— Este mostra grande promessa, minha querida — disse Hizdahr referindo-se a um jovem liseno com um longo cabelo louro que flutuava ao vento... mas o seu adversário agarrou uma mancheia desse cabelo, desequilibrou o rapaz e esventrou-o. Na morte, pareceu ainda mais novo do que parecera de espada na mão.
— Um rapaz — disse Dany. — Ele não passava de um rapaz.
— Dezasseis anos — insistiu Hizdahr. — Um homem feito, que veio livremente arriscar a vida por ouro e glória. Nenhuma criança morrerá hoje na Arena de Daznak, conforme a minha gentil rainha na sua sabedoria decretou.
Outra pequena vitória. Talvez não possa tornar o meu povo bom, disse a si própria, mas devia pelo menos tentar torná-lo um pouco menos mau. Daenerys teria também proibido combates entre mulheres, mas Barsena Cabelopreto protestou que tinha tanto direito de arriscar a vida como qualquer homem. A rainha também desejara proibir as farsas, combates cómicos em que aleijados, anões e velhas caíam uns sobre os outros com mocas, archotes e martelos (pensava-se que quanto mais ineptos fossem os combatentes, mais engraçada era a farsa), mas Hizdahr dissera que o seu povo a amaria mais se ela risse com ele, e argumentara que, sem tais divertimentos, os aleijados, anões e velhas passariam fome. Portanto Dany cedera.
Fora costume sentenciar criminosos às arenas; concordara que essa prática fosse reatada, mas só para certos crimes.
— Assassinos e violadores podem ser forçados a combater, e todos aqueles que persistam em ter escravos também, mas ladrões ou devedores não.
Animais ainda eram permitidos, contudo. Dany viu um elefante a exterminar uma alcateia de seis lobos vermelhos. De seguida, um touro foi emparelhado com um urso numa batalha sangrenta que deixou ambos os animais feridos e moribundos.
— A carne não é desperdiçada — disse Hizdahr. — Os carniceiros usam as carcaças para fazer um saudável estufado para os famintos. Qualquer homem que se apresente nos Portões do Destino pode comer uma tigela.
— Uma boa lei — disse Dany. Tendes tão poucas. — Temos de nos assegurar de que esta tradição perdura.
Após os combates entre animais veio uma batalha fingida, opondo seis homens a pé a seis cavaleiros, os primeiros armados de escudos e espadas longas, os segundos com arakhs dothraki. Os falsos cavaleiros traziam lorigões de cota de malha, enquanto os falsos dothraki não usavam qualquer armadura. A princípio, os cavaleiros pareceram deter vantagem, atropelando dois dos adversários e cortando a orelha a um terceiro, mas depois os cavaleiros sobreviventes começaram a atacar os cavalos e, um por um, os cavaleiros foram desmontados e mortos, para grande consternação de Jhiqui.
— Aquilo não era um verdadeiro khalasar— disse.
— Aquelas carcaças não se destinam ao vosso saudável estufado, espero eu — disse Dany, enquanto os mortos eram levados.
— Os cavalos, sim — disse Hizdahr. — Os homens, não.
— Carne de cavalo e cebolas deixam-vos fortes — disse Belwas.
A batalha foi seguida pela primeira farsa do dia, uma justa entre um par de anões, apresentada por um dos senhores yunkaitas que Hizdahr convidara para os jogos. Um montava um cão, o outro uma porca. As suas armaduras de madeira tinham sido pintadas de fresco, de modo que um mostrava o veado do usurpador Robert Baratheon, o outro o leão dourado da Casa Lannister. Aquilo era claramente para seu proveito. As palhaçadas depressa puseram Belwas a roncar gargalhadas, embora o sorriso de Dany fosse débil e forçado. Quando o anão de vermelho caiu da sela e se pôs a perseguir a porca pela areia fora, enquanto o anão no cão galopava atrás dele massacrando-lhe as nádegas com uma espada de madeira, disse:
— Isto é simpático e pateta, mas...
— Tende paciência, doçura — disse Hizdahr. — Eles estão prestes a soltar os leões.
Daenerys deitou-lhe um olhar confuso.
— Leões?
— Três. Os anões não os esperam.
Dany franziu o sobrolho.
— Os anões têm espadas de madeira. Armaduras de madeira. Como esperais que combatam leões?
— Mal — disse Hizdahr — se bem que talvez nos surpreendam. O mais provável é desatarem aos guinchos e a correr por aí e a tentar trepar para fora da arena. É o que transforma isto numa farsa.
Dany não estava contente.
— Proíbo-o.
— Gentil rainha. Não quereis desapontar o vosso povo.
— Jurastes-me que os combatentes seriam homens feitos que consentiram livremente arriscar as vidas por ouro e pela honra. Estes anões não consentiram combater leões com espadas de madeira. Ireis impedi-lo. Já.
A boca do rei apertou-se. Por um segundo, Dany julgou ver um clarão de ira naqueles olhos plácidos.
— Às vossas ordens. — Hizdahr chamou com um gesto o mestre da arena. — Nada de leões — disse, quando o homem se aproximou a trote, de chicote na mão.
— Nem um, Magnificência? Onde está a piada nisso?
— A minha rainha falou. Os anões não serão magoados.
— O público não vai gostar.
— Então faz entrar Barsena. Isso deve apaziguá-lo.
— Vossa Senhoria é que sabe. — O mestre da arena fez estalar o chicote e gritou ordens. Os anões foram pastoreados para fora, com porca, cão e tudo, enquanto os espetadores silvavam a sua desaprovação e faziam chover sobre eles pedras e fruta podre.
Um rugido soou quando Barsena Cabelonegro caminhou pela areia a passos largos, nua à exceção de uma tanga e um par de sandálias. Alta e escura, com cerca de trinta anos, movia-se com a elegância feroz de uma pantera.
— Barsena é muito estimada — disse Hizdahr, enquanto o som aumentava para encher a arena. — A mulher mais corajosa que eu já vi.
Belwas, o Forte, disse:
— Combater raparigas não é lá muito corajoso. Combater Belwas, o Forte, seria corajoso.
— Ela hoje combate um javali — disse Hizdahr.
Pois, pensou Dany, porque não conseguiste encontrar uma mulher para a enfrentar, por mais gorda que fosse a bolsa.
— E não será com uma espada de madeira, ao que parece.
O javali era um animal enorme, com presas tão longas como o antebraço de um homem e pequenos olhos que nadavam em raiva. Perguntou a si própria se o javali que matara Robert Baratheon teria parecido assim tão feroz. Uma criatura terrível, e uma morte terrível. Durante um segundo quase sentiu pena do Usurpador.
— Barsena é muito rápida — disse Reznak. — Vai dançar com o javali, Magnificência, e golpeá-lo quando ele passar perto dela. O animal ficará lavado em sangue antes de cair, vereis.
O combate começou precisamente como ele dissera. O javali arremeteu, Barsena girou para o lado, a sua lâmina relampejou prateada ao sol.
— Precisa de uma lança — disse Sor Barristan, quando Barsena saltou por cima da segunda arremetida do animal. — Aquilo não é maneira de lutar com um javali. — Soava como o avô rabugento de alguém, tal como Daario não se cansava de dizer.
A lâmina de Barsena estava a ficar vermelha, mas o javali depressa parou. Ele é mais inteligente do que um touro, compreendeu Dany. Não voltará a arremeter. Barsena chegara à mesma conclusão. Gritando, aproximou-se mais do javali, atirando a faca de mão em mão. Quando o animal recuou, praguejou e lançou-lhe um golpe ao focinho, tentando provocá-lo... e tendo sucesso. Daquela vez o seu salto chegou um instante tarde demais, e uma presa rasgou-lhe a perna do joelho à virilha.
Um gemido ergueu-se de trinta mil gargantas. Agarrando-se à perna dilacerada, Barsena deixou cair a faca e tentou afastar-se a coxear, mas antes de andar meio metro o javali caiu de novo sobre ela. Dany virou a cara.