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—   Francamente, Shireen — disse a mãe. — Tenho a certeza de que o senhor comandante não veio ouvir falar dos filhos ilegítimos de Robert. Cara-Malhada, sê um bom bobo e leva a princesa para o quarto dela.

Os chocalhos no chapéu do bobo ressoaram.

—   Fora, fora — cantou o bobo. — Vem comigo para baixo do mar, para fora, fora, fora. — Pegou numa mão da princesinha e levou-a da sala, aos saltinhos.

Jon disse:

—  Vossa Graça, o líder do povo livre concordou com os meus termos.

A Rainha Selyse fez o mais minúsculo dos acenos.

—    Sempre foi desejo do senhor meu esposo conceder santuário a esses povos selvagens. Desde que mantenham a paz do rei e cumpram as leis do rei, são bem-vindos aos nossos domínios. — Espetou os lábios. — Disseram-me que têm mais gigantes com eles.

Val respondeu.

—   Quase duzentos, Vossa Graça. E mais de oitenta mamutes.

A rainha estremeceu.

—   Pavorosas criaturas. — Jon não conseguiu decidir se ela estaria a falar dos mamutes ou dos gigantes. — Se bem que tais animais possam ser úteis ao senhor meu esposo nas suas batalhas.

—   Pode ser que sim, Vossa Graça — disse Jon — mas os mamutes são grandes demais para passar pelo nosso portão.

—   O portão não pode ser alargado?

—   Isso... isso seria insensato, creio.

Selyse soltou uma fnngadela.

—    Se o dizeis. Sem dúvida tereis conhecimentos sobre tais coisas. Onde tencionais instalar esses selvagens? Certamente que Vila Toupeira não é suficientemente grande para conter... quantos são?

—    Quatro mil, Vossa Graça. Ajudar-nos-ão a guarnecer os nossos castelos abandonados, para melhor defendermos a Muralha.

—   Fui levada a crer que esses castelos eram ruínas. Lugares sombrios, desolados e frios, pouco mais que pilhas de entulho. Em Atalaialeste ouvi­mos falar de ratazanas e aranhas.

O frio deve ter matado as aranhas por esta altura, pensou Jon, e as ratazanas podem ser uma fonte útil de carne quando o inverno chegar.

—   É tudo verdade, Vossa Graça... mas mesmo ruínas fornecem al­gum abrigo. E a Muralha estará entre eles e os Outros.

—   Vejo que refletistes cuidadosamente sobre tudo isto, Lorde Snow.

Tenho a certeza de que o Rei Stannis ficará satisfeito quando regressar triunfante da sua batalha.

Partindo do princípio de que regressa.

—   Claro — prosseguiu a rainha — que os selvagens têm primeiro de reconhecer Stannis como seu rei e Rhllor como seu deus.

E aqui estamos nós, frente a frente na passagem estreita.

—  Vossa Graça, perdoai-me. Não foram esses os termos em que acor­dámos.

O rosto da rainha endureceu.

—   Um grave equívoco. — Os ténues vestígios de calor que a sua voz contivera tinham desaparecido de repente.

—   O povo livre não ajoelha — disse-lhe Val.

—   Então têm de ser ajoelhados — declarou a rainha.

—   Se fizerdes tal coisa, Vossa Graça, voltaremos a erguer-nos à pri­meira oportunidade — prometeu Val. — A erguer-nos com armas na mão.

Os lábios da rainha apertaram-se, e o seu queixo deu um pequeno abanão.

—   Sois insolente. Suponho que era de se esperar de uma selvagem. Temos de vos arranjar um marido que vos consiga ensinar cortesia. — A rainha voltou para Jon o seu olhar furioso. — Não aprovo, senhor coman­dante. E o senhor meu esposo também não aprovará. Não posso impe­dir-vos de abrir o vosso portão, como ambos sabemos perfeitamente, mas garanto-vos que respondereis por isso quando o rei regressar da batalha. Talvez queirais reconsiderar.

—  Vossa Graça. — Jon voltou a ajoelhar. Desta vez Val não se lhe jun­tou. — Lamento que os meus atos vos tenham desagradado. Fiz o que achei melhor. Tenho a vossa licença para sair?

—  Tendes. Imediatamente.

Uma vez lá fora e bem longe dos homens da rainha, Val deu vazão à sua fúria.

—   Mentistes sobre a barba dela. Aquela tem mais pelos no queixo do que eu tenho entre as pernas. E a filha... a cara dela...

—   Escamagris.

—   O nome que lhe damos é morte cinzenta.

—   Nem sempre é mortal nas crianças.

—   A norte da Muralha é. Cicuta é uma cura segura, inas uma al­mofada ou uma lâmina funcionam igualmente bem. Se eu tivesse dado à luz aquela pobre criança ter-lhe-ia dado a dádiva da misericórdia há muito tempo.

Aquela era uma Val que Jon nunca antes vira.

—   A Princesa Shireen é a única filha da rainha.

—   Tenho pena das duas. A criança não está limpa.

—   Se Stannis vencer esta guerra, Shireen será herdeira do Trono de

Ferro.

—   Então tenho pena dos vossos Sete Reinos.

—   Os meistres dizem que a escamagris não é...

—   Os meistres podem acreditar no que quiserem. Perguntai a uma bruxa da floresta se quereis saber a verdade. A morte cinzenta dorme, para voltar a despertar. A criança não está limpa!

—   Parece ser uma rapariga simpática. Não podeis saber...

—   Posso. Não sabeis nada, Jon Snow. — Val agarrou-lhe no braço. — Quero o monstro fora daqui. Ele e as amas-de-leite. Não os podeis deixar na mesma torre da rapariga morta.

Jon sacudiu-lhe a mão.

—   Ela não está morta.

—   Está. A mãe não consegue ver que está. Nem vós, ao que parece. Mas a morte está lá. — Afastou-se dele, parou, virou para trás. — Eu trou- xe-vos Tormund Terror dos Gigantes. Trazei-me o meu monstro.

—   Se puder, trarei.

—  Trazei. Tendes uma dívida para comigo, Jon Snow.

Jon viu-a a afastar-se em passos largos. Ela está enganada. Tem de estar enganada. A escamagris não é tão mortífera como diz, nas crianças não.

O Fantasma voltara a desaparecer. O Sol estava baixo a oeste. Uma taça de vinho quente com especiarias ser-me-ia útil neste momento. Duas se­riam ainda melhores. Mas isso teria de esperar. Tinha inimigos a enfrentar. Inimigos da pior espécie: irmãos.

Foi dar com Couros à sua espera junto da gaiola do guincho. Subi­ram os dois juntos. Quanto mais subiam, mais forte era o vento. A quinze metros de altura, a pesada gaiola começou a oscilar a cada rajada. De vez em quando raspava na Muralha, dando origem a pequenas chuvadas cris­talinas de gelo que relampejavam à luz do sol enquanto caíam. Ergueram-se acima das mais altas torres do castelo. Aos cento e vinte metros o vento tinha dentes, e mordia-lhe o manto negro de tal modo que batia ruidosa­mente nas barras de ferro. Aos duzentos, trespassava-o. A Muralha é minha, fez Jon lembrar a si próprio enquanto os operadores do guincho puxavam a gaiola, pelo menos por mais dois dias.

Jon saltou para o gelo, agradeceu aos homens que operavam o guin­cho e acenou aos lanceiros que estavam de sentinela. Ambos usavam capu­zes de lã puxados para cima das cabeças, de modo que nada se via das suas caras salvo os olhos, mas reconheceu Ty pela emaranhada corda de sebento cabelo negro que lhe caía pelas costas abaixo e Owen pela salsicha que estava enfiada na bainha que trazia à anca. Podia tê-los reconhecido na mesma, só pela forma como se mantinham em pé. Um bom senhor tem de conhecer os seus homens, dissera o pai um dia a si e a Robb, em Winterfell.

Jon caminhou até à borda da Muralha e fitou o campo de matança onde a hoste de Mance Rayder morrera. Perguntou a si próprio onde esta­ria agora Mance. Ele chegou a encontrar-te, irmãzinha? Ou será que foste só um estratagema que usou para que eu o libertasse?

Passara-se tanto tempo desde que vira Arya. Que aspeto teria agora? Chegaria até a reconhecê-la? Arya Debaixo-dos-Pés. Andava sempre com a cara suja. Teria ainda aquela pequena espada que pedira a Mikken para forjar para ela? Espeta-lhes a ponta afiada, dissera-lhe. Sabedoria para a sua noite de núpcias, se metade do que ouvira sobre Ramsay Snow fosse ver­dade. Trá-la para casa, Mance. Eu salvei o teu filho de Melisandre, e agora preparo-me para salvar quatro mil dos do teu povo livre. Deves-me esta ra­pariguinha.