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—  A mim! Prova-me a mim. Aqui. A mim!

Nos poços rubros e em brasa dos olhos de Drogon, Dany viu o seu reflexo. Como parecia pequena, como parecia fraca, débil e assustada. Não posso deixar que ele veja o meu medo. Esgravatou na areia, empurrando o cadáver do mestre de arena, e seus dedos roçaram no cabo do chicote do homem. Tocá-lo fê-la sentir mais coragem. O couro estava tépido, vivo.

Drogon voltou a rugir, com um som tão alto que ela quase deixou cair o chicote. Os dentes fecharam-se na sua direção.

Dany bateu-lhe.

—   Não gritou, brandindo o látego com toda a força que tinha no corpo. O dragão puxou a cabeça para trás. — Não — voltou a gritar. — NÃO! — As farpas arranharam-no ao longo do focinho. Drogon levan­tou-se, cobrindo-a com a sombra das asas. Dany brandiu o chicote contra a barriga escamosa do dragão, de um lado para o outro até que o braço co­meçou a doer-lhe. O longo pescoço serpentino do dragão dobrou-se como o arco de um arqueiro. Com um íssssís, o dragão cuspiu fogo negro para cima dela. Dany precipitou-se por baixo das chamas, brandindo o chicote e gritando: — Não, não, não. Para BAIXO! — O rugido que lhe respondeu estava cheio de medo e fúria, cheio de dor. As asas do dragão bateram uma vez, duas...

... e dobraram-se. O dragão soltou um último silvo e deitou-se sobre a barriga. Sangue negro fluía da ferida onde a lança o perfurara, fumegando nos locais onde pingava sobre as areias ressequidas. Ele é fogo feito carne, pensou, e eu também.

Daenerys Targaryen saltou para o dorso do dragão, agarrou na lança e arrancou-a. A ponta quase derretera, e o ferro estava em brasa e brilhava. Deitou-a fora. Drogon torceu-se por baixo do seu corpo, fazendo ondular os músculos enquanto reunia as forças. O ar estava repleto de areia. Dany não conseguia ver, não conseguia respirar, não conseguia pensar. As asas negras estalaram como trovões, e de súbito as areias escarlates estavam a cair atrás dela.

Tonta, Dany fechou os olhos. Quando voltou a abri-los, vislumbrou os meereeneses abaixo de si através de uma névoa de lágrimas e poeira, jorrando pelas escadas acima e para as ruas.

Ainda tinha o chicote na mão. Bateu com ele no pescoço de Drogon e gritou:

—   Mais alto! — A sua outra mão agarrava-se às escamas do dragão, esgravatando com os dedos em busca de apoio. As vastas asas negras de Drogon batiam no ar. Dany sentiu o calor do animal entre as pernas. Sen­tia o coração prestes a rebentar. Sim, pensou, sim, agora, agora, fá-lo, fá-lo, leva-me, leva-me, VOA!

 

JON

Não era um homem alto, o Tormund Terror dos Gigantes, mas os deuses tinham-lhe concedido um peito largo e uma barriga maciça. Mance Ray- der chamara-lhe Tormund Soprador de Chifres devido ao poder dos seus pulmões, e costumava dizer que Tormund era capaz de fazer cair a neve dos cumes das montanhas à gargalhada. Em fúria, os seus brados faziam lembrar a Jon os bramidos de um mamute.

Nesse dia Tormund bradou frequente e ruidosamente. Rugiu, gritou, bateu com o punho na mesa com tal força que um jarro de água se virou e se derramou. Um corno de hidromel nunca estava longe da sua mão, de modo que os perdigotos que espalhava enquanto fazia ameaças estavam adoçados com mel. Chamou a Jon Snow cobarde, mentiroso e ladrão e gra­lha preta, acusou-o de querer ir ao cu ao povo livre. Por duas vezes atirou o corno de beber à cabeça de Jon, embora só o fizesse depois de o esvaziar. Tormund não era homem para desperdiçar bom hidromel. Jon deixou que tudo aquilo passasse por si. Nunca levantou a voz nem respondeu às amea­ças com ameaças, mas também não cedeu mais terreno do que o que tinha vindo preparado para ceder.

Por fim, já as sombras da tarde se tornavam longas fora da ten­da, Tormund Terror dos Gigantes — Alto-falante, Soprador de Chifres e Quebrador de Gelo, Tormund Punho de Trovão, Esposo de Ursas, Rei-Hidromel de Solar Ruivo, Falador com os Deuses e Pai de Hostes — espetou a mão.

—   Então está feito e que os deuses me perdoem. Há uma centena de mães que nunca perdoarão, bem sei.

Jon apertou a mão que lhe era oferecida. As palavras do seu juramen­to ressoaram-lhe na cabeça. Sou a espada na escuridão. Sou o vigilante nas muralhas. Sou o fogo que arde contra o frio, a luz que traz consigo a alvorada, a trombeta que acorda os que dormem, o escudo que defende os reinos dos homens. E para si um novo refrão: Sou o guarda que abriu os portões, e dei­xou o inimigo marchar por eles. Teria dado mais que muito para saber que o que estava a fazer era certo. Mas fora demasiado longe para voltar agora para trás.

—   Feito e acabado — disse.

O apertão de Tormund quebrava ossos. Pelo menos isso, nele, não mudara. A barba também era a mesma, embora a cara sob aquele matagal de pelos brancos tivesse emagrecido consideravelmente e houvesse profun­das rugas gravadas naquelas bochechas rosadas.

—   O Mance devia ter-te matado quando teve oportunidade — disse, enquanto fazia os possíveis por transformar a mão de Jon em polpa e osso.

—   Ouro por papas de aveia, e rapazes... um preço cruel. Que aconteceu àquele moço simpático que eu conheci?

Fizeram dele senhor comandante.

—   Ouvi dizer que um acordo justo deixa os dois lados insatisfeitos. Três dias?

—   Se eu viver o suficiente. Alguns dos meus hão de cuspir em mim quando souberem destes termos. — Tormund largou a mão de Jon. — Os teus corvos tamem hão de resmungar, se bem os conheço. E devia conhe­cer. Matei mais dos vossos paneleiros pretos do que consigo contar.

—   Talvez seja melhor que não menciones isso tão alto quando vieres para sul da Muralha.

—   Ha! — riu Tormund. Isso também não mudara; ainda se ria fácil e frequentemente. — Sábias palavras. Não vou querer que vós, corvos, me matem à bicada. — Deu uma palmada nas costas de Jon. — Quando toda a minha gente 'tiver a salvo a sul da tua Muralha, havemos de partilhar um bocado de carne e hidromel. Até lá... — O selvagem tirou a braçadeira do braço esquerdo e atirou-a a Jon, após o que fez o mesmo à gémea que trazia no direito. — O teu primeiro pagamento. Recebi-as do meu pai e ele do dele. Agora são tuas, seu bastardo preto e gatuno.

As braçadeiras eram de ouro antigo, sólido e pesado, gravado com as antigas runas dos Primeiros Homens. Tormund Terror dos Gigantes usara-as desde que Jon o conhecia; tinham parecido tão parte dele como a barba.

—    Os bravosianos vão derreter isto para obter o ouro. Parece uma pena. Talvez devesses ficar com elas.

—   Não. Não quero que se diga que Tormund Punho de Trovão obri­gou o povo livre a abdicar dos seus tesouros enquanto ficava com os dele.

—  Sorriu. — Mas vou ficar com o anel que uso em volta do membro. Muito maior do que essas coisinhas. Em ti, era um torque.

Jon teve de se rir.

—   Tu nunca mudas.

—   Oh, mas mudo. — O sorriso derreteu como neve no verão. — Não sou o homem que era em Solar Ruivo. Vi demasiada morte, e tamem coisas piores. Os meus filhos... — O desgosto torceu a cara de Tormund. — Dor- mund foi abatido na batalha pela Muralha, e ainda era meio rapaz. Um dos cavaleiros do teu rei deu cabo dele, um sacana qualquer todo vestido de aço cinzento com mariposas no escudo. Eu vi o golpe, mas o meu moço estava morto antes de conseguir chegar lá. E Torwynd... foi o frio que o levou. Andava sempre adoentado, esse. Limitou-se a morrer uma noite. E o pior de tudo foi que ainda antes de sabermos que tinha morrido levantou-se todo pálido com aqueles olhos azuis. Tive de ver com os meus próprios olhos. Foi duro, Jon. — Lágrimas brilharam-lhe nos olhos. — Ele não era grande coisa como homem, é verdade, mas tinha sido o meu rapazinho e eu gostava dele.