Выбрать главу

Sor Barristan olhou inquieto para a esquerda e para a direita. Viam-se caras ghiscariotas nos terraços, olhando para baixo com olhos frios e anti­páticos.

—   Vossa Graça, não gosto desta paragem. Isto pode ser alguma ar­madilha. Os Filhos da Harpia...

—    ... foram domados — declarou Hizdahr zo Loraq. — Porque ha­veriam de tentar fazer mal à minha rainha, quando ela me tomou como seu rei e consorte? E agora ajudai aquele homem, como a minha querida rainha ordenou. — Pegou na mão de Dany e sorriu.

Os Feras de Bronze fizeram o que lhes fora pedido. Dany observou-os a trabalhar.

—   Aqueles carregadores eram escravos antes de eu chegar. Tornei-os livres. Mas aquele palanquim não é mais leve do que era dantes.

—                       É verdade — disse Hizdahr — mas agora aqueles homens são pa­gos para carregar o seu peso. Antes de chegardes, aquele homem que caiu teria um capataz em cima a arrancar-lhe a pele das costas com um chicote. Em vez disso, está a ser-lhe prestada ajuda.

Era verdade. Uma Fera de Bronze com uma máscara de javali ofere­cera ao carregador da liteira um odre de água.

—   Suponho que tenho de me sentir grata pelas pequenas vitórias — disse a rainha.

—   Um passo primeiro e outro depois, e depressa estaremos a correr. Juntos criaremos uma nova Meereen. — A rua, em frente, fora finalmente desimpedida. — Continuamos?

Que podia ela fazer além de anuir? Um passo primeiro e outro depois, mas para onde estou a ir?

Aos portões da Arena de Daznak dois enormes guerreiros de bronze estavam enclavinhados num combate mortal. Um brandia uma espada, o outro um machado; o escultor retratara-os no ato de se matarem um ao outro, formando com as suas lâminas e corpos uma arcada.

A arte mortal, pensou Dany.

Vira as arenas de combate muitas vezes do seu terraço. As peque­nas pintalgavam o rosto de Meereen como marcas de bexigas; as maiores eram chagas infetadas, rubras e em carne viva. Mas nenhuma se comparava com aquela. Belwas, o Forte, e Sor Barristan puseram-se de ambos os lados quando ela e o senhor seu esposo passaram sob as estátuas de bronze, para irem sair no topo de uma grande bacia de tijolo, rodeada por fileiras des­cendentes de bancos, todas de cores diferentes.

Hizdahr zo Loraq levou-a para baixo, através de negro, púrpura, azul, verde, branco, amarelo e laranja, até ao vermelho, onde os tijolos escarlates tomavam a cor das areias lá em baixo. À volta deles, vendedores vendiam salsichas de cão, cebolas assadas e tetos de cachorro espetados num pau, mas Dany não tinha necessidade de tais coisas. Hizdahr abastecera o cama­rote de ambos com jarros de vinho e água-doce gelados, com figos, tâma­ras, melões e romãs, e nozes, pimentos e uma grande tigela de gafanhotos em mel. Belwas, o Forte, berrou:

—   Gafanhotos! — quando se apoderou da tigela se pôs a esmagá-los às mancheias.

—   Os gafanhotos estão muito saborosos — aconselhou Hizdahr. — Devíeis provar alguns, meu amor. São rolados em especiarias antes do mel, de modo que são ao mesmo tempo doces e picantes.

—    Isso explica o modo como Belwas está a suar — disse Dany. — Acho que me vou contentar com figos e tâmaras.

Do outro lado da arena, as Graças encontravam-se sentadas, vestidas com leves vestes de muitas cores, aglomeradas em torno da austera silhueta de Galazza Galare, a qual era a única entre elas que usava o verde. Os Gran­des Mestres de Meereen ocupavam os bancos vermelhos e os cor-de-laran- ja. As mulheres estavam veladas, e os homens tinham escovado e lacado os cabelos formando cornos, mãos e espigões. A família de Hizdahr, da antiga linhagem de Loraq, parecia preferir tokars de púrpura, índigo e lilás, en­quanto aqueles de Pahl eram listados de rosa e branco. Os emissários de Yunkai estavam todos de amarelo, e enchiam o camarote ao lado do do rei, cada um com os seus escravos e criados. Meereeneses de nascimento menos nobre enchiam as fileiras superiores, mais distantes da carnificina. Os bancos negros e purpúreos, mais altos e mais distantes da areia, estavam repletos de libertos e de outros plebeus. Daenerys viu que os mercenários também tinham sido colocados lá em cima, e os seus capitães sentavam-se entre os soldados comuns. Vislumbrou a cara estragada do Ben Castanho e as fogosas suíças e longas tranças do Barba Sangrenta.

O senhor seu esposo pôs-se em pé e ergueu as mãos.

—   Grandes Mestres! A minha rainha veio neste dia mostrar o amor que nutre por vós, o seu povo. Por sua mercê e com a sua licença ofereço-vos agora a vossa arte mortal. Meereen! Que a Rainha Daenerys ouça o vosso amor!

Dez mil gargantas rugiram os seus agradecimentos; depois vinte mil; depois todas. Não gritaram o seu nome, o qual poucos conseguiam pro­nunciar. "Mãe!" gritaram em vez disso; na velha e morta língua de Ghis, a palavra era Mhysa. Bateram os pés e deram palmadas nas barrigas e grita­ram "Mhysa, Mhysa, Mhysa," até que toda a arena pareceu tremer. Dany deixou que o som a cobrisse. Eu não sou a vossa mãe, podia ter gritado em resposta, sou a mãe dos vossos escravos, de todos os rapazes que morreram nestas areias enquanto vos empanturráveis de gafanhotos com mel. Atrás dela, Reznak aproximou-se para lhe sussurrar ao ouvido:

—   Magnificência, escutai como vos amam!

Não, sabia Dany, eles amam a sua arte mortal. Quando as aclamações começaram a acalmar, permitiu-se sentar-se. O seu camarote estava à som­bra, mas sentia a cabeça a latejar.

—   Jhiqui — chamou — água-doce, por favor. Tenho a garganta mui­to seca.

—Khrazz terá a honra da primeira matança do dia—disse-lhe Hizdahr. — Nunca houve melhor lutador.

—   Belwas, o Forte, era melhor — insistiu Belwas, o Forte.

Khorazz era meereenês, de nascimento nobre; um homem alto com

um pincel de cabelo negro arruivado a descer-lhe pelo centro da cabeça. O adversário era um lanceiro de pele de ébano proveniente das Ilhas do Verão, cujas estocadas mantiveram Khrazz à distância durante algum tempo, mas depois de o meereenês ter penetrado na defesa da lança só se seguiu carni­ficina. Depois de terminar, Khrazz arrancou o coração ao negro, ergueu-o acima da cabeça, rubro e a pingar, e deu-lhe uma dentada.

—   Khrazz acredita que os corações dos homens corajosos o tornam mais forte — disse Hizdahr. Jhiqui murmurou a sua aprovação. Dany co­mera em tempos um coração de garanhão para dar forças ao seu filho por nascer... mas isso não salvara Rhaego quando a maegi o assassinara no seu ventre. Três traições conhecerás. Ela foi a primeira, Jorah o segundo, o Ben Castanho Plumm o terceiro. Ter-se-lhe-iam acabado as traições?

—   Ah — disse Hizdahr, contente. — Agora é o Gato Malhado. Vede como ele se mexe, minha rainha. Um poema sobre dois pés.

O adversário que Hizdahr arranjara para o poema andante era tão alto como Goghor e tão largo como Belwas, mas lento. Estavam a lutar a dois metros do camarote de Dany quando o Gato Malhado o jarreteou. Quando o homem caiu de joelhos, o Gato pôs-lhe um pé nas costas e uma mão em volta da cabeça e abriu-lhe a garganta de orelha a orelha. As areias vermelhas beberam-lhe o sangue, o vento as últimas palavras. A multidão gritou a sua aprovação.

—   Mal lutado, bem morrido — disse Belwas, o Forte. — Belwas, o Forte, detesta quando eles gritam. — Acabara com todos os gafanhotos com mel. Soltou um arroto e bebeu um trago de vinho.

Pálidos qartenos, negros ilhéus do Verão, dothraki de peles acobre­adas, tyroshi com barbas azuis, homens-ovelhas, Jogos Nhai, carrancudos bravosianos, semi-homens de pele malhada das selvas de Sothoros — vi­nham dos fins do mundo morrer na Arena de Daznak.