Enquanto Jhiqui escovava o cabelo de Dany e Irri pintava as unhas da rainha, tagarelaram com alegria sobre os combates do dia. Missandei reapareceu.
— Vossa Graça. O rei pede que se lhe junteis quando estiverdes vestida. E o Príncipe Quentyn chegou com os seus homens de Dorne. Suplicam uma conversa, se vos aprouver.
Pouco neste dia me aprazará.
— Noutro dia qualquer.
Na base da Grande Pirâmide, Sor Barristan aguardava-os ao lado de um ornamentado palanquim aberto, rodeado por Feras de Bronze. Sor Avô, pensou Dany. Apesar da idade parecia alto e bonito na armadura que lhe dera.
— Ficaria mais contente se hoje tivésseis guardas Imaculados à vossa volta, Vossa Graça — disse o velho cavaleiro, enquanto Hizdahr ia cumprimentar o primo. — Metade destes Feras de Bronze são libertos não postos à prova. — E a outra metade são meereeneses de duvidosa lealdade, deixou ele por dizer. Selmy desconfiava de todos os meereeneses, mesmo dos tolarrapadas.
— E assim permanecerão, a menos que os ponhamos à prova.
— Uma máscara pode esconder muitas coisas, Vossa Graça. Será o homem por trás da máscara da coruja a mesma coruja que vos guardou ontem e no dia anterior? Como podemos saber?
— Como poderá Meereen confiar nos Feras de Bronze se eu não confio? Há bons homens valentes por baixo daquelas máscaras. Ponho a vida nas mãos deles. — Dany sorriu-lhe. — Preocupais-vos demasiado, sor. Ter-vos-ei a meu lado, de que outra proteção necessito?
— Eu sou um velho, Vossa Graça.
— Belwas, o Forte, também estará comigo.
— É como dizeis. — Sor Barristan baixou a voz. — Vossa Graça. Libertámos a mulher Meris, conforme ordenastes. Antes de se ir embora pediu para falar convosco. Em vez disso, encontrei-me eu com ela. Afirma que aquele Príncipe Esfarrapado pretendia desde o início passar os Aventados para a vossa causa. Que a enviou cá para negociar convosco em segredo, mas os dorneses desmascararam-nos e traíram-nos antes de ela ter oportunidade de nos abordar.
Traições sobre traições, pensou a rainha, fatigada. Não haverá fim para
elas?
— Até que ponto acreditais nisso, sor?
— Menos que pouco, Vossa Graça, mas foram estas as palavras dela.
— Eles passar-se-ão para o nosso lado, se for necessário?
— Ela diz que sim. Mas por um preço.
— Pagai-o. — Meereen precisava de ferro, não de ouro.
— O Príncipe Esfarrapado vai querer mais do que moedas, Vossa Graça. Meris diz que ele quer Pentos.
— Pentos? — Os olhos de Dany estreitaram-se. — Como é que lhe posso dar Pentos? Está a meio mundo de distância.
— A mulher Meris sugeriu que ele estará disposto a esperar. Até nos pormos em marcha para Westeros.
Eseeu nunca marchar para Westeros?
— Pentos pertence aos pentoshi. E o Magíster Illyrio está em Pentos. Aquele que combinou o meu casamento com Khal Drogo e me deu os ovos de dragão. Aquele que me enviou vós, Belwas e Groleo. Devo-lhe mais que muito. Não pagarei essa dívida entregando a sua cidade a um mercenário qualquer. Não.
Sor Barristan inclinou a cabeça.
— Vossa Graça é sensata.
— Alguma vez vistes dia tão auspicioso, meu amor? — comentou Hizdahr zo Loraq, quando Dany se juntou a ele. Ajudou-a a subir para o palanquim, onde dois grandes tronos se encontravam lado a lado.
— Auspicioso para vós, talvez. Menos para aqueles que terão de morrer antes de o Sol se pôr.
— Todos os homens têm de morrer — disse Hizdahr — mas nem todos podem morrer em glória, com as aclamações da cidade a ressoar-lhes aos ouvidos. — Ergueu uma mão para os soldados junto às portas. — Abri.
A praça que se estendia em frente da sua pirâmide era pavimentada de tijolos de muitas cores, e o calor erguia-se dela em ondas tremeluzentes. Pessoas formigavam por todo o lado. Algumas seguiam sentadas em liteiras, algumas montadas em burros, muitas circulavam a pé. Nove em cada dez deslocavam-se para oeste, ao longo da larga estrada de tijolo que levava à Arena de Daznak. Quando viram o palanquim que emergia da pirâmide, uma aclamação ergueu-se de entre os mais próximos e espalhou-se pela praça. Que estranho, pensou Dany. Aclamam-me na mesma praça onde eu um dia empalei cento e sessenta e três Grandes Mestres.
Um grande tambor liderava a comitiva real, para lhe abrir caminho pelas ruas. Entre cada batida, um arauto tolarrapada com um camisão de discos de cobre polidos gritava à multidão para abrir caminho.
— Eles vêm! — BUUM. — Abram alas! — BUUM. — A rainha! — BUUM. — O rei! — BUUM. Atrás do tambor marchavam Feras de Bronze em filas de quatro. Alguns traziam cacetes, outros bordões; todos usavam saias plissadas, sandálias de couro e mantos feitos com quadrados de muitas cores, para refletir os tijolos multicoloridos de Meereen. As suas máscaras reluziam ao sol; javalis e touros, falcões e garças, leões, tigres e ursos, serpentes de línguas bifurcadas e hediondos basiliscos.
Belwas, o Forte, que não nutria qualquer amizade por cavalos, caminhava à frente deles com o seu colete tachonado, fazendo a cada passo abanar a barriga coberta de cicatrizes. Irri e Jhiqui seguiam a cavalo, com Aggo e Rakharo, depois Reznak numa liteira ornamentada com um toldo para manter o sol afastado da cabeça. Sor Barristan Selmy seguia a cavalo ao lado de Dany, com a armadura a relampejar ao sol. Um longo manto fluía dos seus ombros, branco como osso. No braço esquerdo levava um grande escudo branco. Um pouco mais para trás seguia Quentyn Martell, o príncipe dornês, com os dois companheiros.
A coluna foi avançando lentamente pela longa rua de tijolo.
— Eles vêm! — BUUM. — A nossa rainha! O nosso rei! — BUUM — Abram alas! — BUUM.
Dany conseguia ouvir as aias a discutir atrás dela, debatendo quem iria vencer o último combate do dia. Jhiqui favorecia o gigantesco Goghor, que parecia mais touro do que homem, mesmo ao ponto de usar uma argola de bronze no nariz. Irri insistia que o mangual de Belaquo Quebra-Ossos seria a perdição do gigante. As minhas aias são dothraki, disse a si própria. A morte acompanha todos os khalasares. No dia em que casara com Khal Drogo, os arakhs tinham relampejado no seu banquete de casamento, e homens tinham morrido enquanto outros bebiam e acasalavam. A vida e a morte seguiam de mãos dadas entre os senhores dos cavalos, e pensava-se que uns borrifos de sangue abençoavam um casamento. O seu novo casamento ficaria em breve ensopado de sangue. Como seria abençoado!
BUUM, BUUM, BUUM, BUUM, BUUM, BUUM, soou o tambor, mais depressa do que antes, de súbito zangado e impaciente. Sor Barristan puxou pela espada quando a coluna fez uma paragem abrupta entre a pirâmide rosada e branca de Pahl e a verde e negra de Naqqan.
Dany virou-se.
— Porque parámos?
Hizdahr pôs-se em pé.
— O caminho está bloqueado.
Um palanquim estava virado de viés no seu caminho. Um dos carregadores caíra nos tijolos, derrubado pelo calor.
— Ajudai aquele homem — ordenou Dany. — Tirai-o da rua antes que seja espezinhado e dai-lhe comida e água. Tem ar de quem não come há quinze dias.