— A rapariga. Encontraste-la?
— Encontrei — disse Brienne, a Donzela de Tarth.
— Onde está?
— A um dia de viagem. Posso levar-vos até ela, sor... mas tereis de vir sozinho. Caso contrário, o Cão de Caça matá-la-á.
JON
— Rhllor — cantou Melisandre, com os braços erguidos contra a neve que caía — sois a luz nos nossos olhos, o fogo nos nossos corações, o calor nos nossos ventres. Vosso é o sol que aquece os nossos dias, vossas as estrelas que nos guardam na escuridão da noite.
— Louvemos todos R'hllor, o Senhor da Luz— responderam os convidados do casamento num coro desgarrado, antes que uma rajada de vento frio como gelo levasse para longe as suas palavras. Jon Snow ergueu o capuz do manto.
O nevão estava ligeiro naquele dia, flocos pouco densos que dançavam no ar, mas o vento soprava do leste ao longo da Muralha, frio como o hálito do dragão de gelo nas histórias que a Velha Nan contava. Até o fogo de Melisandre tremia; as chamas aninhavam-se na vala, crepitando suavemente enquanto a sacerdotisa vermelha cantava. Só o Fantasma parecia não sentir o frio.
Alys Karstark inclinou-se para Jon.
— Neve durante uma boda quer dizer um casamento frio. A senhora minha mãe sempre o disse.
Deitou um relance à Rainha Selyse. Deve ter havido unia tempestade de neve no dia em que ela e Stannis casaram. Encolhida por baixo do manto de arminho e rodeada pelas suas damas, criadas e cavaleiros, a rainha sulista parecia uma coisa débil, pálida e minguada. Um sorriso tenso estava congelado nos seus lábios finos, mas os olhos transbordavam de reverência. Ela odeia o frio mas adora as chamas. Bastava-lhe olhá-la para ver isso. Uma palavra de Melisandre, e entrará no fogo de boa vontade, abraçá-lo-á como uma amante.
Nem todos os homens da rainha pareciam partilhar o seu fervor. Sor Brus parecia meio bêbado, a mão enluvada de Sor Malegorn estava semicerrada em volta do rabo da senhora que se encontrava a seu lado, Sor Narbert bocejava, e Sor Patrek da Montanha Real parecia zangado. Jon Snow começara a compreender o motivo por que Stannis os deixara com a rainha.
— A noite é escura e cheia de terrores — cantou Melisandre. — Sozinhos nascemos e sozinhos morremos, mas enquanto caminhamos por este vale negro obtemos força uns dos outros, e de vós, senhor. — As suas sedas e cetins escarlates rodopiavam a cada rajada de vento. — Dois vieram hoje juntar as suas vidas, para poderem enfrentar juntos a escuridão deste mundo. Enchei os seus corações de fogo, senhor, para poderem percorrer o vosso caminho brilhante de mãos dadas para sempre.
— Senhor da Luz, protegei-nos — gritou a Rainha Selyse. Outras vozes ecoaram a resposta. Os fiéis de Melisandre; senhoras pálidas, criadas trémulas, Sor Axell, Sor Narbert e Sor Lambert, homens-de-armas com cotas de malha e Thenns de bronze, até alguns dos irmãos negros de Jon. — Senhor da Luz, abençoai os nossos filhos.
iMelisandre tinha as costas voltadas para a Muralha, de um dos lados da profunda vala onde o seu fogo ardia. O casal a ser unido enfrentava-a do outro lado da vala. Por trás deles encontrava-se a rainha, com a filha e o bobo tatuado. A Princesa Shireen estava envolta em tantas peles que parecia redonda, respirando em nuvenzinhas brancas através do cachecol que lhe tapava a maior parte da cara. Sor Axell Florent e os seus homens da rainha rodeavam o grupo real.
Embora só alguns dos homens da Patrulha da Noite se tivessem reunido em volta da fogueira, havia mais a olhar de telhados e janelas e dos degraus da grande escada em ziguezague. Jon tomou uma nota cuidadosa das presenças e das ausências. Alguns homens estavam de serviço; muitos que tinham acabado de sair de turno estariam profundamente adormecidos. Mas outros tinham decidido ausentar-se para mostrar desaprovação. Othell Yarwyck e Bowen Marsh encontravam-se entre os faltosos. O Septão Chayle saíra brevemente do septo, afagando o cristal de sete lados que trazia na tira de couro em volta do pescoço, só para voltar para dentro assim que as preces tiveram início.
Melisandre ergueu as mãos, e a fogueira saltou na direção dos seus dedos, como um grande cão a pular para obter uma guloseima. Um rodopio de faúlhas ergueu-se ao encontro dos flocos de neve que caíam.
— Oh, Senhor da Luz, agradecemo-vos — cantou ela às chamas famintas. — Agradecemo-vos pelo bravo Stannis, pela vossa graça nosso rei. Guiai-o e defendei-o, Rhllor. Protegei-o das traições de homens maldosos e concedei-lhe a força para esmagar os servos da escuridão.
— Concedei-lhe força — respondeu a Rainha Selyse e as suas damas e cavaleiros. — Concedei-lhe coragem. Concedei-lhe sabedoria.
Alys Karstark deu o braço a Jon.
— Quanto tempo ainda demora, Lorde Snow? Se vou ficar enterrada debaixo desta neve, gostaria de morrer como mulher casada.
— Pouco, senhora — sossegou-a Jon. — Pouco.
— Agradecemo-vos pelo Sol que nos aquece — entoou a rainha. — Agradecemo-vos pelas estrelas que velam por nós na escuridão da noite. Agradecemo-vos pelas nossas lareiras e archotes, que mantêm a escuridão selvagem à distância. Agradecemo-vos pelos nossos espíritos brilhantes, pelos fogos nos nossos ventres e nos nossos corações.
E Melisandre disse:
— Eles que avancem, os que querem ser unidos. — As chamas delineavam a sua sombra na Muralha atrás dela, e o seu rubi reluzia contra a palidez da garganta.
Jon virou-se para Alys Karstark.
— Senhora. Estais pronta?
— Sim. Oh, sim.
— Não tendes medo?
A rapariga sorriu, de um modo que fez tanto lembrar a Jon a irmã mais nova que quase lhe quebrou o coração.
— Ele que tenha medo de mim. — Os flocos de neve derretiam-se-lhe na cara, mas o cabelo estava envolto num turbilhão de renda que o Cetim encontrara algures, e a neve começara a acumular-se aí, dando-lhe uma coroa de gelo. Tinha as bochechas coradas e vermelhas, e os olhos cintilavam.
— A senhora do inverno. — Jon apertou-lhe a mão.
O Magnar de Thenn estava à espera junto da fogueira, vestido como quem parte para a batalha, com peles, couro e escamas de bronze e com uma espada de bronze à anca. O seu cabelo a recuar fazia com que parecesse mais velho do que era, mas quando se virou para observar a aproximação da noiva, Jon conseguiu ver o rapaz que nele havia. Os seus olhos estavam grandes como nozes, se bem que Jon não soubesse dizer se teria sido o fogo, a sacerdotisa ou a mulher a pôr o medo nele. Alys tinha mais razão do que pensava.
— Quem traz esta mulher para ser casada? — perguntou Melisandre.
— Sou eu — disse Jon. — Aqui vem Alys da Casa Karstark, uma mulher feita e florida, de nobre sangue e nascimento. — Deu um último apertão na mão dela, e recuou para se ir juntar aos outros.
— Quem avança para reclamar esta mulher? — perguntou Melisandre.
— Eu. — Sigorn deu uma palmada no peito. — Magnar de Thenn.
— Sigorn — perguntou Melisandre — estás disposto a partilhar o teu fogo com Alys e a aquecê-la quando a noite for escura e cheia de terrores?
— Juro mim. — A promessa do Magnar era uma nuvem branca no ar. Neve pintalgava-lhe os ombros. Tinha as orelhas vermelhas. — Pelas chamas do deus vermelho, aqueço ela todos dias.
— Alys, juras partilhar o teu fogo com Sigorn, e aquecê-lo quando a noite for escura e cheia de terrores?
— Até ele ficar com o sangue a ferver. — O seu manto de donzela era cia lã negra da Patrulha da Noite. O esplendor Karstark cosido nas suas costas era feito com a mesma pele branca que o forrava.