— Com os fantasmas — disse com precipitação. — Eles falam-me em murmúrios. Eles... eles conhecem o meu nome.
— Theon Vira-Mantos. — Rowan agarrou-lhe a orelha, torcendo-a. — Tinhas de cortar duas cabeças, era?
— Senão os homens ter-se-iam rido dele — disse Holly.
Elas não entendem. Theon libertou-se.
— Que quereis vós? — perguntou.
— Queremos-te a ti — disse a terceira lavadeira, uma mulher mais velha, com uma voz profunda e madeixas grisalhas no cabelo.
— Já te tinha dito. Quero tocar-te, vira-mantos. — Holly sorriu. Na sua mão apareceu uma lâmina.
Podia gritar, pensou Theon. Alguém ouvirá. O castelo está cheio de homens armados. Estaria morto antes de a ajuda lhe chegar, com certeza, com o sangue a infiltrar-se na terra para ir alimentar a árvore-coração. E que haveria nisso de errado?
— Toca-me — disse. — Mata-me. — Havia mais desespero do que desafio na sua voz. — Vá. Acabai comigo como acabastes com os outros. O Picha Amarela e os outros. Fostes vós.
Holly riu-se.
— Como poderíamos ter sido nós? Somos mulheres. Tetas e ratas. Estamos cá para sermos fodidas, não temidas.
— O Bastardo fez-te mal? — perguntou Rowan. — Cortou-te os dedos, foi? Esfolou-te os dedinhos dos pés? Partiu-te os dentes? Pobre moço. — Deu-lhe palmadinhas na cara. — Não vai haver mais disso, prometo. Rezaste e os deuses enviaram-nos. Queres morrer como Theon? Podemos dar-te isso. Uma morte boa e rápida, não vai doer quase nada. — Sorriu. — Mas só depois de cantares pró Abel. Ele está à tua espera.
TYRION
— Lote noventa e sete. — O leiloeiro fez estalar o chicote. — Um par de anões, bem treinados para o vosso divertimento.
O recinto para leilões fora construído no local onde o largo e castanho Skahazadhan desaguava na Baía dos Escravos. Tyrion Lannister sentia o cheiro a sal no ar, misturado com o fedor que vinha das latrinas escavadas por trás dos cercados para escravos. O calor não o incomodava tanto como a humidade. O próprio ar parecia pesar sobre ele, como uma manta quente e molhada posta sobre a sua cabeça e ombros.
— Cão e porco incluídos no lote — anunciou o leiloeiro. — Os anões montam-nos. Deliciai os convidados do vosso próximo banquete, ou usai-os para um espetáculo.
Os licitadores estavam sentados em bancos de madeira a beber sumos. Alguns tinham escravos a refrescá-los com leques. Muitos usavam tokars, essa peculiar peça de vestuário adorada pelo sangue antigo da Baía dos Escravos, tão elegante como pouco prática. Outros vestiam-se com mais simplicidade; homens com túnicas e mantos de capuz, mulheres com sedas coloridas. Rameiras ou sacerdotisas, provavelmente; ali tão para leste era difícil distinguir umas das outras.
Atrás dos bancos, trocando gracejos e ridicularizando o que se ia passando, estava um coágulo de ocidentais. Mercenários, compreendeu Tyrion. Viu espadas longas, adagas e punhais, um feixe de machados de arremesso, cota de malha sob os mantos. O cabelo, as barbas e as caras denunciavam a maioria como homens das Cidades Livres, mas aqui e ali havia alguns que podiam ter provindo de Westeros. Estarão a comprar? Ou será que só apareceram para ver o espetáculo?
— Quem abre para este par?
— Trezentas — licitou uma matrona num antigo palanquim.
— Quatrocentas — gritou um yunkaita monstruosamente gordo da liteira onde se esparramava como um leviatã. Todo coberto de seda amarela debruada de ouro, parecia tão grande como quatro Illyrios. Tyrion apiedou-se dos escravos que tinham de carregar com ele. Pelo menos seremos poupados a esse dever. Que alegria, ser um anão.
— E uma — disse uma velha com um tokar violeta. O leiloeiro deitou-lhe um olhar azedo, mas não rejeitou a licitação.
Os marinheiros escravos do Selaesori Qhoran, vendidos individual- mente, tinham chegado a preços que variavam entre as quinhentas e as novecentas peças de prata. Marinheiros experientes eram mercadoria valiosa. Nenhum dera qualquer tipo de luta quando os esclavagistas abordaram a sua coca mutilada. Para eles, tratava-se apenas de uma mudança de dono. Os imediatos do navio tinham sido homens livres, mas a viúva da borda dagua escrevera para eles uma promissória, prometendo pagar os seus resgates num caso como aquele. Os três dedos fogosos sobreviventes ainda não tinham sido vendidos, mas eram escravos do Senhor da Luz, e podiam esperar serem comprados por um templo vermelho qualquer. As chamas que tinham tatuadas nas caras eram a sua promissória.
Tyrion e Centava não possuíam tais garantias.
— Quatrocentas e cinquenta — soou a licitação.
— Quatrocentas e oitenta.
— Quinhentas.
Algumas licitações eram gritadas em alto valiriano, outras na língua mestiça de Ghis. Alguns compradores faziam sinal com um dedo, com a torção de um pulso ou com o aceno de um leque pintado.
— Estou contente por nos manterem juntos — sussurrou Centava.
O vendedor de escravos atirou-lhes um olhar.
— Nada de conversa.
Tyrion deu um apertão ao ombro de Centava. Madeixas de cabelo, louras claras e negras, aderiam-lhe à testa, os farrapos da túnica pega- vam-se-lhe às costas. Parte disso era suor, parte sangue seco. Não fora insensato ao ponto de dar combate aos esclavagistas, como Jorah Mormont fizera, mas isso não significava que tivesse escapado à punição. No seu caso fora a boca a fazer-lhe lucrar chibatadas.
— Oitocentas.
— E cinquenta.
— E uma.
Valemos tanto como um marinheiro, refletiu Tyrion. Se bem que o que os compradores queriam talvez fosse a Porca Bonita. Um porco bem treinado é difícil de arranjar. Decerto não estavam a licitar ao quilo.
Às novecentas peças de prata a licitação começou a abrandar. Às novecentas e cinquenta e uma (vinda da velha), parou. Mas o leiloeiro farejava dinheiro, e exigiu que os anões dessem à multidão um cheirinho do seu espetáculo. O Trincão e a Porca Bonita foram levados para a plataforma. Sem selas nem arreios, montá-los revelou-se complicado. No momento em que a porca começou a mexer-se, Tyrion escorregou-lhe da garupa e aterrou sobre a sua, provocando um vendaval de gargalhadas vindas dos licitadores.
— Mil — licitou o gordo grotesco.
— E uma. — Outra vez a velha.
A boca de Centava estava congelada num ricto. Bem treinada para o vosso divertimento. O pai da rapariga tinha muito por que responder no inferninho que estava reservado para os anões.
— Mil e duzentas. — O leviatã de amarelo. Um escravo a seu lado entregou-lhe uma bebida. Limão, sem dúvida. O modo como aqueles olhos amarelos estavam fixos no estrado deixou Tyrion desconfortável.
— Mil e trezentas.
— E uma. — A velha.
O meu pai sempre disse que um Lannister valia dez vezes o preço de qualquer homem comum.
Às mil e seiscentas, o ritmo começou a esmorecer, e o mercador de escravos convidou alguns dos compradores a aproximarem-se para examinarem os anões mais de perto.
— A fêmea é nova — prometeu. — Podereis acasalá-los, obter bom dinheiro pelas crias.
— Metade do nariz dele desapareceu — protestou a velha, depois de uma boa olhadela de perto. A sua cara enrugada contraiu-se de desagrado. A pele era branca como a de uma larva; envolta num tokar violeta, parecia uma ameixa abolorecida. — E os olhos dele também não combinam. Coisa feia.