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Na floresta assombrada, para norte, as sombras da tarde avançavam por entre as árvores. O céu ocidental era um incêndio de vermelho, mas a leste as primeiras estrelas começavam a espreitar. Jon Snow fletiu os dedos da mão da espada, recordando tudo o que perdera. Sam, meu caro palerma gordo, pregaste-me uma partida cruel quando fizeste de mim senhor coman­dante. Um senhor comandante não tem amigos.

—   Lorde Snow? — disse o Couros. — A gaiola está a subir.

—   Eu ouço-a — Jon afastou-se da borda.

Os primeiros a fazerem a subida foram os chefes de clã, Flint e Norrey, vestidos de peles e ferro. O Norrey parecia-se com uma velha rapo­sa; enrugado e de constituição ligeira, mas com uns olhos astutos e ágil. Torghen Flint era meia cabeça mais baixo mas devia pesar o dobro; um homem robusto e rude, com umas mãos nodosas grandes como presuntos, de nós dos dedos vermelhos, apoiava-se pesadamente a uma bengala de espinheiro negro enquanto ia coxeando gelo fora. Bowen Marsh chegou em seguida, entrouxado numa pele de urso. Depois dele veio Othell Yarwyck. Depois o Septão Cellador, meio ébrio.

—    Acompanhai-me — disse-lhes Jon. Caminharam para oeste ao longo da Muralha, por caminhos cobertos de gravilha, na direção do sol poente. Quando se afastaram cinquenta metros do barracão, disse: — Sa­beis porque vos convoquei. Daqui a três dias, à alvorada, o portão abrir-se-á para deixar Tormund e a sua gente atravessar a Muralha. Precisamos de fazer muitos preparativos.

O silêncio acolheu o anúncio. Depois Othell Yarwyck disse:

—   Senhor Comandante, há milhares de...

—                       ... selvagens escanzelados, fatigados até aos ossos, famintos, longe de casa. — Jon apontou para as luzes das suas fogueiras. — Ali estão eles. Quatro mil, segundo Thormund.

—   Estimo três mil, pelas fogueiras. — Bowen Marsh vivia para conta­gens e medições. — Mais do que duas vezes esse número em Larduro com a bruxa da floresta, segundo nos foi informado. E Sor Denys escreve sobre grandes acampamentos nas montanhas para lá da Torre Sombria...

Jon não o negou.

—   Tormund diz que o Chorão pretende voltar a tentar atravessar a Ponte das Caveiras.

A Velha Granada tocou a cicatriz. Tinha-a arranjado a defender a Ponte das Caveiras da última vez que o Chorão tentara abrir caminho pela Garganta.

—  Decerto que o senhor comandante não tenciona deixar esse... esse demónio atravessar também?

—    De bom grado, não. — Jon não se esquecera das cabeças que o Chorão lhe deixara, com buracos sangrentos onde os olhos tinham estado. O Jack Negro Bulwer, o Hal Peludo, o Garth Greyfeather. Não posso vingá-los, mas não me esquecerei dos seus nomes. — Mas sim, senhor, ele também. Não podemos escolher entre o povo livre, dizendo que este pode passar, aquele não. Paz significa paz para todos.

Norrey puxou um escarro e cuspiu-o.

—   Mais valia fazer a paz com lobos e gralhas pretas.

—   As minhas masmorras são pacíficas — resmungou o Velho Flint.

—   Dai-me o Chorão.

—   Quantos patrulheiros matou o Chorão? — perguntou Othell Yarwyck. — Quantas mulheres violou, matou ou raptou?

—  Três da minha família — disse o Velho Flint. — E cega as raparigas que não leva.

—   Quando um homem veste o negro, os seus crimes são perdoados

—   fez-lhes lembrar Jon. — Se queremos que o povo livre combata a nosso lado, temos de perdoar os seus crimes anteriores como perdoaríamos os dos nossos.

—   O Chorão não dirá as palavras — insistiu Yarwyck. — Ele não usará o manto. Nem os outros assaltantes confiam nele.

—  Não é preciso confiar num homem para fazer uso dele. — Se assim não fosse, como poderia eu fazer uso de todos vós? — Precisamos do Chorão, e de outros como ele. Quem conhece a selva melhor que um selvagem? Quem conhece os nossos inimigos melhor que um homem que os com­bateu?

—   As únicas coisas que o Chorão conhece são a violação e o assassí­nio — disse Yarwyck.

—   Depois de atravessarem a Muralha, os selvagens serão o triplo de nós — disse Bowen Marsh. — E só estou a falar do bando de Tormund. Acrescentai os homens do Chorão e os que estão em Larduro, e eles terão força para acabar com a Patrulha da Noite numa única noite.

—   Os números, por si só, não ganham guerras. Vós não os vistes. Metade são mortos em pé.

—   Preferia que fossem mortos debaixo da terra — disse Yarwyck. — Se aprouver ao senhor.

—   Não me apraz. — A voz de Jon estava tão fria como o vento que lhes fazia bater os mantos. — Há crianças naquele acampamento, centenas delas, milhares. Mulheres também.

—   Esposas de lanças.

—  Algumas. E também mães e avós, viúvas e donzelas... quereis con­dená-las todas a morrer, senhor?

—  Os irmãos não deviam discutir — disse o Septão Cellador. — Ajo­elhemos e rezemos à Velha para iluminar o nosso caminho para a sabedo­ria.

—   Lorde Snow — disse o Norrey — onde tencionais pôr esses vossos selvagens? Não nas minhas terras, espero eu.

—   Pois — declarou o Velho Flint. — Vós querei-los na Dádiva, a toli­ce é vossa, mas assegurai-vos de que não se põem a vaguear, caso contrário eu mando-vos de volta as cabeças deles. O inverno já quase chegou, não quero mais bocas para alimentar.

—   Os selvagens permanecerão junto da Muralha — assegurou-lhes Jon. — A maior parte será alojada em algum dos nossos castelos abando­nados. — A patrulha tinha agora guarnições em Marcagelo, Monte Longo, Solar das Trevas, Guardagris e Lago Profundo, todas com grande falta de homens, mas ainda havia dez castelos vazios e abandonados. — Homens com mulheres e crianças, todas as órfãs e os rapazes órfãos com menos de dez anos de idade, velhas, mães viúvas, qualquer mulher que não queira lu­tar. Mandaremos as esposas de lanças para Monte Longo para se irem jun­tar às suas irmãs, os homens solteiros para os outros fortes que reabrimos. Aqueles que vestirem o negro permanecerão aqui, ou serão colocados em Atalaialeste ou na Torre Sombria. Tormund ficará sedeado em Escudorro- ble, para o manter por perto.

Bowen Marsh suspirou.

—   Se eles não nos matarem com as espadas, fá-lo-ão com as bocas. Dizei-me, como propõe o senhor comandante alimentar Tormund e os seus milhares?

Jon já esperava aquela pergunta.

—                        Através de Atalaialeste. Traremos comida por navio, tanta quanta for necessária. Das terras fluviais, das terras da tempestade e do Vale de Arryn, de Dome e da Campina, das Cidades Livres do outro lado do mar.

—   E esta comida será paga... como, se é que posso perguntar?

Com ouro, do Banco de Ferro de Bravos, podia ter respondido Jon. Em

vez disso disse:

—   Concordei que o povo livre podia ficar com as suas peles. Preci­sarão delas para se aquecerem quando o inverno chegar. Terão de entregar toda a restante riqueza. Ouro e prata, âmbar, pedras preciosas, esculturas, qualquer coisa de valor. Enviaremos tudo para o outro lado do mar estreito para ser vendido nas Cidades Livres.