— Comei depressa. Tudo isto tem de estar outra vez limpo antes de irdes dormir.
Tyrion estava de joelhos, com as pernas a doer e as costas ensanguentadas a gritar de dor, tentando lavar a nódoa que o vinho derramado do nobre Yezzan deixara no tapete do nobre Yezzan, quando o capataz lhe bateu gentilmente na cara com a ponta do chicote.
— Yollo. Estiveste bem. Tu e a tua mulher.
— Ela não é minha mulher.
— A tua rameira, nesse caso. Em pé, os dois.
Tyrion levantou-se instavelmente, com uma perna a tremer debaixo do corpo. Sentia as coxas feitas em nós, com tantas cãibras que Centava teve de lhe estender uma mão para o ajudar a pôr-se em pé.
— Que foi que nós fizemos?
— Mais que muito — disse o capataz. — O Amasseca disse que seríeis recompensados se agradásseis ao vosso pai, não disse? Embora o nobre Yezzan deteste perder os seus tesourinhos, como vistes, Yurkhaz zo Yunzak convenceu-o de que seria um egoísmo guardar para si umas palhaçadas tão engraçadas. Rejubilai! Para celebrar a assinatura da paz, tereis a honra de justar na Grande Arena de Daznak. Milhares de pessoas virão ver-vos! Dezenas de milhares! E, oh, como nos riremos!
JAIME
O Solar de Corvarbor era antigo. Musgo crescia, denso, entre as suas pedras antigas, trepando pelas muralhas como as veias nas pernas de uma velha. Duas enormes torres flanqueavam o portão principal do castelo, e torres mais pequenas defendiam cada ângulo das suas muralhas. Todas eram quadradas. Torres redondas e em meia-lua aguentavam melhor contra catapultas, visto que as pedras arremessadas tendiam a ricochetear numa parede curva, mas Corvarbor antecedia esse fragmento específico de sabedoria arquitetônica.
O castelo dominava o largo vale fértil a que tanto os mapas como os homens chamavam Vale da Floresta Negra. Vale era, sem sombra de dúvida, mas não crescia lá qualquer floresta há vários milhares de anos, fosse ela negra, castanha ou verde. Em tempos, sim, mas há muito que os machados tinham derrubado as árvores. Casas, moinhos e fortalezas tinham-se erguido onde em tempos altos carvalhos cresciam. O terreno estava nu e lamacento, e salpicado, aqui e ali, com montes de neve em fusão.
No interior das muralhas do castelo, contudo, ainda restava um bocado da floresta. A Casa Blackwood mantinha-se fiel aos deuses antigos, e rezava como os Primeiros Homens rezavam nos dias anteriores à chegada dos ândalos a Westeros. Dizia-se que algumas das árvores no seu bosque sagrado eram tão velhas como as torres quadradas de Corvarbor, especialmente a árvore-coração, um represeiro de um tamanho colossal cujos ramos superiores se viam a léguas de distância, como dedos ossudos a arranhar o céu.
Quando Jaime Lannister e a sua escolta ziguezaguearam pelas colinas onduladas até ao vale, pouco restava dos campos, quintas e pomares que outrora tinham rodeado Corvarbor; só lama e cinzas, e aqui e ali as cascas enegrecidas de casas e moinhos. Ervas daninhas, espinheiros e urtigas cresciam nessa terra desolada, mas nada a que se pudesse chamar cultivo. Jaime via a mão do pai por todo o lado, mesmo nos ossos que por vezes vislumbravam à beira da estrada. A maior parte eram ossos de ovelha, mas também havia cavalos e gado, e de vez em quando um crânio humano, ou um esqueleto sem cabeça com ervas daninhas a espreitar entre as costelas.
Nenhuma grande hoste rodeava Corvarbor, como Correrrio fora rodeado. Aquele cerco era coisa mais íntima, o último passo numa dança que recuava muitos séculos. Jonos Bracken tinha, no máximo, quinhentos homens em volta do castelo. Jaime não viu torres de cerco, não viu aríetes, não viu catapultas. Bracken não pretendia quebrar os portões de Corvarbor, nem tomar de assalto as suas altas e grossas muralhas. Sem perspetiva de libertação à vista, contentava-se em derrotar o rival pela fome. Sem dúvida teria havido surtidas e escaramuças no início do cerco, e setas a voar de um lado para o outro; meio ano depois, toda a gente estava demasiado cansada para tais disparates. O aborrecimento e a rotina, os inimigos da disciplina, tinham conquistado o seu lugar.
Já passa da altura disto terminar, pensou Jaime Lannister. Com Cor- rerrio agora bem seguro em mãos Lannister, Corvarbor era o último resquício do breve reino do Jovem Lobo. Depois do castelo se render, o seu trabalho ao longo do Tridente estaria concluído, e ficaria livre para regressar a Porto Real. Para junto do rei, disse a si próprio, mas outra parte de si sussurrou: para junto de Cersei.
Supunha que teria de a enfrentar. Partindo do princípio de que o Alto Septão não a tivesse já mandado matar quando regressasse à cidade. "Vem imediatamente," escrevera ela, na carta que mandara Peck queimar em Correrrio. "Ajuda-me. Salva-me. Preciso agora de ti como nunca antes precisei. Amo-te. Amo-te. Amo-te. Vem imediatamente." A necessidade da irmã era bastante real, disso Jaime não duvidava. Quanto ao resto... tem andado a foder Lancei, Osmund Kettleblack e o Rapaz Lua, tanto quanto sei... iVIes- mo se tivesse regressado não podia nutrir esperança de a salvar. Era culpada de todas as traições de que era acusada, e a ele faltava uma mão da espada.
Quando a coluna surgiu a trote nos campos, as sentinelas fitaram-na com mais curiosidade do que medo. Ninguém fez soar o alarme, o que convinha bastante a Jaime. O pavilhão do Lorde Bracken não se revelou difícil de encontrar. Era o maior do acampamento e o melhor situado; erguido no topo de uma pequena elevação ao lado de um ribeiro, tinha vista desobstruída para dois dos portões de Corvarbor.
A tenda era castanha, como o estandarte que esvoaçava do mastro central, onde o garanhão vermelho da Casa Bracken se empinava por cima do seu escudete dourado. Jaime deu ordem de desmontar, e disse aos seus homens que podiam conviver se o desejassem.
— Vós os dois, não — disse aos porta-estandartes. — Ficai por perto. Isto não me vai reter por muito tempo. — Jaime saltou de cima de Honra e dirigiu-se a passos largos para a tenda de Bracken, com a espada a chocalhar na bainha.
Os guardas em frente da aba da tenda trocaram um olhar ansioso quando ele se aproximou.
— Senhor — disse um deles. — Devemos anunciar-vos?
— Eu anuncio-me a mim próprio. — Jaime empurrou a aba para o lado com a mão dourada, e inclinou-se para entrar.
Estavam bem mergulhados na coisa quando entrou, tão concentrados no cio que nenhum dos dois reparou na sua chegada. A mulher tinha os olhos fechados. As suas mãos agarravam os pelos ralos e castanhos nas costas de Bracken. Arquejava de todas as vezes que ele entrava nela. A cabeça de sua senhoria estava enterrada nos seios dela, as suas mãos agarravam-se-lhe às ancas. Jaime pigarreou.
— Lorde Jonos.
Os olhos da mulher abriram-se num rompante, e ela soltou um guincho sobressaltado. Jonos Bracken rolou de cima dela, estendeu a mão para a bainha da espada, e levantou-se de aço nu na mão, praguejando.
— Sete malditos infernos — começou — quem se atreve... — Então viu o manto branco e a placa de peito dourada de Jaime. A ponta da sua espada caiu. — Lannister?
— Lamento incomodar o vosso prazer, senhor — disse Jaime com um meio sorriso — mas tenho uma certa pressa. Podemos conversar?
— Conversar. Sim. — Lorde Jonos embainhou a espada. Não era tão alto como Jaime, mas era mais pesado, com ombros grossos e braços que teriam enchido um ferreiro de inveja. Uma barba castanha por fazer cobria-lhe as bochechas e o queixo. Os olhos também eram castanhos, e escondiam mal a ira que continham. — Apanhastes-me desprevenido, senhor. Não fui informado da vossa vinda.