Era uma loucura. Ramsay dar-lhe-ia caça, com as raparigas. A Jeyne Vermelha, a Jez e a Hellicent fá-lo-iam em bocados, se os deuses fossem bondosos. Ou pior, podia ser recapturado vivo.
— Tenho de me lembrar do meu nome — sussurrou.
Na manhã seguinte, o escudeiro grisalho de Sor Aenys Frey foi encontrado nu e morto de frio no cemitério do velho castelo, com a cara tão tapada por geada que parecia estar com uma máscara posta. Sor Aenys fez constar que o homem bebera demasiado e se perdera na tempestade, embora ninguém conseguisse explicar por que motivo teria despido a roupa para sair. Outro bêbado, pensou Theon. O vinho era capaz de afogar uma hoste de suspeitas.
Depois, antes de o dia terminar, um besteiro ajuramentado aos Flint apareceu nos estábulos com um crânio quebrado. Escoiceado por um cavalo, declarou o Lorde Ramsay. Por uma moca, mais provavelmente, decidiu Theon.
Tudo parecia tão familiar, como um espetáculo de saltimbancos que tivesse já visto. Só que os saltimbancos tinham mudado. Roose Bolton estava a desempenhar o papel que Theon desempenhara da última vez, e os mortos representavam os papéis de Aggar, Gynir Nariz-Vermelho e Gelmarr, o Triste. O Cheirete também lá estava, recordou, mas era um Cheirete diferente, um Cheirete com mãos ensanguentadas e mentiras a pingar-lhe dos lábios, doces como o mel. Cheirete, Cheirete, rima com barrete.
As mortes puseram os senhores de Roose Bolton a discutir abertamente no Grande Salão. A alguns começava a faltar a paciência.
— Quanto tempo temos de ficar aqui à espera deste rei que não aparece? — perguntou Sor Hosteen Frey. — Devíamos levar o combate até Stannis e pôr-lhe fim.
— Abandonar o castelo? — coaxou o maneta Harwood Stout. O seu tom de voz sugeria que preferiria que lhe cortassem o braço que lhe restava. — Quereis que arremetamos cegamente pela neve adentro?
— Para combater o Lorde Stannis primeiro temos de encontrá-lo — fez notar Roose Ryswell. — Os nossos batedores saem pelo Portão do Caçador, mas nos últimos tempos nenhum regressa.
O Lorde Wyman Manderly deu uma palmada na enorme barriga.
— Porto Branco não teme acompanhar-vos, Sor Hosteen. Levai-nos para o exterior, que os nossos cavaleiros seguirão atrás de vós.
Sor Hosteen virou-se para o gordo.
— Suficientemente próximos para me espetarem uma lança nas costas, pois. Onde estão os meus irmãos, Manderly? Dizei-me isso. Vossos convidados, que vos devolveram o filho.
— Os ossos dele, quereis vós dizer. — Manderly apunhalou um bocado de presunto com a adaga. — Lembro-me bem deles. O Rhaegar dos ombros redondos, com a sua língua prolixa. O ousado Sor Jared, tão rápido a puxar do aço. Symond, o mestre de espionagem, sempre a fazer tinir moedas. Trouxeram os ossos de Wendel para casa. Foi Tywin Lannister quem me devolveu Wylis, a salvo e inteiro, conforme tinha prometido. Um homem de palavra, o Lorde Tywin, que os Sete lhe salvem a alma. — O Lorde Wyman enfiou a carne na boca, mastigou-a ruidosamente, fez estalar os lábios e disse: — A estrada tem muitos perigos, sor. Eu dei aos vossos irmãos presentes de anfitrião quando partimos de Porto Branco. Jurámos que nos voltaríamos a encontrar no casamento. Foram mais que muitos os que testemunharam a nossa despedida.
— Mais que muitos? — troçou Aenys Frey. — Ou vós e os vossos?
— Que estais a sugerir, Frey? — O Senhor de Porto Branco limpou a boca com a manga. — Não gosto do vosso tom, sor. Não, nem um bocadinho.
— Sai para o pátio, seu saco de sebo, que te sirvo a porra de todos os bocados que conseguires engolir — disse Sor Hosteen.
Wyman Manderly riu-se, mas meia dúzia dos seus cavaleiros puseram-se imediatamente em pé. Coube a Roger Ryswell e Barbrey Dustin acalmá-los com palavras proferidas em voz baixa. Roose Bolton não disse absolutamente nada. Mas Theon Greyjoy viu uma expressão nos seus olhos claros que nunca antes vira; uma inquietação, mesmo um vestígio de medo.
Nessa noite, o novo estábulo ruiu sob o peso da neve que o enterrara. Morreram vinte e seis cavalos e dois palafreneiros, esmagados debaixo do telhado caído ou sufocados sob a neve. Desenterrar os corpos demorou a maior parte da manhã. O Lorde Bolton apareceu brevemente no pátio exterior para inspecionar a cena, após o que ordenou que os restantes cavalos fossem trazidos para dentro com as montadas ainda amarradas no pátio exterior. E assim que os homens acabaram de desenterrar os mortos e de esquartejar os cavalos foi encontrado outro cadáver.
Aquele não podia ser ignorado como uma queda de bêbado ou o coice de um cavalo. O morto era um dos favoritos de Ramsay, o atarracado, escrofuloso, feio homem-de-armas chamado Picha Amarela. Era difícil determinar se a sua picha teria realmente sido amarela ou não, visto que alguém lha cortara e lha enfiara na boca com tal força que lhe partira três dos dentes. Quando os cozinheiros o encontraram à porta das cozinhas, enterrado até ao pescoço num monte de neve, tanto a picha como o homem estavam azuis de frio.
— Queimai o corpo — ordenou Roose Bolton — e assegurai-vos de não falar disto. Não quero que esta história se espalhe.
Apesar disso, a história espalhou-se. Ao meio-dia a maior parte de Winterfell já a tinha ouvido, muitos através dos lábios de Ramsay Bolton, de quem o Picha Amarela fora um dos "rapazes".
— Quando encontrarmos o homem que fez isto — prometeu o Lorde Ramsay — arranco-lhe a pele, cozinho-a para a deixar estaladiça e obrigo-o a comê-la, todinha. — Espalhou-se a notícia de que o nome do assassino valeria um dragão de ouro.
O fedor no interior do Grande Salão era palpável ao cair da noite. Com centenas de cavalos, cães e homens enfiados sob um teto, com o soalho escorregadio de lama e neve a derreter, caca de cavalo, poias de cão e até fezes humanas, com o ar fragrante com cheiros a cão molhado, lã molhada e às mantas encharcadas dos cavalos, não se encontrava conforto nos bancos repletos de gente, mas havia comida. Os cozinheiros serviram grandes fatias de carne fresca de cavalo, esturricada por fora e vermelha de sangue por dentro, com cebola assada e nabo... e, por uma vez, os soldados comuns comeram tão bem como os senhores e cavaleiros.
A carne de cavalo era demasiado dura para as ruínas dos dentes de Theon. As suas tentativas de mastigar davam-lhe dores atrozes. Por conseguinte, esmagou e misturou os nabos e as cebolas com o lado da lâmina do punhal e fez disso refeição, após o que cortou a carne de cavalo em bocados muito pequenos, chupou-os um a um e cuspiu-os. Assim pelo menos obtinha o sabor, e algum sustento proveniente da gordura e do sangue. O osso, contudo, estava para lá das suas capacidades, portanto atirou-o aos cães e observou o modo como a Jeyne Cinzenta fugiu com ele enquanto Sara e Willow tentavam mordê-la.
O Lorde Bolton ordenou a Abel para tocar para eles enquanto comiam. O bardo cantou "Lanças de Ferro," e depois "A Donzela de Inverno." Quando Barbrey Dustin pediu algo mais alegre, tocou-lhes "A Rainha Tirou a Sandália, o Rei Tirou a Coroa," e "O Urso e a Bela Donzela." Os Frey juntaram-se à cantoria, e até alguns nortenhos esmurraram a mesa ao ritmo do refrão, berrando "Um urso! Um urso!" Mas o barulho assustou os cavalos, e depressa os cantores se calaram e a música se silenciou.
Os Rapazes do Bastardo reuniram-se por baixo de uma arandela onde um archote ardia com muito fumo. Luton e o Esfolador jogavam aos dados, o Grunhido tinha uma mulher ao colo, com um seio na mão. Damon Dança-Para-Mim oleava o chicote.