os cavalos e os plebeus eram quem sofria mais. Dois escudeiros das terras da tempestade mataram um homem-de-armas à punhalada numa querela sobre quem haveria de se sentar mais perto da fogueira. Na noite seguinte, alguns arqueiros desesperados por calor conseguiram, sem que se soubesse como, pegar fogo à tenda, o que pelo menos teve a virtude de aquecer as adjacentes. Corcéis começaram a morrer de exaustão e de frio.

— O que é um rei sem um cavalo? — perguntavam os homens em jeito de adivinha. — Um boneco de neve com uma espada. — Qualquer cavalo que caísse era morto aí mesmo, para obter carne. As provisões tinham também começado a escassear.

Peasebury, Cobb, Foxglove e outros senhores de sul insistiram com o rei para montar um acampamento até que a tempestade passasse. Stannis nem quis ouvir falar da ideia. E tampouco deu ouvidos aos homens da rainha quando vieram instigá-lo a fazer uma oferenda ao seu faminto deus vermelho.

Essa história ouviu ela de Justin Massey, que era menos devoto do que a maioria.

— Um sacrifício demonstrará que a nossa fé ainda arde verdadeira, senhor — dissera Clayton Suggs ao rei. E Godry, o Mata-Gigantes dissera:

— Os velhos deuses do norte enviaram esta tempestade contra nós.

Só R’hllor pode pôr-lhe fim. Temos de lhe entregar um incréu.

— Metade do meu exército é composta por incréus — respondera Stannis. — Não quero queimas. Rezai com mais força.

Não morrerá ninguém queimado hoje, ninguém morrerá queimado amanhã… mas se os nevões continuarem quanto tempo demorará até que a determinação do rei comece a enfraquecer? Asha nunca partilhara da fé do tio Aeron no Deus Afogado, mas nessa noite rezou Àquele que Habita Sob as Ondas com tanto fervor como o Cabelo-Molhado. A tempestade não perdeu força. A marcha prosseguiu, abrandando até se transformar em cambaleio, e depois em rastejo. Num dia bom avançavam cinco milhas.

Depois três. Depois duas.

Ao nono dia de tempestade, todo o acampamento viu os capitães e comandantes a entrar na tenda do rei molhados e fatigados, para caírem sobre um joelho e relatarem as perdas do dia.

— Um homem morto, três desaparecidos.

— Seis cavalos perdidos, um dos quais o meu.

— Dois homens mortos, um dos quais um cavaleiro. Quatro cavalos caídos. Conseguimos recuperar um. Os outros estão perdidos. Corcéis, e um palafrém.

Asha ouviu chamarem àquilo a fria contagem. A coluna logística era a que mais sofria; cavalos mortos, homens perdidos, carroças viradas e quebradas.

— Os cavalos afundam-se na neve — disse Justin Massey ao rei. — Os homens deambulam para a floresta ou simplesmente sentam-se para morrer.

— Deixai-os — exclamou o rei. — Nós prosseguimos.

Os nortenhos passavam muito melhor, com os seus garranos e patas de urso. O Donnel Preto Flint e o seu meio irmão Artos só perderam um homem entre os dois. Os Liddle, os Wull e os Norrey não perderam ninguém. Uma das mulas de Morgan Liddle extraviara-se, mas ele parecia pensar que os Flint a tinham roubado.

Uma centena de léguas de Bosque Profundo a Winterfell. Trezentas milhas em voo de corvo. Quinze dias. Os quinze dias de marcha chegaram e partiram, e eles cobriram metade da distância. Um trilho de carroças partidas e cadáveres congelados estendia-se atrás deles, enterrados sob a neve soprada pelo vento. O sol, a lua e as estrelas tinham desaparecido há tanto tempo que Asha começava a perguntar a si própria se não os teria sonhado.

Foi no vigésimo dia de caminhada que finalmente se viu livre das correntes dos tornozelos. Ao fim dessa tarde, um dos cavalos que puxavam a sua carroça morreu preso aos tirantes. Não foi possível encontrar substituto; os cavalos de tração que restavam eram necessários para puxar as carroças que continham a comida e as rações. Quando Sor Justin Massey se aproximou a cavalo, disse-lhes para esquartejarem o cavalo morto e para partirem a carroça para lenha. Depois removeu as correntes que rodeavam os tornozelos de Asha, massajando-lhe as barrigas das pernas para afastar a rigidez.

— Não tenho montada para vos dar, senhora — disse — e se tentássemos seguir em montaria dupla, isso seria também o fim do meu cavalo.

Tereis de caminhar.

O tornozelo de Asha latejava sob o seu peso a cada passo. O frio há de entorpecê-lo em breve, disse a si própria. Dentro de uma hora, já nem sentirei os pés. Só se enganava em parte; demorou menos tempo do que isso. Quando a escuridão fez parar a coluna, andava aos tropeções e ansiava pelo conforto da sua prisão rolante. Os ferros deixaram-me fraca. O jantar foi encontrá-la tão extenuada que adormeceu à mesa.

No vigésimo sexto dos quinze dias de marcha, foram consumidos os últimos legumes. No trigésimo segundo dia, os últimos cereais e a última palha. Asha perguntou a si própria quanto tempo conseguiria um homem sobreviver de carne de cavalo crua e meio congelada.

— Branch jura que estamos só a três dias de Winterfell — disse Sor Richard Horpe ao rei nessa noite, depois da fria contagem.

— Se deixarmos os homens mais fracos para trás — disse Corliss Penny.

— Os homens mais fracos já não podem ser salvos — insistiu Horpe. — Os que ainda têm força sufi ciente têm de chegar a Winterfell, senão morrerão também.

— O Senhor da Luz entregar-nos-á o castelo — disse Sor Godry Farring. — Se a Senhora Melisandre estivesse connosco…

Por fim, depois de um dia de pesadelo em que a coluna avançou uma mera milha e perdeu uma dúzia de cavalos e quatro homens, o Lorde Peasebury virou-se contra os nortenhos.

— Esta marcha foi uma loucura. Morrem mais todos os dias, e para quê? Uma rapariga qualquer?

— A rapariga de Ned — disse Morgan Liddle. Era o segundo de três filhos, portanto os outros lobos chamavam-lhe o Liddle do Meio, embora não o fizessem com frequência onde ele pudesse ouvir. Fora Morgan quem quase matara Asha na luta por Bosque Profundo. Viera ter com ela mais tarde, durante a marcha, para pedir-lhe perdão… por lhe chamar “puta” no calor da batalha, não por tentar fender-lhe a cabeça com um machado.

— A rapariga de Ned — ecoou o Grande Balde Wull. — E já devíamos tê-la, e ao castelo, em nosso poder se vós, os estúpidos pavões do sul, não mijassem as bragas de cetim com um bocadinho de neve.

— Um bocadinho de neve? — A suave boca de rapariga de Peasebury torceu-se de fúria. — Foram os vossos maus conselhos que nos impuseram esta marcha, Wull. Estou a começar a suspeitar de que são criaturas do Bolton desde o princípio. É assim que as coisas são? Ele enviou-vos até nós para resmungardes veneno aos ouvidos do rei?

O Grande Balde riu-se-lhe na cara.

— O Lorde Vagem. Se fosses um homem, matava-te por isso, mas a minha espada é feita de um aço bom demais para a emporcalhar com sangue de cobarde. — Bebeu um trago de cerveja e limpou a boca. — Sim, há homens a morrer. Mais morrerão antes de vermos Winterfell. E depois?

Isto é a guerra. Os homens morrem na guerra. É assim que deve ser. Como sempre foi.

Sor Corliss Penny deitou ao chefe de clã um olhar incrédulo.

— Vós quereis morrer, Wull?

Aquilo pareceu divertir o nortenho.

— Eu quero viver para sempre numa terra onde o verão dure mil anos. Quero um castelo nas nuvens de onde possa olhar o mundo. Quero ter outra vez vinte e seis anos. Quando tinha vinte e seis anos, conseguia levar o dia inteiro a combater e a noite toda a foder. O que os homens querem não importa. O inverno já quase chegou, rapaz. E inverno é morte. Prefiro que os meus homens morram a combater pela miudinha do Ned do que sozinhos e esfomeados na neve, a chorar lágrimas que lhes congelam nas caras. Ninguém canta canções sobre homens que morrem assim. E quanto a mim, sou velho. Este será o meu último inverno. Deixai-me tomar banho em sangue Bolton antes de morrer. Quero senti-lo a salpicar-me a cara quando o meu machado morder profundamente o crânio de um Bolton.