Quero lambê-lo dos meus lábios e morrer com o seu sabor na língua.
— Isso! — gritou Morgan Liddle. — Sangue e batalha! — Depois todos os homens dos montes se puseram aos gritos, batendo na mesa com as taças e cornos de beber, enchendo a tenda do rei com o alarido.
A própria Asha Greyjoy de bom grado acolheria um combate. Uma batalha, para pôr fim a este sofrimento. Aço contra aço, neve rosada, escudos quebrados e membros cortados, e tudo chegaria ao fim.
No dia seguinte, os batedores do rei encontraram por acaso uma aldeia abandonada de agricultores entre dois lagos; um sítio sujo e miserável que não passava de algumas cabanas, um edifício público e uma torre de vigia. Richard Horpe ordenou uma paragem, muito embora o exército não tivesse avançado mais que meia milha nesse dia e estivessem a horas do crepúsculo. Já passara há muito do nascer da Lua quando a coluna logística e a retaguarda chegaram à aldeia. Asha vinha nesse grupo.
— Há peixe nestes lagos — disse Horpe ao rei. — Abriremos buracos no gelo. Os nortenhos sabem como se faz.
Mesmo envolto no seu volumoso manto de peles e com a armadura pesada, Stannis parecia um homem com um pé na cova. A pouca carne que restava na sua constituição alta e magra em Bosque Profundo desaparecera durante a marcha. Via-se a forma do seu crânio sob a pele, e tinha o maxilar cerrado com tal força que Asha temeu que os dentes se lhe estilhaçassem.
— Então pescai — disse, despachando cada palavra com uma dentada. — Mas marchamos à primeira luz da aurora.
Mas quando a luz chegou, o acampamento despertou para a neve e o silêncio.
O céu passou de negro a branco e não pareceu mais luminoso. Asha Greyjoy acordou com cãibras e frio sob a pilha de peles de dormir, escutando os roncos da Ursa. Nunca conhecera uma mulher que ressonasse tão ruidosamente, mas habituara-se àquilo durante a marcha, e agora até a reconfortava até certo ponto. Era o silêncio que a perturbava. Nenhuma trombeta soava para dizer aos homens para montar, formar uma coluna, preparar-se para marchar. Nenhum corno de guerra convocava os nortenhos. Há algo de errado.
Asha saiu de debaixo das suas peles de dormir e saiu da tenda, derrubando a parede de neve que as isolara lá dentro durante a noite. As grilhetas retiniram quando se pôs em pé e inspirou uma golfada do gelado ar da manhã. A neve continuava a cair, ainda mais fortemente do que quando se enfi ara na tenda. Os lagos tinham desaparecido, e a floresta também. Via as silhuetas das outras tendas e abrigos temporários, e o clarão indistinto e alaranjado do fogo sinaleiro no topo da torre de vigia, mas não a própria torre. A tempestade engolira o resto.
Algures, mais à frente, Roose Bolton aguardava-os por trás das muralhas de Winterfell, mas a hoste de Stannis Baratheon estava presa pela neve e imóvel, emparedada por gelo e neve, a passar fome.
DAENERYS
A vela já quase se fora. Restavam menos de três centímetros, que se projetavam de um charco de cera quente derretida e deitavam a sua luz sobre a cama da rainha. A chama começara a vacilar.
Vai apagar-se não tarda muito, compreendeu Dany, e quando o fizer outra noite chegará ao fim.
A aurora chegava sempre cedo demais.
Ela não dormira, não pudera dormir, não quisera dormir. Nem sequer se atrevera a fechar os olhos, por temer que fosse manhã quando os voltasse a abrir. Se ao menos tivesse poder para tal, teria feito com que as noites que passavam juntos se prolongassem para sempre, mas o melhor que podia fazer era ficar acordada para tentar saborear todos os momentos de doçura antes de a alvorada os transformar em nada mais que memórias que se apagavam.
A seu lado, Daario Naharis dormia tão pacificamente como um bebé recém-nascido. Gabava-se de que tinha um dom para dormir, sorrindo daquela sua maneira arrogante. Em campo, segundo afirmava, era frequente dormir na sela para estar bem repousado no caso de deparar com uma batalha. Sol ou tempestade, não importava.
— Um guerreiro que não consegue dormir depressa deixa de ter força para combater — dissera. E também nunca era incomodado por pesadelos.
Quando Dany lhe disse como Serwyn do Escudo Espelhado era atormentado pelos fantasmas de todos os cavaleiros que matara, Daario limitara-se a rir. — Se aqueles que eu matei vierem incomodar-me, voltarei a matá-los a todos. — Ele tem uma consciência de mercenário, apercebera-se ela então.
O que equivale a dizer que não tem consciência alguma.
Daario estava deitado de barriga para baixo, com as leves colchas de linho enroladas em volta das longas pernas e a cara meio enterrada nas almofadas.
Dany percorreu-lhe as costas com a mão, seguindo a linha da espinha. A pele era lisa sob o seu toque, quase desprovida de pelos. A pele dele é seda e cetim. Adorava senti-lo sob os seus dedos. Adorava passar-lhe os dedos pelo cabelo, massajar-lhe as pernas para afastar a dor de um longo dia na sela, pegar-lhe na picha e senti-la a endurecer na palma da mão.
Se fosse uma mulher comum, de bom grado passaria toda a vida a tocar Daario, a percorrer-lhe as cicatrizes com os dedos e a obrigá-lo a contar-lhe como ficara com cada uma delas. Renunciaria à coroa se ele mo pedisse, pensou Dany… mas ele não o pedira, e nunca pediria. Daario podia sussurrar palavras de amor quando os dois eram como um só, mas sabia que era a rainha dos dragões que amava. Se eu renunciasse à coroa, ele não me quereria. Além disso, era frequente que os reis que perdiam as coroas perdessem também as cabeças, e Dany não via motivo para esse facto ser diferente para uma rainha.
A vela tremeluziu uma última vez e morreu, afogada na própria cera.
A escuridão engoliu a cama e os seus dois ocupantes, e encheu todos os cantos do aposento. Dany envolveu o seu capitão nos braços e encostou-se-lhe às costas. Bebeu o seu odor, saboreando o calor da carne, a sensação de ter a pele dele encostada à sua. Recorda, disse a si própria. Recorda a sensação que ele dava. Beijou-o no ombro.
Daario rolou para ela, de olhos abertos.
— Daenerys. — Fez um sorriso indolente. Aquele era outro dos seus talentos; despertava de repente, como um gato. — É a aurora?
— Ainda não. Ainda temos algum tempo.
— Mentirosa. Vejo os teus olhos. Conseguiria fazer isso se fosse noite cerrada? — Daario libertou-se da colcha com um pontapé e sentou-se. — Meia-luz. O dia chegará em breve.
— Não quero que esta noite acabe.
— Ah não? E porquê, minha rainha?
— Tu sabes.
— O casamento? — Ele riu-se. — Casa comigo em vez dele.
— Sabes que não posso fazer isso.
— És uma rainha. Podes fazer o que quiseres. — Fez deslizar uma mão ao longo da sua perna. — Quantas noites nos restam?
Duas. Só duas.
— Sabes tão bem como eu. Esta noite e a próxima, depois temos de pôr fim a isto.
— Casa comigo, e podemos ter todas as noites para sempre.
Se pudesse, casaria. Khal Drogo fora o seu sol-e-estrelas, mas estava morto há tanto tempo que Daenerys quase esquecera como era amar e ser amada. Daario ajudara-a a recordar. Estive morta e ele trouxe-me de volta à vida. Estava adormecida e ele despertou-me. O meu bravo capitão. Mesmo assim, nos últimos tempos tornara-se demasiado ousado. No dia em que regressara da sua última surtida, atirara a cabeça de um senhor yunkaita para junto dos seus pés e beijara-a no salão para todo o mundo ver, até que Barristan Selmy os separara. O Sor Avô estivera tão furioso que Dany temera que sangue pudesse ser derramado.
— Não podemos casar, meu amor. Sabes porquê.
Ele saltou da cama.
— Então casa com o Hizdahr. Eu dou-lhe um belo par de cornos como presente de casamento. Os homens ghiscariotas gostam de andar por aí com cornos. Fazem-nos com o cabelo, com pentes, cera e ferros. — Daario descobriu as bragas e vestiu-as. Não se incomodava com roupa interior.