Quando o Desgosto apareceu, Victarion chamou o Wulfe Uma-Orelha.
— Quero falar com o Arganaz. Manda avisar Raif, o Coxo, o Tom Exangue e o Pastor Negro. Todos os grupos de caçadores devem ser chamados, os acampamentos costeiros devem estar desmontados à primeira luz da aurora. Carregai toda a fruta que puder ser recolhida e metei os porcos a bordo dos navios. Podemos matá-los conforme vá sendo necessário. O Tubarão vai ficar aqui para dizer aos que se tenham deixado ficar para trás para onde fomos. — Esse navio iria precisar desse tempo para fazer reparações; as tempestades tinham-no deixado como pouco mais que um casco. Isso fá-los-ia descer a cinquenta e três, mas não havia alternativa. — A frota parte amanhã, na maré da noite.
— Às vossas ordens — disse Wulfe — mas outro dia pode querer dizer outro navio, senhor capitão.
— Pois. E dez dias podem querer dizer dez navios, ou absolutamente nenhum. Já desperdiçámos demasiados dias à espera de vermos velas. A nossa vitória será ainda mais saborosa se a conquistarmos com uma frota mais pequena. — E eu tenho de chegar à rainha dos dragões antes dos volantenos.
Em Volantis, vira as galés a embarcar provisões. A cidade inteira parecera ébria. Marinheiros, soldados e latoeiros tinham sido vistos a dançar nas ruas com nobres e mercadores gordos e, em todas as estalagens e tabernas, copos eram erguidos aos novos triarcas. Todas as conversas versavam sobre o ouro, as pedras preciosas e os escravos que inundariam Volantis quando a rainha dos dragões estivesse morta. Um dia desses relatos fora tudo o que Victarion Greyjoy conseguira aguentar; pagara o preço de ouro por comida e água, apesar de isso o envergonhar, e levara os seus navios de novo para o mar.
As tempestades teriam espalhado e demorado os volantenos, tal como o tinham feito com os seus navios. Se a fortuna lhe sorrisse, muitos dos navios de guerra volantenos podiam ter-se afundado ou dado à costa. Mas não todos. Nenhum deus era assim tão bom, e as galés verdes que tivessem sobrevivido podiam perfeitamente ter contornado Valíria. Estarão a avançar para norte na direção de Meereen e Yunkai, grandes dromones de guerra repletos de soldados escravos. Se o Deus da Tempestade os poupou, por esta altura podem estar no Golfo da Mágoa. Trezentos navios, talvez chegue mesmo aos quinhentos. Os seus aliados já estavam ao largo de Meereen; yunkaitas e astaporitas, homens de Nova Ghis, Qarth e Tolos e só o Deus da Tempestade sabia de onde mais, até os navios de guerra da própria Meereen, aqueles que tinham fugido da cidade antes da sua queda. Contra tudo isso, Victarion tinha cinquenta e quatro. Cinquenta e três, excluindo o Tubarão.
O Olho de Corvo dera meia volta ao mundo, colhendo e pilhando de Qarth à Vila das Árvores Altas, escalando portos ímpios para lá de onde só loucos iam. Euron até enfrentara o Mar Fumegante e sobrevivera para contar a história. E isso só com um navio. Se ele pode troçar dos deuses, eu também posso.
— Sim, capitão — disse o Wulfe Uma-Orelha. Não era metade do homem que Nute, o Barbeiro, fora, mas o Olho de Corvo roubara-lhe Nute. Promovendo-o a Senhor de Escudorroble, o irmão tornara seu o melhor homem de Victarion. — Ainda vamos para Meereen?
— Para onde havíamos de ir? A rainha dos dragões espera-me em Meereen. — A mais bela mulher do mundo, se for possível crer no meu irmão. O seu cabelo é louro prateado, os seus olhos são ametistas.
Seria demasiado esperar que, por uma vez, Euron tivesse dito a verdade? Talvez. O mais provável era que a rapariga se revelasse uma desmazelada de cara marcada, com tetas que lhe batiam nos joelhos, e que os "dragões" não passassem de lagartos tatuados dos pântanos de Sothoryos. Mas se ela for tudo o que Euron diz... Tinham escutado conversas sobre a beleza de Daenerys Targaryen da boca de piratas nos Degraus e de gordos mercadores na Velha Volantis. Podia ser verdade. E Euron não presenteara Victarion com ela; o Olho de Corvo pretendia tomá-la para si. Ele manda-me buscá-la como se fosse um criado. Como uivará quando a reclamar para mim! Os homens que resmungassem. Tinham viajado até longe demais e tinham perdido demasiado para que Victarion virasse para oeste sem a sua presa.
O capitão de ferro cerrou a mão boa num punho.
— Vai assegurar-te de que as minhas ordens sejam executadas. E encontra o meistre, onde quer que se esconda, e manda-o à minha cabina.
— Sim. — Wulfe afastou-se a coxear.
Victarion Greyjoy virou-se para a proa, varrendo a frota com o olhar. Dracares enchiam o mar, com as velas enroladas e os remos recolhidos, flutuando ancorados ou encalhados na pálida costa arenosa. A Ilha dos Cedros. Onde estavam esses cedros? Afogados há quatrocentos anos, aparentemente. Victarion fora a terra uma dúzia de vezes, à caça de carne fresca, e ainda não vira um cedro.
O efeminado meistre que Euron lhe impusera em Westeros afirmava que aquele lugar fora em tempos chamado "Ilha das Cem Batalhas," mas os homens que tinham travado essas batalhas haviam-se feito em pó havia séculos. Ilha dos Macacos, é isso que deviam chamar-lhe. Também havia porcos: os maiores e mais negros javalis que qualquer dos nascidos no ferro vira na vida e fartura de leitões aos guinchos por entre a vegetação rasteira, corajosas criaturas que não tinham medo do homem. Mas estão a aprender. As despensas da Frota de Ferro estavam a encher-se com presuntos fumados, porco salgado e bacon.
Mas os macacos... os macacos eram uma praga. Victarion proibira os seus homens de trazer alguma das demoníacas criaturas para bordo dos navios mas, sem que percebesse como, metade da frota estava agora infestada com eles, até a sua Vitória de Ferro. Via alguns naquele momento, a balouçar de verga em verga e de navio em navio. Gostava de ter uma besta.
Victarion não gostava daquele mar, nem daqueles infinitos céus sem nuvens, nem do sol ardente que lhes batia nas cabeças e cozia os conveses até deixar as tábuas suficientemente quentes para esturricar pés descalços. Não gostava daquelas tempestades, que pareciam aparecer vindas de lado nenhum. Os mares em volta de Pyke estavam frequentemente tempestuosos, mas aí, pelo menos, um homem podia cheirar a sua aproximação. Aquelas tempestades do sul eram traiçoeiras como mulheres. Até a água era da cor errada; um reluzente turquesa perto da costa, e mais para o largo um azul tão escuro que era quase negro. Victarion tinha saudades das águas cinzentas esverdeadas da pátria, com os seus carneirinhos e vagas.
E também não gostava daquela Ilha dos Cedros. A caça podia ser boa, mas as florestas eram demasiado verdes e silenciosas, cheias de árvores retorcidas e estranhas flores brilhantes que não se assemelhavam a nada que os seus homens já tivessem visto, e havia horrores à espreita entre os palácios quebrados e estátuas estilhaçadas da afogada Velos, meia légua a norte do ponto onde a frota se encontrava ancorada. Da última vez que Victarion passara uma noite em terra, os seus sonhos tinham sido sombrios e perturbadores, e quando acordara tinha a boca cheia de sangue. O meistre dissera que mordera a língua enquanto dormia, mas ele vira nisso um sinal do Deus Afogado, um aviso de que, se se demorasse demasiado por ali, se afogaria no próprio sangue.
No dia em que a Destruição chegara a Valíria, dizia-se, uma muralha de água com noventa metros de altura caíra sobre a ilha, afogando centenas de milhares de homens, mulheres e crianças, sem deixar ninguém para contar a história além de alguns pescadores que estavam no mar e uma mancheia de lanceiros velosinos destacados para uma robusta torre de pedra no monte mais alto da ilha, que tinham visto os montes e vales abaixo de si transformarem-se num mar furioso. A bela Velos com os seus palácios de cedro e mármore rosado desaparecera num piscar de olhos. Na ponta norte da ilha, as antigas muralhas de tijolo e pirâmides de degraus do porto esclavagista de Ghozai haviam sofrido o mesmo destino.