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—  Não muito. Esta lamenta se vos perturbou. — Hesitou. — Skahaz mo Kandaq quer falar convosco.

—   O Tolarrapada? Falaste com ele? — Aquilo era imprudente, im­prudente. A inimizade entre Skahaz e o rei era profunda, e a rapariga era suficientemente esperta para o saber. Skahaz fora franco na sua oposição ao casamento da rainha, facto que Hizdahr não esquecera. — Ele está aqui? Na pirâmide?

—   Quando deseja. Ele vai e vem, sor.

Sim. É homem para isso.

—   Quem te disse que ele quer falar comigo?

—   Uma Fera de Bronze. Usava uma máscara de coruja.

Ele usou uma máscara de coruja quando falou contigo. Agora pode ser um chacal, um tigre, uma preguiça. Sor Barristan odiara as máscaras desde o início, e nunca as odiara mais do que agora. Homens honestos nunca deviam ter de esconder as caras. E o Tolarrapada...

Em que poderá estar a pensar? Depois de Hizdahr entregar o coman­do dos Feras de Bronze ao seu primo Marghaz zo Loraq, Skahaz fora no­meado Protetor do Rio, a cargo de todos os transbordadores, dragas e valas de irrigação ao longo do Skahazadhan numa extensão de cinquenta léguas, mas o Tolarrapada recusara esse "cargo antigo e honroso," como Hizdahr lhe chamara, preferindo retirar-se para a modesta pirâmide de Kandaq. Sem a rainha a protegê-lo, corre um grande risco vindo até aqui. E se Sor Barristan fosse visto a falar com ele, a suspeita também podia cair sobre si.

Não gostava do cheiro daquilo. Cheirava a ludibrio, a murmúrios, mentiras e conjuras chocadas nas trevas, a todas as coisas que esperara dei­xar para trás com a Aranha e o Lorde Mindinho e a gente dessa laia. Barristan Selmy não era um homem dado aos livros, mas passara frequentemente os olhos pelas páginas do Livro Branco, onde os feitos dos seus predeces­sores tinham ficado registados. Alguns tinham sido heróis, alguns fracos, patifes ou cobardes. A maior parte fora apenas homens; mais rápidos e mais fortes do que a maioria, mais hábeis com a espada e o escudo, mas ainda presas de orgulho, ambição, luxúria, amor, ira, ciúme, avidez por ouro, sede de poder, e todas as outras fraquezas que afligiam os meros mortais. Os melhores de entre eles dominavam as suas falhas, cumpriam o seu dever e morriam de espada na mão. Os piores...

Os piores foram aqueles que jogaram o jogo dos tronos.

—   Consegues voltar a encontrar essa coruja? — perguntou a Missandei.

—   Esta pode tentar, sor.

—   Diz-lhe que eu falarei com... com o nosso amigo... depois de es­curecer, junto dos estábulos. — As portas principais da pirâmide eram fe­chadas e trancadas ao pôr-do-sol. Os estábulos estariam sossegados a essa hora. — Assegura-te de que é a mesma coruja. — Não seria bom que a Fera de Bronze errada ouvisse falar daquilo.

—   Esta compreende. — Missandei virou-se como que para se ir em­bora, depois fez uma pausa momentânea e disse: — Diz-se que os yunkaitas cercaram toda a cidade com balistas, para disparar dardos de ferro para o céu se Drogon regressar.

Sor Barristan também ouvira dizer o mesmo.

—   Não é coisa simples matar um dragão no céu. Em YVesteros, mui­tos tentaram abater Aegon e as irmãs. Nenhum teve sucesso.

Missandei acenou com a cabeça. Era difícil saber se se sentiria tran­quilizada.

—    Achais que a vão encontrar, sor? As estepes são tão vastas, e os dragões não deixam rastos no céu.

—   Aggo e Rakharo são sangue do seu sangue... e quem conhece o mar dothraki melhor do que os dothraki? — Apertou-lhe o ombro. — Vão encontrá-la, se ela puder ser encontrada. — Se ainda estiver viva. Havia ou­tros khals que percorriam a erva, senhores dos cavalos com khalasares cujos cavaleiros ascendiam a dezenas de milhares. Mas a rapariga não precisava de ouvir aquilo. — Tu gostas muito dela, eu sei. Juro, mantê-la-ei a salvo.

As palavras pareceram dar à rapariga algum consolo. Mas as palavras são vento, pensou Sor Barristan. Como posso eu proteger a rainha se não estou com ela?

Barristan Selmy conhecera muitos reis. Nascera durante o turbulento

reinado de Aegon, o Improvável, amado pelos plebeus, recebera o grau de cavaleiro das suas mãos. O iílho de Aegon, Jaehaerys, entregara-lhe o man­to branco aos vinte e três anos, depois de ter morto Maelys, o Monstruoso, durante a Guerra dos Reis dos Nove Vinténs. Com esse mesmo manto es­tivera ao lado do Trono de Ferro enquanto a loucura consumia o filho de Jaehaerys, Aerys. Estive lá, e vi, e escutei, e tio entanto nada fiz.

Mas não. Isso não era justo. Ele cumprira o seu dever. Em cer­tas noites, Sor Barristan perguntava a si próprio se não teria cumprido esse dever bem demais. Prestara o seu juramento perante os olhos dos deuses e dos homens, não podia contrariá-los de forma honrosa... mas cumpri-los tornara-se difícil durante os últimos anos do reinado do Rei Aerys. Vira coisas que lhe doía recordar, e por mais de uma vez pergunta­ra a si próprio quanto do sangue estava nas suas mãos. Se não tivesse ido a Valdocaso salvar Aerys das masmorras do Lorde Darklyn, o rei podia perfeitamente ter morrido aí enquanto Tywin Lannister saqueava a vila. Então, o Príncipe Rhaegar teria ascendido ao Trono de Ferro, talvez para sarar o reino. Valdocaso fora o seu melhor momento, mas o sabor da me­mória era-lhe amargo na língua.

Eram os fracassos que o atormentavam à noite, contudo. Jaehaerys, Aerys, Robert. Três reis mortos. Rhaegar, que teria sido um rei melhor do que qualquer deles. A Princesa Elia e as crianças. Aegon, só um bebê, Rhaenys com o seu gatinho. Mortos, todos eles, e no entanto ele, que jurara prote­gê-los, ainda vivia. E agora Daenerys, a sua brilhante rainha criança. Ela não está morta. Não acreditarei que o esteja.

A tarde trouxe a Sor Barristan um breve alívio no que tocava às dúvi­das. Passou-a no salão de treinos no terceiro piso da pirâmide, trabalhando com os seus rapazes, ensinando-lhes a arte da espada e do escudo, do cavalo e da lança... e cavalaria, o código que transformava um cavaleiro em algo mais que um lutador de arena. Daenerys precisaria de ficar rodeada por protetores da sua idade depois de ele partir, e Sor Barristan estava determi­nado a dar-lhos.

Os rapazes que estava a instruir tinham idades entre os oito e os vinte anos. Começara com mais de sessenta, mas o treino revelara-se demasiado rigoroso para muitos deles. Restava agora menos de metade desse número, mas alguns mostravam grande potencial. Sem rei a guardar, terei agora mais tempo para os treinar, compreendeu, enquanto caminhava de par em par, observando como os jovens se atacavam com espadas embotadas e lan­ças de pontas arredondadas. Bravos rapazes. Plebeus, sim, mas alguns darão bons cavaleiros, e adoram a rainha. Se não fosse ela, todos teriam acabado nas arenas. O Rei Hizdahr tem os seus lutadores de arena, mas Daenerys terá cavaleiros.

— Mantende os escudos erguidos — gritava. — Mostrai-me os vos­sos golpes. Agora juntos. Em baixo, em cima, em baixo, em baixo, em cima, em baixo...

Nessa noite, Selmy levou o seu jantar simples para o terraço da rai­nha, e comeu-o enquanto o Sol se punha. Através do crepúsculo purpú­reo, viu fogos a despertar, um por um, nas grandes pirâmides de degraus, à medida que os tijolos multicoloridos de Meereen se iam desvanecendo em cinzento e depois em negro. Sombras reuniram-se nas ruas e vielas lá em baixo, criando rios e lagoas. No lusco-fusco, a cidade parecia um lugar tranquilo, até belo. Aquilo é pestilência, não paz, disse o velho cavaleiro a si próprio, com o último gole de vinho.

Não queria dar nas vistas, por isso, quando acabou o jantar despiu a roupa de corte, trocando o manto branco da guarda real pelo manto casta­nho com capuz de um viajante, que qualquer homem comum poderia usar. Ficou com a espada e o punhal. Isto ainda pode vir a ser alguma armadilha. Pouca confiança tinha em Hizdahr, e menos em Reznak mo Reznak. O senescal perfumado podia perfeitamente ter naquilo algum papel, tentando atraí-lo a um encontro secreto para poder capturá-lo e a Skahaz e acusá-los de conspirarem contra o rei. Se o Tolarrapada falar de traição, não me dei­xará alternativa a prendê-lo. Hizdahr é consorte da minha rainha, por pouco que isso me agrade. O meu dever é para com ele, não para com Skahaz.