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Depois, o senhor seu esposo levou os convidados para o terraço infe- rior, para que os visitantes da Cidade Amarela pudessem contemplar Me- ereen à noite. De copos de vinho nas mãos, os yunkaitas vaguearam pelo jardim em pequenos grupos, sob limoeiros e flores noturnas, e Dany deu por si cara a cara com o Ben Castanho Plumm.

Ele fez uma profunda vénia.

—   Reverência. Estais adorável. Bem, sempre estivestes. Nenhum da­queles yunkaitas tem metade da vossa beleza. Pensei trazer-vos um pre­sente de casamento, mas os lances subiram demasiado para o velho Ben Castanho.

—  Não quero presentes teus.

—   Este talvez quisésseis. A cabeça de um velho inimigo.

—  A tua? — disse ela com doçura. — Traíste-me.

—  Ora aí está uma maneira desagradável de pôr as coisas, se permitis que o diga. — O Ben Castanho coçou as suíças malhadas de cinzento e branco. — Nós passámo-nos para o lado vencedor, nada mais. Tal como fizemos antes. E não fui só eu. Perguntei aos meus homens o que fazer.

—   Então foram eles que me traíram, é isso o que estás a dizer? Por­quê? Terei maltratado os Segundos Filhos? Enganei-vos nos pagamentos?

—   Isso nunca — disse o Ben Castanho — mas nem tudo é dinheiro, Vossa Poderosa Alteza. Aprendi isso há muito tempo, na minha primeira batalha. Na manhã depois do combate, estava eu a esgravatar entre os mor­tos, à procura duma ou doutra coisinha para saquear. Encontrei um cadáver, um machado qualquer tinha-lhe cortado o braço inteirinho pelo ombro. estava coberto de moscas, todo cheio de sangue seco, se calhar foi por isso que ninguém mais lhe tinha tocado, mas por baixo das moscas usava um justilho tachonado, parecia ser de bom couro. Achei que era capaz de me servir bem, de modo que enxotei as moscas e arranquei-lhe aquilo do cor­po. Mas a maldita coisa era mais pesada do que tinha o direito de ser. De­baixo do forro tinha cosida uma fortuna em dinheiro. Ouro, Reverência, belo ouro amarelo. Suficiente para qualquer homem viver como um senhor pró resto dos seus dias. Mas de que lhe serviu? Ali estava ele com todo o seu dinheiro, a jazer no sangue e na lama com a merda do braço cortado. E a lição é essa, vedes? A prata é uma doçura e o ouro é a nossa mãe, mas depois de estarmos mortos valemos menos do que aquela última cagada que fazemos ao morrer. Eu disse-vos uma vez que há mercenários velhos e mercenários ousados, mas não há mercenários velhos e ousados. Os meus rapazes não quiseram morrer, nada mais, e quando lhes disse que não po­díeis soltar aqueles dragões contra os yunkaitas, bom...

Viste-me como derrotada, pensou Dany, e quem sou eu para dizer que te enganavas?

—  Compreendo. — Podia ter acabado por ali, mas estava curiosa. —

Ouro suficiente para viver como um senhor, disseste tu. Que fizeste com toda essa riqueza?

O Ben Castanho riu-se.

—   Como rapaz tolo que era, contei a um homem que julgava meu amigo, e ele contou ao nosso sargento, e os meus irmãos-de-armas che­garam e aliviaram-me desse fardo. O sargento disse que eu era novo de­mais, que só o ia desperdiçar todo em rameiras e coisas do género. Mas deixou-me ficar com o justilho. — Escarrou. — Não quereis nunca confiar num mercenário, senhora.

—  Já aprendi isso. Um dia tenho de não me esquecer de te agradecer pela lição.

Os olhos do Ben Castanho enrugaram-se.

—   Não há necessidade. Eu sei que tipo de agradecimento tendes em mente. — Fez outra vénia e afastou-se.

Dany virou-se para fitar a sua cidade. Para lá das muralhas, as ten­das amarelas dos yunkaitas erguiam-se em fileiras ordenadas junto ao mar, protegidas pelas valas que os seus escravos tinham escavado. Duas legiões de ferro de Nova Chis, treinadas e armadas de forma semelhante aos Ima­culados, estavam acampadas do outro lado do rio, a norte. Outras duas le­giões ghiscariotas tinham erguido acampamento a leste, estrangulando a estrada para o passo de Khyzai. As linhas de cavalos e as fogueiras para co­zinhar das companhias livres estavam a sul. De dia, finas colunas de fumo erguiam-se para o céu como irregulares fitas cinzentas. De noite viam-se fogueiras distantes. Mesmo junto à baía encontrava-se a abominação, o mercado de escravos à sua porta. Não o conseguia ver agora, com o Sol posto, mas sabia que estava lá. Isso só a deixava mais zangada.

—   Sor Barristan? — disse em voz baixa.

O cavaleiro branco apareceu de imediato.

—   Vossa Graça.

—  O que ouvistes?

—   O suficiente. Ele não estava errado. Nunca confieis num merce­nário.

Ou numa rainha, pensou Dany.

—   Haverá algum homem nos Segundos Filhos que possa ser persua­dido a... afastar... o Ben Castanho?

—   Como Daario Naharis afastou os outros capitães dos Corvos Tor­mentosos? — O velho cavaleiro fez uma expressão de desconforto. — Tal­vez. Eu não o saberia, Vossa Graça.

Pois não, pensou, és demasiado honesto e honrado.

—   Se não houver, os yunkaitas empregam outras três companhias.

—                        Patifes e assassinos, escumalha de uma centena de campos de batalha — avisou Sor Barristan — com capitães precisamente tão traiçoeiros como o Plumm.

—   Eu sou só uma rapariguinha e pouco sei dessas coisas, mas pa­rece-me que queremos que eles sejam traiçoeiros. Um dia, se bem vos lembrais, convenci os Segundos Filhos e os Corvos Tormentosos a junta- rem-se-nos.

—   Se Vossa Graça desejar uma conversa privada com Gylo Rhegan ou com o Príncipe Esfarrapado, posso trazê-los aos vossos aposentos.

—  Este não é o momento. Demasiados olhos, demasiados ouvidos. A sua ausência não passaria despercebida, mesmo se conseguísseis afastá-los discretamente dos yunkaitas. Temos de arranjar alguma forma mais discre­ta de os contactar... esta noite não, mas em breve.

—   Às vossas ordens. Se bem que tema que esta não seja tarefa para a qual eu seja adequado. Em Porto Real trabalho deste género era deixado para o Lorde Mindinho ou para a Aranha. Nós, os velhos cavaleiros, somos homens simples, que só prestam para o combate. — Deu uma palmada no cabo da espada.

—   Os nossos prisioneiros — sugeriu Dany. — Os westerosianos que se passaram dos Aventados com os três dorneses. Ainda os temos em celas, não temos? Usai-os.

—   Falais em libertá-los? Será isso sensato? Foram enviados para cá a fim de ganhar a vossa confiança para poderem trair Vossa Graça à primeira oportunidade.

—   Então falharam. Não confio neles. Nunca confiarei neles. — Em boa verdade, Dany estava a esquecer-se de como se confiava. — Mesmo as­sim podemos usá-los. Um era uma mulher. Meris. Enviai-a de volta, como um... um sinal da minha consideração. Se o seu capitão for esperto, com­preenderá.

—   A mulher é a pior de todos.

—  Tanto melhor. — Dany refletiu por um momento. — Também de­víamos sondar as Longas Lanças. E a Companhia do Gato.

—   Barba Sangrenta. — A testa de Sor Barristan franziu-se mais. — Se aprouver a Vossa Graça, não queremos contactos com ele. Vossa Graça é demasiado jovem para se lembrar dos Reis dos Nove Dinheiros, mas este Barba Sangrenta foi cortado do mesmo pano selvagem. Não há honra nele, só sede... de ouro, de glória, de sangue.

—   Sabeis mais sobre tais homens do que eu, sor. — Se o Barba San­grenta fosse realmente o mais desonrado e ganancioso dos mercenários, podia ser o mais fácil de desencaminhar, mas relutava em ir contra os con­selhos de Sor Barristan em tais assuntos. — Fazei o que achardes melhor. Mas fazei-o depressa. Se a paz de Hizdahr for quebrada, quero estar pronta.

Não confio nos esclavagistas. — Não confio no meu marido. — Virar-se-ão contra nós ao primeiro sinal de fraqueza.

—   Os yunkaitas também se vão tornando mais fracos. A fluxão san­grenta instalou-se entre os tolosinos, segundo se diz, e espalhou-se para a outra margem do rio, até à terceira legião ghiscariota.