— Bastou vê-los para pôr a rainha dos dragões de joelhos — vangloriou-se. — E aí vai ficar, a mamar na nobre picha de Hizdahr, senão fazemos as muralhas dela em cascalho.
Tyrion viu um escravo a ser chicoteado, golpe atrás de golpe, até ficar com as costas feitas sangue e carne viva. Uma fila de homens passou a marchar, a ferros, tinindo a cada passo. Levavam lanças e usavam espadas curtas, mas correntes ligavam-nos pulso com pulso e tornozelo com tornozelo. O ar cheirava a carne assada, e viu um homem a esfolar um cão para a panela.
Também viu os mortos e ouviu os moribundos. Sob o fumo que pairava no ar, o cheiro a cavalos e o penetrante cheiro salgado da baía, havia um fedor a sangue e a merda. Uma Puxão qualquer, compreendeu, enquanto via dois mercenários tirar o cadáver de um terceiro de uma das tendas.
Isso fê-lo torcer os dedos. Ouvira o pai dizer uma vez que a doença podia dizimar um exército mais depressa do que qualquer batalha.
Mais um motivo para fugir, e depressa.
Um quarto de milha mais à frente, descobriu um bom motivo para pensar melhor. Formara-se uma multidão em volta de três escravos capturados enquanto tentavam escapar.
— Eu sei que os meus tesourinhos serão doces e obedientes — disse. — Vede o que acontece àqueles que tentam fugir.
Os cativos tinham sido atados a uma fila de traves e um par de fundibulários estava a usá-los para testar a sua perícia.
— Tolosinos — disse-lhes um dos guardas. — Os melhores fundibulários do mundo. Atiram bolas de chumbo mole em vez de pedras.
Tyrion nunca entendera o objetivo das fundas, quando os arcos tinham um alcance tão superior... mas nunca tinha visto tolosinos em ação. As suas bolas de chumbo causavam muito mais danos do que as pedras lisas que os outros fundibulários usavam, e também mais do que qualquer seta. Uma atingiu o joelho de um dos cativos, e este rebentou numa chuva de sangue e osso que deixou a perna do homem pendurada por um tendão vermelho escuro. Bem, ele não voltará a fligir, concedeu Tyrion, enquanto o homem desatava a gritar. Os guinchos dele misturaram-se no ar da manhã com os risos das seguidoras de acampamentos e com as pragas daqueles que tinham apostado bom dinheiro no falhanço do fundibulário. Centava afastou o olhar, mas o Amasseca pegou-lhe no queixo e voltou a virar-lhe a cabeça para a cena.
— Observa — ordenou. — Tu também, urso.
Jorah Mormont ergueu a cabeça e fitou o Amasseca. Tyrion via a tensão nos seus braços. Vai esganá-lo, e isso será o fim de todos nós. Mas o cavaleiro limitou-se a fazer uma careta, após o que se virou para observar o sangrento espetáculo.
Para leste, as maciças muralhas de tijolo de Meereen tremeluziam ao calor da manhã. Esse era o refugio que aqueles pobres patetas tinham esperado alcançar. Mas durante quanto tempo continuará a ser um refúgio?
Todos os três aspirantes a fugitivos estavam mortos antes do Amasseca voltar a pegar nas rédeas. O carro de mulas continuou a avançar.
O acampamento do amo deles ficava a sul e a leste da Prostituta, quase à sua sombra e estendia-se ao longo de vários acres. A humilde tenda de Yezzan zo Qaggaz revelou-se um palácio de seda cor de limão. Harpias douradas erguiam-se no topo dos mastros centrais de cada um dos seus nove telhados bicudos, brilhando ao sol. Tendas menores rodeavam-na por todos os lados.
— Aqueles são os alojamentos dos cozinheiros, das concubinas e dos guerreiros do nosso nobre amo, e de alguns dos seus familiares menos próximos — disse-lhes o Amasseca — mas vós, queridinhos, tereis o raro privilégio de dormir dentro do pavilhão do próprio Yezzan. Agrada-lhe manter as suas criaturas por perto. — Franziu o sobrolho a Mormont. — Tu não, urso. És grande e feio, ficarás acorrentado cá fora. — O cavaleiro não respondeu. — Mas primeiro arranjaremos coleiras para todos.
As coleiras eram feitas de ferro, ligeiramente douradas para as fazer brilhar à luz. O nome de Yezzan estava gravado no metal em glifos valiria- nos, e um par de minúsculas campainhas estava preso por baixo das orelhas de forma que cada passo de quem as usava produzia um alegre tilintar. Jo- rah Mormont aceitou a sua coleira num silêncio carrancudo, mas Centava desatou a chorar enquanto o armeiro colocava a dela no lugar.
— É tão pesada — queixou-se.
Tyrion apertou-lhe a mão.
— É de ouro maciço — mentiu. — Em Westeros, as senhoras de nascimento elevado sonham com um colar como esse. — Antes uma coleira do que uma marca. Uma coleira pode ser tirada. Lembrou-se de Shae, e do modo como a corrente de ouro reluzira quando a apertara mais e mais em volta da sua garganta.
Depois, o Amasseca mandou prender as correntes de Sor Jorah a uma estaca perto da fogueira, enquanto levava os dois anões para dentro do pavilhão do amo e lhes mostrava o sítio onde iriam dormir, numa alcova atapetada separada da tenda principal por paredes de seda amarela. Iam partilhar aquele espaço com os outros tesouros de Yezza; um rapaz com umas "pernas de cabra" torcidas e peludas, uma rapariga de duas cabeças oriunda de Mantarys, uma mulher barbuda e uma criatura graciosa chamada Doces que se vestia de selenite e renda de Myr.
— Estais a tentar decidir se sou homem ou mulher — disse Doces quando foi posta perante os anões. Depois ergueu as saias e mostrou-lhes o que estava por baixo. — Sou as duas coisas, e é de mim que o amo mais gosta.
Uma coleção de aberrações, compreendeu Tyrion. Algures, há um deus qualquer que se está a rir.
— Adorável — disse a Doces, com o seu cabelo purpúreo e olhos violeta — mas tínhamos a esperança de ser os bonitos, para variar.
Doces soltou um risinho, mas o Amasseca não se mostrou divertido.
— Guarda os gracejos para esta noite, quando atuares para o nosso nobre amo. Se lhe agradares, serás bem recompensado. Se não... — Esbofeteou a cara de Tyrion.
— Vais querer ter cuidado com o Amasseca — disse Doces depois do capataz se ir embora. — Ele é o único verdadeiro monstro que aqui há. — A mulher barbuda falava uma variedade incompreensível de ghiscari, o rapaz cabra uma mistura gutural de marinheiros chamada fala mercantil. A rapariga de duas cabeças era fraca da cabeça; uma cabeça não era maior do que uma laranja e não falava de todo, a outra tinha dentes aguçados e era habitual que rosnasse a quem quer que se aproximasse demasiado da sua jaula. Mas Doces era fluente em quatro línguas, uma das quais alto valiriano.
— Como é o amo? — perguntou Centava com ansiedade.
— Tem os olhos amarelos e fede — disse Doces. — Há dez anos foi a Sothoros, e tem vindo a apodrecer por dentro desde então. Se o fizeres esquecer que está a morrer, mesmo se um bocadinho, pode ser muito generoso. Não lhe recuses nada.
Só tiveram a tarde para aprender os costumes dos escravos. Os escravos corporais de Yezzan encheram uma banheira de água quente, e os anões foram autorizados a tomar banho; Centava primeiro, depois Tyrion. Depois, outro escravo espalhou um unguento picante pelos cortes nas suas costas para impedir que gangrenassem, após o que os cobriu com um cataplasma fresco. O cabelo de Centava foi cortado e a barba de Tyrion sofreu uma aparadela. Foram-lhes dados chinelos suaves e roupa fresca, simples mas limpa.