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— A rainha nunca abusaria da nossa hospitalidade — disse Jon, esperando que fosse verdade. — Agora temo que deva retirar-me antes que me esqueça dos deveres de um anfitrião. Lorde Tycho, peço que me desculpeis.

— Sim, claro — disse o banqueiro. — Foi um prazer.

Lá fora, a neve caía mais pesadamente. Do outro lado do pátio, a Torre do Rei transformara-se numa gigantesca sombra, com as luzes das janelas obscurecidas pela neve que caía.

De volta ao seu aposento privado, Jon foi encontrar o corvo do Velho Urso empoleirado no espaldar da cadeira de couro e carvalho por trás da mesa de armar. A ave começou a gritar por comida no momento em que entrou. Jon tirou um punhado de grãos secos do saco que se encontrava ao lado da porta e espalhou-os pelo chão, após o que reclamou para si a cadeira.

Tycho Nestoris deixara para trás uma cópia do acordo. Jon leu-o três vezes até ao fim. Isto foi simples, refl etiu. Mais simples do que me atrevi a esperar. Mais simples do que devia ter sido.

Isso causava-lhe uma sensação incómoda. O dinheiro bravosiano permitiria que a Patrulha da Noite comprasse comida ao sul quando as provisões próprias começassem a escassear, comida sufi ciente para aguentarem o inverno, por mais longo que este se revelasse. Um inverno longo e duro deixará a Patrulha tão profundamente endividada que nunca sairemos do buraco, fez Jon lembrar a si próprio, mas quando a alternativa é entre a dívida e a morte, é melhor pedir emprestado.

Mas não tinha de gostar. E na primavera, quando chegasse o momento de pagar todo aquele ouro, gostaria ainda menos. Tycho Nestoris parecera-lhe culto e cortês, mas o Banco de Ferro de Bravos tinha uma reputação temível no que tocava à coleta de dívidas. Cada uma das Nove Cidades Livres tinha o seu banco, e algumas possuíam mais do que um, lutando por cada moeda como cães por um osso, mas o Banco de Ferro era mais rico e poderoso do que todos os outros juntos. Quando os príncipes incumpriam as obrigações para com bancos menores, os banqueiros arruinados vendiam as mulheres e os filhos para a escravatura e abriam as veias. Quando os príncipes deixavam de pagar ao Banco de Ferro, novos príncipes brotavam de nenhures e conquistavam-lhes os tronos.

Como o pobre e rechonchudo Tommen pode estar prestes a aprender.

Sem dúvida que os Lannister tinham bons motivos para se recusarem a pagar as dívidas do Rei Robert, mas não deixava de ser uma loucura. Se Stannis não fosse demasiado inflexível para aceitar as condições deles, os bravosianos dar-lhe-iam todo o ouro e prata de que necessitasse, dinheiro sufi ciente para comprar uma dúzia de companhias mercenárias, para subornar uma centena de senhores, para manter os seus homens pagos, alimentados, vestidos e armados. A menos que Stannis jaza morto à sombra das muralhas de Winterfell, pode perfeitamente ter acabado de conquistar o Trono de Ferro. Perguntou a si próprio se Melisandre teria visto isso nos seus fogos.

Jon recostou-se, bocejou, espreguiçou-se. De manhã esboçaria ordens para Cotter Pyke. Onze navios para Larduro. Trazer todos os que for possível, mulheres e crianças primeiro. Estava na altura de zarparem. Mas devo ir pessoalmente ou será melhor deixar a expedição com Cotter? O Velho Urso liderara uma patrulha. Pois. E nunca regressara.

Jon fechou os olhos. Só por um momento…

… e acordou, hirto como uma tábua, com o corvo do Velho Urso a resmungar “Snow, Snow,” e Mully a sacudi-lo.

— Senhor, sois esperado. Perdão, senhor. Foi encontrada uma moça.

— Uma moça? — Jon sentou-se, afastando o sono dos olhos com as costas das mãos. — Val? Val regressou?

— Não é Val, senhor. Foi deste lado da Muralha, foi pois.

Arya. Jon endireitou-se. Tinha de ser ela.

— Moça — gritou o corvo. — Moça, moça.

— Ty e Dannel deram com ela duas léguas a sul de Vila Toupeira.

Andavam à caça de uns selvagens que tinham abalado estrada de rei abaixo.

Tam’ém os trouxeram de volta, mas depois deram com a moça. É bem-nascida, senhor, e ‘tá a perguntar por vós.

— Vieram quantos homens com ela? — Deslocou-se até à bacia, salpicou a cara com água. Deuses, como estava cansado.

— Nenhum, senhor. Veio sozinha. O cavalo ‘tava a morrer debaixo dela. Todo pele e costelas, coxo e cheio de espuma. Soltaram-no e capturaram a moça para a interrogar.

Uma rapariga cinzenta num cavalo moribundo. Os fogos de Melisandre não tinham mentido, aparentemente. Mas o que acontecera a Mance Rayder e às suas esposas de lanças?

— Onde está agora a moça?

— Nos aposentos do Meistre Aemon, senhor. — Os homens de Castelo Negro ainda lhe chamavam assim, apesar de por aquela altura o velho meistre dever estar quente e em segurança em Vilavelha. — A moça ‘tava azul de frio, tremia como varas verdes, de modo que o Ty quis que Clydas lhe desse uma olhadela.

— Isso é bom. — Jon voltou a sentir-se com quinze anos. Irmãzinha.

Levantou-se e envergou o manto.

A neve continuava a cair quando atravessou o pátio com Mully. Uma aurora dourada rebentava a leste, mas por trás da janela da Senhora Melisandre na Torre do Rei, uma luz avermelhada ainda tremeluzia. Será que ela nunca dorme? Que jogo estás a jogar, sacerdotisa? Tinhas alguma outra tarefa para Mance?

Queria acreditar que seria Arya. Desejava voltar a ver a cara dela, sorrir-lhe e despentear-lhe o cabelo, dizer-lhe que estava em segurança. Mas não estará em segurança. Winterfell está queimado e quebrado, e já não há lugares seguros.

Não a podia manter ali com ele, por mais que quisesse fazê-lo. A Muralha não era lugar para uma mulher, muito menos para uma rapariga de nascimento nobre. E tampouco iria entregá-la a Stannis ou a Melisandre.

O rei só quereria casá-la com um dos seus homens, Horpe, ou Massey, ou Godry, o Mata-Gigantes, e só os deuses sabiam que uso a mulher vermelha poderia querer dar-lhe.

A melhor solução que conseguia ver significaria enviá-la para Atalaialeste e pedir a Cotter Pyke para a pôr num navio para algum sítio do outro lado do mar, para fora do alcance de todos aqueles reis quezilentos.

Isso teria de esperar que os navios regressassem de Larduro, com certeza.

Ela podia regressar a Bravos com Tycho Nestoris. O Banco de Ferro talvez possa ajudar a encontrar alguma família nobre que a crie. Bravos era a mais próxima das Cidades Livres, porém… o que fazia dela ao mesmo tempo a melhor e a pior opção. Lorath ou o Porto de Ibben talvez fossem mais seguros. Enviasse-a para onde enviasse, contudo, Arya precisaria de prata para a sustentar, de um telhado sobre a cabeça, de alguém que a protegesse. Não passava de uma criança.

Os velhos aposentos do Meistre Aemon estavam tão quentes que a súbita nuvem de vapor quando Mully abriu a porta foi sufi ciente para os cegar a ambos. Lá dentro, um fogo acabado de acender ardia na lareira, com a lenha a estalar e a crepitar. Jon passou por cima de um charco de roupa húmida.

— Snow, Snow, Snow — gritaram os corvos lá de cima. A rapariga estava enrolada perto do fogo, envolta num manto negro de lã, bom para alguém com o triplo do seu tamanho, e profundamente adormecida.

Parecia-se o sufi ciente com Arya para o fazer hesitar, mas só por um momento. Era uma rapariga alta, magrinha e ardente, toda ela pernas e cotovelos, e tinha o cabelo castanho apanhado numa grossa trança e atado com tiras de couro. Possuía uma cara comprida, um queixo pontiagudo, orelhas pequenas.

Mas era mais velha do que devia ser, muito mais velha do que devia ser. Esta rapariga tem quase a minha idade.

— Ela comeu? — perguntou Jon a Mully.

— Só pão e caldo, senhor. — Clydas levantou-se de uma cadeira.

— O Meistre Aemon sempre disse que é melhor avançar devagar. Mais alimento, e ela podia não ser capaz de o digerir.

Mully confi rmou com a cabeça.

— O Dannel tinha uma das salsichas do Hobb e deu-lhe um bocado, mas ela não quis tocar-lhe.

Jon não a censurava por isso. As salsichas de Hobb eram feitas de gordura, sal e coisas em que era melhor não pensar.