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—   Estão a posar e a marcar uma posição — dissera o seu nobre es­poso. — Um espetáculo, como dissestes. Eles que façam a sua pantomina. Quando se forem embora, transformaremos o que deixarem ficar em mer­cado de fruta.

—    Quando se forem embora — repetira Dany. — E quando é que eles se vão embora? Foram vistos cavaleiros para lá do Skahazadhan. Ba­tedores dothraki, segundo Rakharo, com um khalasar atrás. Deverão ter cativos. Homens, mulheres e crianças, presentes para os esclavagistas. — Os dothraki não compravam nem vendiam, mas davam presentes e recebiam-nos. — Foi para isso que os yunkaitas construíram o mercado. Sairão daqui com milhares de novos escravos.

Hozdahr zo Loraq encolhera os ombros.

—    Mas sairão. É essa a parte importante, meu amor. Yunkai nego­ciará com escravos, Meereen não, foi nisto que concordámos. Suportai isto durante mais um pouco, e passará.

E assim Daenerys ficara em silêncio durante a refeição, envolta num tokar vermelhão e em pensamentos negros, falando apenas quando lhe dirigiam a palavra, matutando nos homens e mulheres que estavam a ser comprados e vendidos fora das suas muralhas mesmo enquanto se banque­teavam no interior da cidade. O seu nobre esposo que fizesse os discursos e se risse dos débeis gracejos yunkaitas. Esse era o direito de um rei, e o dever de um rei.

Muitas das conversas em volta da mesa debruçavam-se sobre os combates que seriam travados no dia seguinte. Barsena Cabeloprcto ia en­frentar um javali, contrapondo as presas do animal ao seu punhal. Khrazz ia combater, e o Gato Malhado também. E no combate final do dia, Goghor, o Gigante, enfrentaria Belaquo Quebra-Ossos. Um deles estaria morto an­tes de o Sol se pôr. Nenhuma rainha tem as mãos limpas, disse Dany a si própria. Pensou em Doreah, em Quaro, em Eroeh... numa rapariguinha que nunca conhecera, cujo nome fora Hazzea. É melhor que morram alguns na arena do que milhares aos portões. Este é o preço da paz, pago-o de boa vontade. Se olhar para trás estou perdida.

O Supremo Comandante Yunkaita, Yurkhaz zo Yunzak, podia ter estado vivo durante a Conquista de Aegon, julgando pela sua aparência.

De costas tortas, cheio de rugas e desdentado, fora trazido para a mesa por dois robustos soldados. Os outros senhores yunkaitas pouco mais impres­sionantes eram. Um era pequeno e raquítico, embora os soldados escravos que o serviam fossem grotescamente altos e magros. O terceiro era jovem, mostrava-se em forma e elegante, mas estava tão bêbado que Dany dificil­mente entendia uma palavra do que dizia. Como posso ter sido trazida a esta situação por criaturas como estas?

Os mercenários eram outra coisa. Todas as quatro companhias livres ao serviço de Yunkai tinham enviado o seu comandante. Os Aventados eram representados pelo nobre pentoshi conhecido como Príncipe Esfar­rapado, as Longas Lanças por Gylo Rhegan, que se parecia mais com um sapateiro do que com um soldado e falava em murmúrios. O Barba San­grenta, da Companhia do Gato, fazia barulho suficiente por ele e por mais uma dúzia. Homem enorme, com um grande matagal na barba e um pro­digioso apetite por vinho e mulheres, berrava, arrotava, peidava-se como um trovão, e beliscava todas as criadas que surgiam ao seu alcance. De vez em quando puxava uma para o seu colo para lhe apertar os seios e a acari­ciar entre as pernas.

Os Segundos Filhos também estavam representados. Se Daarío esti­vesse aqui, esta refeição terminaria em sangue. Nenhuma paz prometida po­deria ter persuadido o seu capitão a permitir que o Ben Castanho Pulmm regressasse calmamente a Meereen e partisse vivo. Dany jurara que ne­nhum mal aconteceria aos sete emissários e comandantes, embora isso não tivesse sido suficiente para os yunkaitas. Estes tinham-lhe exigido também reféns. Para equilibrar os três nobres yunkaitas e quatro capitães mercená­rios, Meereen enviara sete dos seus para o acampamento sitiante: a irmã de Hizdahr, dois dos seus primos, o companheiro de sangue de Dany, Jhogo, o seu almirante Groleo, o capitão Imaculado Herói e Daario Naharis.

— Deixo as minhas meninas contigo — dissera o seu capitão, entregando-lhe o cinturão da espada e as libertinas douradas. — Mantém-nas a salvo por mim, amada. Não queremos que elas façam travessuras sangren­tas entre os yunkaitas.

O Tolarrapada também se encontrava ausente. A primeira coisa que Hizdahr fizera após ser coroado fora afastá-lo do comando dos Feras de Bronze, substituindo-o pelo seu primo, o rechonchudo e macilento Marghaz zo Loraq. É melhor assim. A Graça Verde diz que há sangue entre Loraq e Kandaq, e o Tolarrapada nunca fez segredo do seu desdém pelo senhor meu marido. E Daario...

Daario só se tornara mais incontrolável desde o casamento. A paz não lhe agradava, o casamento agradava-lhe menos ainda, e ficara furioso por ter sido enganado pelos dorneses. Quando o Príncipe Quentyn lhes dissera que os outros westerosianos se tinham passado para os Corvos Tor­mentosos às ordens do Príncipe Esfarrapado só a intervenção do Verme Cinzento impedira Daario de os matar a todos. Os falsos desertores tinham sido aprisionados em segurança nas profundezas da pirâmide... mas a ira de Daario continuara a ulcerar.

Ele estará mais seguro como refém. O meu capitão não foi feito para a paz. Dany não podia arriscar que ele abatesse o Ben Castanho Plumm, troçasse de Hizdahr perante a corte, provocasse os yunkaitas ou perturbas­se de outra forma o acordo que conquistara abrindo mão de tantas coisas. Daario era guerra e sofrimento. Dali em diante tinha de o manter fora da sua cama, fora do seu coração e fora de si. Se ele não a traísse, dominá-la-ia. Não sabia qual dessas alternativas mais temia.

Quando a glutonaria terminou e toda a comida semi-ingerida foi le­vada — para ser dada aos pobres que se tinham reunido lá em baixo, por insistência da rainha — copos altos de vidro foram enchidos com um licor condimentado vindo de Qarth, escuro como âmbar. De seguida tiveram início os divertimentos.

Uma trupe de castrati yunkaitas pertencentes a Yurkhaz zo Yunzak cantou-lhe canções na antiga língua do Velho Império, com vozes agudas, doces e impossivelmente puras.

—    Alguma vez ouvistes um canto assim, meu amor? — pergun­tou-lhe Hizdahr. — Têm as vozes de deuses, não têm?

—   Sim — disse ela — embora eu pergunte a mim própria se não pre­feririam ter os frutos de homens.

Todos os artistas eram escravos. Isso fora parte da paz, que aos donos de escravos fosse dado o direito de trazerem os servos para Meereen sem receio de os verem libertados. Em troca, os yunkaitas tinham concordado respeitar os direitos e liberdades dos antigos escravos que Dany libertara. Um acordo justo, dissera Hizdahr, mas o sabor que deixara na boca da rai­nha era mau. Bebeu outro copo de vinho para o afastar.

—   Se vos aprouver, não duvido de que Yurkhaz se sentirá feliz por nos oferecer os cantores — disse o seu nobre esposo. — Um presente para selar a nossa paz, um ornamento para a nossa corte.

Ele dar-nos-á aqueles castrati, pensou Dany, e depois marchará para casa e fará mais uns quantos. O mundo está cheio de rapazes.

Os acrobatas que se seguiram também não conseguiram tocá-la, nem mesmo quando formaram uma pirâmide humana com nove andares de altura, com uma rapariguinha nua no topo. Quererá aquilo representar a minha pirâmide?, perguntou a rainha a si própria. Pretender-se-á que a ra­pariga no topo seja eu?