Quando a noite caiu, o Amasseca regressou para lhes dizer que estava na altura de envergarem as armaduras de saltimbancos. Yezzan ia receber o supremo comandante yunkaita, o nobre Yurkhaz zo Yunzak, e esperava-se que eles atuassem.
— Deverei desacorrentar o vosso urso?
— Esta noite não — disse Tyrion. — Justemos primeiro para o nosso amo e guardemos o urso para outra ocasião.
— Muito bem. Depois de acabardes as cabriolas, ireis ajudar a servir. Tratai de não derramar bebida sobre os convidados, caso contrário pagareis por isso.
Um malabarista deu início aos divertimentos da noite. Depois veio um trio de enérgicos acrobatas. Depois deles, o rapaz das pernas de cabra apareceu e dançou uma grotesca jiga enquanto um dos escravos de Yurkhaz tocava numa flauta de osso. Tyrion sentiu-se inclinado a perguntar-lhe se ele conhecia "As Chuvas de Castamere." Enquanto esperavam a sua vez de atuar, observou Yezzan e os convidados. A ameixa humana no lugar de honra era claramente o supremo comandante yunkaita, o qual parecia tão impressionante como um banco desconjuntado. Viera acompanhado de uma dúzia de outros senhores yunkaitas. Dois capitães mercenários também estavam presentes, cada um acompanhado por uma dúzia de homens da sua companhia. Um era um pentoshi elegante, de cabelo grisalho e vestido de seda, à exceção do manto, uma coisa esfarrapada feita de dúzias de faixas de tecido rasgado e manchado de sangue. O outro capitão era o homem que tentara comprá-lo naquela manhã, o licitante de pele castanha com a barba grisalha.
— Ben Castanho Plumm — chamou-lhe Doces. — Capitão dos Segundos Filhos.
Um westerosiano e um Plumm. Cada vez melhor:
— Vós sois a seguir — informou o Amasseca. — Sede divertidos, queridinhos, senão ireis desejar tê-lo sido.
Tyrion não dominara metade dos velhos truques de Tostão, mas conseguia montar a porca, cair quando devia, rolar e voltar a pôr-se de pé. Tudo isso acabou por ser bem recebido. Ver gente pequena a correr ebriamente de um lado para o outro e a bater uma na outra com armas de madeira parecia ser tão hilariante num acampamento de sitiantes nas margens da Baía dos Escravos como no banquete de casamento de Joffrey em Porto Real. Desprezo, pensou Tyrion, a língua universal.
O amo Yezzan ria-se mais ruidosamente e durante mais tempo sempre que um dos seus anões sofria uma queda ou apanhava com um golpe, com todo o vasto corpo a sacudir-se como sebo num tremor de terra; os seus convidados esperavam para ver como Yurkhaz zo Yunzak reagia antes de se lhe juntarem. O supremo comandante parecia tão débil que Tyrion teve receio de que rir pudesse matá-lo. Quando o elmo de Centava foi atingido e voou até ao colo de um yunkaita de expressão azeda vestido com um tokar às riscas verdes e douradas, Yurkhaz cacarejou como uma galinha. Quando esse senhor meteu a mão no elmo e de lá tirou um grande melão purpúreo a pingar polpa, arquejou até ficar com a cara da mesma cor do fruto. Virou-se para o seu anfitrião e murmurou qualquer coisa que fez o amo dos anões rir-se à gargalhada e lamber os lábios... se bem que parecesse a Tyrion que havia um sinal de ira naqueles olhos rachados e amarelos.
Depois, os anões tiraram as armaduras de madeira e a roupa ensopada em suor que tinham por baixo e vestiram as frescas túnicas amarelas que lhes tinham sido fornecidas para servirem. A Tyrion foi dado um jarro de vinho purpúreo, a Centava um jarro de água. Deslocaram-se pela tenda enchendo taças, fazendo murmurar os chinelos em tapetes espessos. Era um trabalho mais duro do que parecia. Tyrion não demorou muito a ficar com fortes cãibras nas pernas, e um dos golpes nas suas costas recomeçara a sangrar, espalhando vermelho pelo linho amarelo da túnica. Tyrion mordeu a língua e continuou a servir.
A maioria dos convidados não lhes prestou mais atenção do que aos outros escravos... mas um yunkaita declarou ebriamente que Yezzan devia obrigar os dois anões a foder, e outro exigiu saber como fora que Tyrion perdera o nariz. Quase respondeu: Enfiei-o na cona da tua mulher, e ela arrancou-mo à dentada... mas a tempestade persuadira-o de que ainda não queria morrer, portanto disse:
— Foi cortado para me punir por insolência, senhor.
Então, um nobre de tokar azul fimbriado de olhos-de-tigre lembrou-se de que Tyrion se gabara da sua perícia no cyvasse durante o leilão.
— Testemo-lo — disse. Um tabuleiro e um conjunto de peças foram devidamente apresentados. Escassos momentos mais tarde, o nobre ruborizado virou o tabuleiro numa fúria, espalhando as peças pelos tapetes ao som de gargalhadas yunkaitas.
— Devias tê-lo deixado ganhar — murmurou Centava.
O Ben Castanho Plumm ergueu o tabuleiro caído, sorrindo.
— Testa-me a seguir, anão. Quando eu era mais novo, os Segundos Filhos aceitaram um contrato com Volantis. Aprendi lá a jogar.
— Eu sou só um escravo. O meu nobre amo decide quando e com quem jogo. — Tyrion virou-se para Yezzan. — Meu amo?
O senhor amarelo pareceu divertido pela ideia.
— Que aposta propondes, capitão?
— Se eu ganhar, dai-me este escravo — disse Plumm.
— Não — disse Yezzan zo Qaggaz. — Mas se conseguirdes derrotar o meu anão, dou-vos o preço que paguei por ele, em ouro.
— Feito — disse o mercenário. As peças espalhadas foram recolhidas do tapete e sentaram-se para jogar.
Tyrion ganhou o primeiro jogo. Plumm conquistou o segundo, duplicando a aposta. Quando se prepararam para o terceiro embate, o anão estudou o seu oponente. De pele castanha, com as bochechas e o queixo cobertos por uma densa barba cortada curta, cinzenta e branca, a cara fendida por um milhar de rugas e algumas cicatrizes antigas, Plumm tinha um ar amigável, especialmente quando sorria. O fiel servidor, decidiu Tyrion. O tio favorito de qualquer um, cheio de gargalhadinhas, velhos ditados e rude sabedoria. Era tudo um embuste. Aqueles sorrisos nunca tocavam os olhos de Plumm, onde a cobiça se escondia por trás de um véu de cautela. Este é faminto, mas prudente.
O mercenário era um jogador quase tão mau como o nobre yunkaita, mas a sua forma de jogar era impassível e tenaz em vez de ousada. As suas formações de abertura eram sempre diferentes, mas sempre iguais; conservadoras, defensivas, passivas. Ele não joga para ganhar, compreendeu Tyrion. Joga para não perder. Funcionara com o segundo jogo, quando o homenzinho se ultrapassara com um assalto pouco sensato. Não funcionou com o terceiro jogo, nem com o quarto, nem com o quinto, que acabou por ser o último.
Perto do fim desse último embate, com a sua fortaleza em ruínas, o dragão morto, elefantes à sua frente e cavalaria pesada a circundar a retaguarda, Plumm ergueu os olhos, sorrindo, e disse:
— Yollo volta a ganhar. Morte em quatro jogadas.
— Três. — Tyrion deu pancadinhas no dragão. — Tive sorte. Talvez devêsseis dar uma boa esfregadela à minha cabeça antes do nosso próximo jogo, capitão. Alguma dessa sorte talvez se transmitisse aos vossos dedos. — Perderás na mesma, mas talvez me dês mais luta. Sorrindo, afastou-se da mesa de cyvasse, pegou no jarro de vinho e voltou a servi-lo com Yezzan zo Qaggaz consideravelmente mais rico e o Ben Castanho Plumm consideravelmente empobrecido. O seu gargantuesco amo caíra num sono ébrio durante o terceiro jogo, deixando escorregar o cálice dos dedos amarelecidos para ir derramar o conteúdo no tapete, mas talvez ficasse satisfeito quando acordasse.
Quando o supremo comandante Yurkhaz zo Yunzak se foi embora, sustentado por um par de corpulentos escravos, isso pareceu ser um sinal para os outros convidados se retirarem também. Depois de a tenda se esvaziar, o Amasseca reapareceu para dizer aos servidores que podiam obter o seu próprio banquete dos restos.