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—   Punhais no escuro. Eu sei. Perdoareis as minhas dúvidas, senhora. Uma rapariga cinzenta num cavalo moribundo, a fugir de um casamento, foi isso que dissestes.

—   Não me enganei.

—   Não acertastes. Alys não é Arya.

—   A visão foi verdadeira. Foi a minha leitura que foi falsa. Sou tão mortal como vós, Jon Snow. Todos os mortais erram.

—    Até senhores comandantes. — Mance Rayder e as suas esposas de lanças não tinham regressado, e Jon não conseguia evitar perguntar a si próprio se a mulher vermelha teria mentido de propósito. Estará ela a jogar o seu próprio jogo?

—   Faríeis bem em manter o lobo junto a vós, senhor.

—  O Fantasma raramente anda por longe. — O lobo gigante ergueu a cabeça ao ouvir o som do seu nome. Jon coçou-o atrás das orelhas. — Mas agora deveis desculpar-me. Fantasma, comigo.

Escavadas na base da Muralha e fechadas com pesadas portas de ma­deira, as celas de gelo iam de pequenas a mais pequenas. Algumas eram suficientemente grandes para permitir que um homem passeasse, outras eram tão pequenas que os prisioneiros eram forçados a ficar sentados; as mais pequenas eram demasiado exíguas até para isso.

Jon atribuíra ao seu cativo principal a cela maior, um balde onde cagar, peles suficientes para o impedir de gelar, e um odre de vinho. Os guardas precisaram de algum tempo para lhe abrir a cela, pois formara-se gelo dentro da fechadura. Dobradiças ferrugentas guincharam como almas danadas quando o Wick Palito abriu a porta o suficiente para que Jon a atravessasse. Foi saudado por um ténue odor a fezes, embora menos esma­gador do que esperara. Até a merda ficava gelada como pedra num frio tão intenso. Jon Snow conseguia ver o seu reflexo apagado dentro das paredes de gelo.

A um canto da cela, uma pilha de peles chegava quase à altura de um homem.

—   Karstark — disse Jon Snow. — Acordai.

As peles mexeram-se. Algumas tinham-se colado e o gelo que as cobria reluziu quando se mexeram. Emergiu um braço, depois uma cara; cabelo castanho, emaranhado, eriçado e manchado de cinzento, dois olhos ferozes, um nariz, uma boca, uma barba. Gelo cobria o bigode do prisionei­ro; bocados de ranho gelado.

—   Snow. — O hálito fumegava no ar, embaciando o gelo por trás da sua cabeça. — Não tendes o direito de me manter prisioneiro. As leis da hospitalidade...

—   Vós não sois meu hóspede. Viestes para a Muralha sem a minha licença, armado, para levardes a vossa sobrinha contra a sua vontade. A Senhora Alys foi dado pão e sal. Ela é uma hóspede. Vós sois um prisionei­ro. — Jon deixou aquilo no ar por um momento, depois disse: — A vossa sobrinha está casada.

Os lábios de Cragan Karstark afastaram-se dos seus dentes.

—  Alys foi-me prometida. — Embora tivesse mais de cinquenta anos, fora um homem forte quando entrara na cela. O frio roubara-lhe essa força, e deixara-o hirto e fraco. — O senhor meu pai...

—   O vosso pai é um castelão, não um senhor. E um castelão não tem o direito de fazer pactos de casamento.

—   O meu pai Arnolf é Senhor de Karhold.

—   Um filho tem prioridade sobre um tio, segundo todas as leis que eu conheço.

Cregan pôs-se em pé e afastou com um pontapé as peles que se lhe agarravam aos tornozelos.

—   Harrion está morto.

Ou estará em breve.

—   Uma filha também tem prioridade sobre um tio. Se o irmão está morto, Karhold pertence à Senhora Alys. E ela deu a mão em casamento a Sigorn, Magnar de Thenn.

—   Um selvagem. Um selvagem nojento e assassino. — As mãos de Cregan cerraram-se em punhos. As luvas que as cobriam eram de couro, forradas de pele para combinar com o manto que pendia amarrotado e hir­to dos ombros largos. O sobretudo de lã negra estava ornamentado com o esplendor branco da sua casa. — Eu vejo o que tu és, Snow. Meio lobo e meio selvagem, descendente ilegítimo de um traidor e de uma rameira. Tu eras homem para pôr uma donzela bem-nascida na cama de um selvagem malcheiroso. Provaste-a primeiro? — Riu-se. — Se pretendes matar-me, trata disso e fica amaldiçoado como assassino de parentes. Stark e Karstark são de um só sangue.

—   O meu nome é Snow.

—   Bastardo.

—   Culpado. Disso, pelo menos.

—  Esse Magnar que venha a Karhold. Cortamos-lhe a cabeça e enfia­mo-la numa latrina para podermos mijar-lhe para a boca.

—    Sigorn lidera duzentos Thenns — fez Jon notar — e a Senhora Alys crê que Karhold lhe abrirá os portões. Dois dos vossos homens já se puseram ao seu serviço, e confirmaram tudo o que ela tinha a dizer sobre os planos que o vosso pai fez com Ramsay Snow. Tendes familiares próximos em Karhold, segundo ouvi dizer. Uma palavra vossa podia salvar-lhes as vidas. Rendei o castelo. A Senhora Alys perdoará as mulheres que a traíram e permitirá que os homens vistam o negro.

Cregan abanou a cabeça. Bocados de gelo tinham-se-lhe formado entre os nós do cabelo e soltavam pequenos estalinhos quando ele se mexia.

—   Nunca — disse. — Nunca, nunca, nunca.

Devia fazer da cabeça dele presente de casamento para a Senhora Alys e o seu Magnar, pensou Jon, mas não se atrevia a correr esse risco. A Patru­lha da Noite não participava nas querelas do reino; alguns diriam que ele já dera a Stannis demasiada ajuda. Se decapitar este idiota, dirão que ando a matar nortenhos para entregar as suas terras a selvagens. Se o libertar, ele fará tudo o que puder para destruir o que fiz com a Senhora Alys e o Magnar. Jon perguntou a si próprio o que o pai faria, como o tio lidaria com aquilo. Mas Eddard Stark estava morto, Benjen Stark perdido nos ermos gelados para lá da Muralha. Não sabes nada, Jon Snow.

—    Nunca é muito tempo — disse Jon. — Talvez penseis de forma diferente amanhã, ou daqui a um ano. No entanto, mais tarde ou mais cedo o Rei Stannis regressará à Muralha. Quando o fizer, mandará matar-vos... a menos que calhe estardes a usar um manto negro. Quando um homem veste o negro, os seus crimes são limpos. — Mesmo um homem como tu. — Peço que me deis licença. Tenho um banquete a que estar presente.

Depois do frio mordente das celas de gelo, a adega cheia de gente estava tão quente que Jon se sentiu sufocado desde o momento em que desceu a escada. O ar cheirava a fumo, a carne a assar e a vinho com espe­ciarias. Axell Florent estava a fazer um brinde quando Jon ocupou o seu lugar no estrado.

—   Ao Rei Stannis e à sua esposa, a Rainha Selyse, Luz do Norte! — berrou Sor Axell. — A Rhllor, o Senhor da Luz, que ele nos defenda a to­dos! Uma terra, um deus, um rei!

—    Uma terra, um deus, um rei! — ecoaram os homens da rainha.

Jon bebeu com os outros. Não saberia dizer se Alys Karstark encon­traria alguma alegria no casamento, mas aquela noite, pelo menos, devia ser de celebração.

Os intendentes começaram a trazer o primeiro prato, um caldo de ce­bola a que bocados de cabra e cenoura davam sabor. Não era propriamente comida régia, mas era nutritiva; sabia suficientemente bem e aquecia a bar­riga. O Owen Idiota pegou na rabeca e vários dos membros do povo livre juntaram-se-lhe com flautas e tambores. As mesmas flautas e tambores que tocaram para desencadear o ataque de Mance Rayder contra a Muralha. Jon achava que agora soavam melhor. Com o caldo vinham fatias de pão preto grosseiro, ainda quente do forno. Havia sal e manteiga nas mesas. Vê-lo deixou Jon melancólico. Estavam bem abastecidos de sal, dissera-lhe Bowen Marsh, mas a manteiga acabar-se-ia dentro de uma volta de lua.

Ao Velho Flint e ao Norrey tinham sido dados lugares de grande hon­ra logo abaixo do estrado. Ambos os homens eram demasiado velhos para marcharem com Stannis; tinham enviado os filhos e os netos em seu lugar. Mas tinham sido bem rápidos a descer a Castelo Negro para o casamento. Cada um trouxera também uma ama-de-leite para a Muralha. A mulher Norrey tinha quarenta anos e os maiores seios que Jon vira na vida. A rapa­riga Flint tinha catorze e um peito liso como o de um rapaz, embora não lhe faltasse leite. Entre as duas, a criança a que Val chamava Monstro parecia estar a vicejar.