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—   Toda a riqueza dos selvagens — disse o Norrey. — Isso há de vos dar para comprar aí uns dez galões de cevada. Quinze, se calhar.

—   Senhor comandante, porque não exigir que os selvagens depo­nham também as armas? — perguntou Clydas.

O Couros riu-se daquilo.

—   Quereis que o povo livre combata ao vosso lado contra o inimi­go comum. Como faremos isso sem armas? Quereis que atiremos bolas de neve às criaturas? Ou será que nos ireis dar paus para lhes bater com eles?

As armas que a maior parte dos selvagens trazem pouco mais são do que paus, pensou Jon. Mocas de madeira, machados de pedra, malhos, lanças com pontas endurecidas pelo fogo, facas de osso, pedra e vidro de dragão, escudos de vime, armaduras de osso, couro fervido. Os Thenn tra­balhavam o bronze, e assaltantes como o Chorão usavam aço roubado e espadas de ferro saqueadas de algum cadáver... mas mesmo essas eram frequentemente coisas antigas, entalhadas por anos de intenso uso e man­chadas de ferrugem.

—  Tormund Terror dos Gigantes nunca desarmará voluntariamente o seu povo — disse Jon. — Ele não é o Chorão, mas também não é nenhum cobarde. Se lho tivesse pedido, teria havido derramamento de sangue.

O Norrey afagou a barba.

—  Podeis pôr os selvagens nesses fortes arruinados, Lorde Snow, mas como os obrigareis a ficar? Que existe que os impeça de se mudarem para sul, para terras mais amenas e mais quentes?

—   As nossas terras — disse o Velho Flint.

—  Tormund fez-me um juramento. Servirá conosco até à primave­ra. O Chorão e os outros capitães jurarão o mesmo, caso contrário não os deixaremos passar.

O Velho Flint abanou a cabeça.

—   Eles vão trair-nos.

—   A palavra do Chorão não vale nada — disse Othell Yarwyck.

—  Eles são selvagens ímpios — disse o Septão Cellador. — Até no sul o caráter traiçoeiro dos selvagens é famoso.

O Couros cruzou os braços ao peito.

—   Aquela batalha lá em baixo? Eu estava do outro lado, lembrais-vos? Agora uso os vossos panos pretos e treino os vossos rapazes para matar. Al­guns podiam chamar-me traidor. Pode ser que sim... mas na sou mais sel­vagem do que vós, os corvos. Também temos deuses. Os mesmos deuses que têm em Winterfell.

—   Os deuses do Norte, desde antes da construção desta Muralha — disse Jon. — Foi por esses deuses que Tormund jurou. Ele cumprirá a sua palavra. Eu conheço-o, tal como conheci Mance Rayder. Marchei com eles durante algum tempo, talvez vos recordeis disso.

—   Não me tinha esquecido — disse o Senhor Intendente.

Pois não, pensou Jon, não me pareceu que tivesses.

—  Mance Rayder também prestou um juramento — prosseguiu Mar­sh. — Jurou não usar coroas, não tomar esposa, não gerar filhos. Depois virou o manto, fez todas essas coisas, e liderou uma hoste temível contra o reino. São os restos dessa hoste que esperam do outro lado da Muralha.

—   Restos quebrados.

—  Uma espada quebrada pode voltar a ser forjada. Uma espada que­brada pode matar.

—   O povo livre não tem nem leis nem senhores — disse Jon — mas ama os seus filhos. Admitireis que é verdade?

—  Não são os filhos deles que nos preocupam. Nós tememos os pais, não os filhos.

—  Tal como eu. Por isso insisti em reféns. — Não sou o idiota confian­te por que me tomas... nem sou meio selvagem, acredites no que acreditares.

—   Cem rapazes com idades entre os oito e os dezasseis. Um filho de cada um dos seus chefes e capitães, os outros escolhidos por sorteio. Os rapazes servirão como pajens e escudeiros, libertando os nossos homens para ou­tros deveres. Alguns podem decidir um dia vestir o negro. Já aconteceram coisas mais estranhas. Os outros ficarão reféns da lealdade dos seus pais.

Os nortenhos olharam uns para os outros.

—   Reféns — matutou o Norrey. — Tormund concordou com isto?

Era isso ou ver o seu povo morrer.

—   Chama-lhe o meu preço de sangue — disse Jon Snow — mas pa­gará.

—  Sim, e porque não? — O Velho Flint bateu com a bengala no gelo.

—   Sempre lhes chamámos protegidos, quando Winterfell nos exigia rapa­zes, mas eram reféns e nenhum ficou pior por isso.

—                       Nenhum, menos aqueles cujos pais desagradaram aos Reis do In­verno — disse o Norrey. — Esses voltaram uma cabeça mais baixos. Então dizei-me, rapaz... se esses vossos amigos selvagens se mostrarem traiçoei­ros, tendes estômago para fazer o que tem de ser feito?

Pergunta a Janos Slynt.

—   Tormund Terror dos Gigantes sabe que não é boa ideia pôr-me à prova. Posso parecer um rapaz verde aos vossos olhos, Lorde Norrey, mas continuo a ser filho de Eddard Stark.

Contudo, nem aquilo apaziguou o seu Senhor Intendente.

—   Dizeis que esses rapazes servirão como escudeiros. Decerto que o Senhor Comandante não pretende que eles sejam treinados nas armas?

A ira de Jon estalou.

—  Não, senhor, pretendo pô-los a coser roupa interior de renda. Cla­ro que serão treinados nas armas. Também baterão manteiga, acartarão le­nha, limparão estábulos, esvaziarão penicos, e entregarão mensagens... e entretanto serão treinados com lanças, espadas e arcos.

Marsh pôs-se de um tom mais profundo de vermelho.

—   O senhor comandante tem de perdoar a minha franqueza, mas não tenho maneira mais suave de dizer isto. O que propondes não é menos que traição. Há oito mil anos que os homens da Patrulha da Noite se man­têm na Muralha a combater estes selvagens. Agora pretendeis deixá-los passar, dar-lhes abrigo nos nossos castelos, alimentá-los, vesti-los e ensiná-los a combater. Lorde Snow, terei de vos fazer lembrar? Vós prestastes um juramento.

—   Eu sei o que jurei. — Jon disse as palavras. — Sou a espada na escuridão. Sou o vigilante nas muralhas. Sou o fogo que arde contra o frio, a luz que traz consigo a alvorada, a trombeta que acorda os que dormem, o escudo que defende os reinos dos homens. Foram estas as mesmas palavras que dissestes quando prestastes o vosso juramento?

—   Foram. Como o senhor comandante bem sabe.

—  'Fendes a certeza de que não vos esquecestes de algumas? Aquelas sobre o rei e as suas leis, e sobre como temos de defender cada centímetro das suas terras e de nos agarrarmos a todos os castelos arruinados? Como é essa parte? — Jon esperou por uma resposta. Nenhuma veio. — Sou o escudo que defende os reinos dos homens. As palavras são estas. Portanto dizei-me, senhor: que são estes selvagens se não são homens?

Bowen Marsh abriu a boca. Não saíram quaisquer palavras. Um ru­bor subiu-lhe pelo pescoço.

Jon Snow virou-lhe as costas. A última luz do sol começara a desva­necer-se. Observou as fendas ao longo da Muralha a passarem de verme­lhas a cinzentas e depois a negras, de faixas de fogo a rios de gelo negro. Lá em baixo, a Senhora Melisandre estaria a acender a sua fogueira no­turna e a entoar: Senhor da Luz, defendei-nos, pois a noite é escura e cheia de terrores.

—  O inverno está a chegar — disse Jon por fim, quebrando o silêncio incómodo — e com ele vêm os caminhantes brancos. Será na Muralha que os travaremos. A Muralha foi feita para os travar... mas a Muralha tem de ser guarnecida. Esta discussão chegou ao fim. Temos muito para fazer antes de o portão ser aberto. Tormund e o seu povo terão de ser alimentados, ves­tidos e abrigados. Alguns estão doentes e precisarão de tratamento. Esses caber-te-ão a ti, Clydas. Salva todos os que puderes.

Clydas piscou os seus baços olhos rosados.