Выбрать главу

—    Aquilo foi suficientemente corajoso? — perguntou a Belwas, o Forte, enquanto um grito ressoava pela areia.

—   Lutar com porcos é corajoso, mas não é corajoso gritar tão alto. Magoa Belwas, o Forte, nos ouvidos. — O eunuco esfregou o estômago inchado, coberto de velhas cicatrizes brancas entrelaçadas. — E também deixa Belwas, o Forte, doente da barriga.

O javali enterrou o focinho na barriga de Barsena e pôs-se a fossar nas suas entranhas. O cheiro foi mais do que a rainha podia aguentar. O calor, as moscas, os gritos da multidão... não consigo respirar. Ergueu o véu e deixou que flutuasse para longe. Também despiu o tokar. As pérolas cho­calharam baixinho umas nas outras enquanto desenrolava a seda.

—   Khaleesi? — perguntou Irri. — Que estais a fazer?

—    Estou a tirar as orelhas de abano. — Uma dúzia de homens com lanças para javalis entraram a trote na areia, a fim de afastar o javali do ca­dáver e de o levar de regresso ao seu cercado. O mestre da arena estava com eles, com um longo chicote farpado na mão. Quando o fez estalar contra o javali, a rainha levantou-se. — Sor Barristan, levais-me em segurança de volta ao meu jardim?

Hizdahr pareceu confuso.

—  Ainda há mais coisas. Uma farsa, seis velhas, e mais três combates. Belaquo e Goghor!

—   Belaquo vencerá — declarou Irri. — É sabido.

—   Não é sabido — disse Jhiqui. — Belaquo morrerá.

—   Ou morrerá um, ou o outro — disse Dany. — E aquele que sobre­viver morrerá noutro dia qualquer. Isto foi um erro.

—   Belwas, o Forte, comeu demasiados gafanhotos. — Havia uma ex­pressão nauseada na larga cara de Belwas. — Belwas, o Forte, precisa de leite.

Hizdahr ignorou o eunuco.

—    Magnificência, o povo de Meereen veio celebrar a nossa união. Ouviste-los a aclamar-vos. Não deiteis fora o seu amor.

—   O que eles aclamaram foram as minhas orelhas de abano, não a mim. Levai-me deste matadouro, marido. — Ouvia o javali a resfolegar, os gritos dos lanceiros, o estalar do chicote do mestre de arena.

—   Querida senhora, não. Ficai só um pouco mais. Para a farsa e um último combate. Fechai os olhos, ninguém verá. Estarão a ver Belaquo e Ghogor. Isto não é altura para...

Uma sombra passou-lhe a ondular pela cara.

O tumulto e os gritos morreram. Dez mil vozes silenciaram-se. Todos os olhos se viraram para o céu. Um vento quente roçou no rosto de Dany, e por cima do bater do seu coração ouviu o som de asas. Dois lanceiros precipitaram-se em busca de abrigo. O mestre da arena ficou gelado onde se encontrava. O javali regressou a Barsena, a fungar. Belwas, o Forte, soltou um gemido, desequilibrou-se de onde estava sentado e caiu de joelhos.

Por cima de todos, o dragão descreveu uma curva, escuro contra o céu. As suas escamas eram negras, os olhos, os cornos e as placas espinhais de um vermelho sanguíneo. Sempre o maior dos três, em liberdade Drogon tornara-se ainda maior. As suas asas estendiam-se seis metros de ponta a ponta, negras como azeviche. Bateu-as uma vez ao dar a volta sobre as areias, e o som foi como um trovão. O javali ergueu a cabeça, resfolegan­do. .. e chamas engoliram-no, fogo negro riscado de vermelho. Dany sentiu a onda de calor a dez metros de distância. O grito de morte do animal pa­receu quase humano. Drogon aterrou sobre a carcaça e enterrou as garras na carne fumegante. Quando começou a alimentar-se, não fez qualquer distinção entre Barsena e o javali.

—   Oh, deuses — gemeu Reznak — ele está a comê-la — O senescal tapou a boca. Belwas, o Forte, vomitava ruidosamente. Uma estranha expressão passou pela longa e pálida cara de Hizdahr zo Loraq; em parte medo, em parte sede de sangue, em parte arrebatamento. Lambeu os lábios. Dany viu os Pahl a correr pelos degraus acima, agarrando os tokars e tro­peçando nas fímbrias na pressa de se irem embora. Outros seguiram-nos. Alguns correram, empurrando-se uns aos outros. Foram mais os que fica­ram nos seus lugares.

Um homem encarregou-se de ser herói.

Era um dos lanceiros que tinham saído para empurrar o javali de vol­ta ao seu cercado. Talvez estivesse bêbado, ou louco. Talvez amasse Barsena Cabelopreto à distância, ou tivesse ouvido algum murmúrio sobre a rapa­riga chamada Hazzea. Talvez fosse apenas um homem comum que queria que os bardos cantassem sobre ele. Precipitou-se em frente, de lança para javalis nas mãos. Areia vermelha ergueu-se de sob os seus calcanhares, e gritos ressoaram vindos dos bancos. Drogon ergueu a cabeça, com sangue a pingar-lhe dos dentes. O herói saltou para o seu dorso e espetou a ponta de lança de ferro na base do longo pescoço escamoso do dragão.

Dany e Drogon gritaram como um só.

O herói inclinou-se sobre a lança, usando o seu peso para empurrar a ponta mais para dentro. Drogon arqueou o pescoço para cima com um sil­vo de dor. A sua cauda atirou uma chicotada para o lado. Dany viu a cabeça do dragão virar-se na extremidade daquele longo pescoço serpentino, viu as asas negras a desdobrarem-se. O matador de dragões perdeu o equilíbrio e estatelou-se na areia. Estava a tentar pôr-se de novo em pé quando os den­tes do dragão se fecharam com força em volta do seu antebraço.

—    Não — foi tudo o que o homem teve tempo de gritar. Drogon arrancou-lhe o braço do ombro e arremessou-o para o lado como um cão poderia arremessar um roedor numa arena de ratazanas.

—  Matai-o — gritou Hizdahr zo Loraq aos outros lanceiros. — Matai a feral

Sor Barristan abraçou-a com força.

—   Afastai o olhar, Vossa Graça.

—   Largm-me! — Dany arrancou-se aos seus braços. O mundo pare­ceu abrandar ao saltar sobre o parapeito. Quando aterrou na arena perdeu uma sandália. Correndo, sentia a areia entre os dedos, quente e áspera. Sor Barristan gritava atrás dela. Belwas, o Forte, continuava a vomitar. Correu mais depressa.

Os lanceiros também estavam a correr. Alguns precipitavam-se para o dragão, de lanças na mão. Outros corriam para longe, deitando fora as armas enquanto fugiam. O herói estrebuchava na areia, com o sangue bri­lhante a jorrar do coto irregular do seu ombro. A lança permanecia no dor­so do dragão, oscilando quando o dragão batia as asas. O ferimento deitava fumo. Quando os outros lanceiros se aproximaram, o dragão cuspiu fogo, banhando dois homens em chamas negras. A sua cauda golpeou para o lado, e apanhou o mestre da arena que tentava aproximar-se do animal por trás, quebrando-o em dois. Outro atacante lançou-lhe estocadas aos olhos, até que o dragão o apanhou entre as maxilas e lhe rasgou a barriga. Os me- ereeneses gritavam, praguejavam, uivavam. Dany ouviu alguém que corria atrás dela.

—   Drogon — gritou. — Drogon.

A cabeça dele girou. Fumo ergueu-se de entre os seus dentes. O san­gue também fumegava, onde pingara no chão. Voltou a bater as asas, fa­zendo voar uma tempestade sufocante de areia escarlate. Dany entrou aos tropeções na nuvem vermelha e quente, tossindo. Ele tentou mordê-la.

—   Não — foi tudo o que teve tempo de dizer. Não, a mim não, não me reconheces? Os dentes negros fecharam-se a centímetros do seu rosto. Ele queria arrancar-me a cabeça. Dany tinha areia nos olhos. Tropeçou no cadáver do mestre da arena, e caiu de traseiro.

Drogon rugiu. O som encheu a arena. Um vento de fornalha cobriu-a. O longo pescoço escamoso do dragão estendeu-se para ela. Quando a boca se lhe abriu, Dany viu bocados de osso partido e de carne carbonizada en­tre os dentes negros. Os seus olhos estavam em fusão. Estou a olhar para o inferno, mas não me atrevo a afastar o olhar. Nunca tivera tanta certeza de nada. Se fugir dele, ele queimar-me-á e devorar-me-á. Em Westeros, os sep- tões falavam de sete infernos e sete céus, mas os Sete Reinos e os seus deuses estavam longe. Dany perguntou a si própria se, no caso de morrer ali, o deus cavalo dos dothraki afastaria a erva e a reclamaria para o seu khalasar estrelado, para poder percorrer as terras da noite ao lado do seu sol-e-estrelas. Ou seriam os deuses zangados de Ghis a enviar as suas harpias para lhe capturar a alma e a arrastar para o tormento? Drogon rugiu-lhe em cheio na cara, com um hálito suficientemente quente para encher a pele de bolhas. À sua direita, Dany ouviu Barristan Selmy a gritar: