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—   Mandai-o ao Deus Afogado antes que faça cair uma maldição so­bre nós — instou Burton Humble.

—    Um navio afundou-se e só ele se agarrou aos destroços — disse o Wulfe Uma-Orelha. — Onde está a tripulação? Ele convocou demónios para os devorar? Que aconteceu ao navio dele?

—  Uma tempestade. — Moqorro cruzou os braços ao peito. Não pa­recia assustado, embora a toda a sua volta os homens estivessem a pedir-lhe a morte. Nem os macacos pareciam gostar daquele feiticeiro. Saltavam de cabo em cabo, lá em cima, aos gritos.

Victarion estava incerto. Ele veio do mar. Porque haveria o Deus Afo­gado de o empurrar para a tona, se não quisesse que o encontrássemos? O irmão Euron tinha os seus feiticeiros de estimação. Talvez o Deus Afogado quisesse que Victarion também tivesse um.

—  Porque é que dizes que este homem é um feiticeiro? — perguntou ao Arganaz. — Só estou a ver um sacerdote vermelho esfarrapado.

—   Eu pensei o mesmo, senhor capitão... mas ele sabe coisas. Sabia que nos dirigíamos à Baía dos Escravos antes de algum homem lhe dizer, e sabia que estaríeis aqui, ao largo desta ilha. — O pequeno homem hesitou.

—  Senhor capitão, ele disse-me... ele disse-me que morreríeis com certeza, a menos que o trouxesse até vós.

—  Que eu morreria? — Victarion soltou uma fungadela. Estava pres­tes a dizer "Cortai-lhe a garganta e atirai-o ao mar" quando uma punhalada de dor na mão má lhe subiu pelo braço acima quase até ao cotovelo, uma agonia tão intensa que as palavras se lhe transformaram em bílis na gargan­ta. Tropeçou e agarrou-se à amurada para evitar cair.

—   O feiticeiro amaldiçoou o capitão — disse uma voz.

Outros homens pegaram no grito.

—   Cortai-lhe a garganta! Matai-o antes que faça cair os seus demónios sobre nós! — O Agualonga Pyke foi o primeiro a puxar pela adaga.

—   NÃO! — berrou Victarion. — Recuai! Todos. Pyke, guarda o aço. Arganaz, de volta para o teu navio. Humble, leva o feiticeiro para a mi­nha cabina. Os outros, para os vossos deveres. — Durante meio segundo não se sentiu certo de que lhe obedeceriam. Ficaram por ali a resmungar, metade com armas na mão, todos a olhar uns para os outros em busca de determinação. Caca de macaco choveu em volta de todos, splás splás splás. Ninguém se mexeu até que Victarion pegou no feiticeiro pelo braço e o puxou para a escotilha.

Quando abriu a porta da cabina do capitão, a mulher sombria virou-se para ele, silenciosa e sorridente... mas quando viu o sacerdote ver­melho a seu lado os lábios afastaram-se-lhe dos dentes e ssssilvou numa súbita fúria, como uma serpente. Victarion ofereceu-lhe as costas da mão boa e atirou-a ao chão.

—   Calada, mulher. Vinho para nós os dois. — Virou-se para o negro.

—  O Arganaz disse a verdade? Viste a minha morte?

—   Isso e mais coisas.

— Onde? Quando? Morrerei em batalha? — A mão boa abriu-se e fechou-se. — Se me mentires, abro-te a cabeça como um melão e deixo que os macacos te comam os miolos.

—   A vossa morte está agora conosco, senhor. Dai-me a vossa mão.

—   A minha mão. Que sabes tu da minha mão?

—   Vi-vos nas fogueiras noturnas, Victarion Greyjoy. Saíeis em passos largos das chamas, severo e feroz, com o vosso grande machado a pingar sangue, cego para os tentáculos que vos agarram nos pulsos, no pescoço e nos joelhos, os cordéis negros que vos fazem dançar.

—    Dançar? — Victarion irritou-se. — As tuas fogueiras noturnas mentem. Eu não fui feito para dançar, e não sou marioneta de ninguém. — Arrancou a luva e pôs a mão na frente da cara do sacerdote. — Toma. Era isto que querias? — O novo linho já estava manchado por sangue e pus. — Ele, o homem que me deu isto, tinha uma rosa no escudo. Arranhei a mão num espinho.

—   Até o mais pequeno arranhão pode mostrar-se mortal, senhor ca­pitão mas, se mo permitirdes, eu curarei isto. Vou precisar de uma lâmina. Prata seria melhor, mas ferro servirá. De um braseiro também. Tenho de acender um lume. Vai haver dor. Uma dor terrível, uma dor como nunca haveis sentido. Mas quando acabarmos, a mão ser-vos-á devolvida.

São todos iguais, estes homens mágicos. O rato também me avisou con­tra a dor.

—   Eu sou nascido no ferro, sacerdote. Rio-me da dor. Vais ter aquilo de que precisas... mas se falhares, e se a minha mão não ficar sarada, eu próprio te cortarei a garganta e te oferecerei ao mar.

Moqorro fez uma vénia, com os olhos escuros a brilhar.

—   Assim seja.

O capitão de ferro não voltou a ser visto nesse dia, mas com o pas­sar das horas a tripulação do seu Vitória de Ferro relatou ter ouvido o som de fortes gargalhadas vindas da cabina do capitão, gargalhadas profundas, escuras e loucas, e quando o Agualonga Pyke e o Wulfe Uma-Orelha testa­ram a porta da cabina foram encontrá-la trancada. Mais tarde ouviram-se cantos, uma estranha canção aguda e lamentosa numa língua que o meistre disse ser alto valiriano. Foi nessa altura que os macacos abandonaram o navio, gritando enquanto saltavam para a água.

Ao chegar o pôr-do-sol, enquanto o mar se tornava negro como tinta e o Sol inchado pintava o céu de um vermelho profundo e sangrento, Vic­tarion regressou ao convés. Estava nu da cintura para cima, e o seu braço esquerdo era sangue até ao cotovelo. Quando a sua tripulação se reuniu, murmurando e trocando olhares, ergueu uma mão chamuscada e enegre­cida. Fios de fumo escuro ergueram-se dos seus dedos quando apontou para o meistre.

— Aquele. Cortai-lhe a garganta e atirai-o ao mar, e os ventos favorecer-nos-ão até Meereen. — Moqorro vira isso nos seus fogos. Também vira a rapariga casada, mas e daí? Não seria a primeira mulher que Victarion Greyjoy transformava em viúva.

TYRION

O curandeiro entrou na tenda a murmurar palavras de circunstância, mas uma baforada do ar nauseabundo e um olhar a Yezzan zo Qaggaz puseram fim a isso.

—   A égua branca — disse o homem a Doces.

Que surpresa, pensou Tyrion. Quem teria adivinhado? Além de qual­quer homem com nariz, ou de mim com metade. Yezzan ardia de febre, contorcendo-se de vez em quando num charco dos próprios excrementos. A caca dele transformara-se num lodo castanho manchado de sangue... e cabia a Yollo e a Centava limpar o seu traseiro amarelo. Mesmo com ajuda, o amo de Tyrion era incapaz de levantar o seu peso; precisava de todas as suas forças em declínio para rolar sobre um lado.

—   As minhas artes não servirão aqui — anunciou o curandeiro. — A vida do nobre Yezzan está nas mãos dos deuses. Mantende-o fresco, se puderdes. Há quem diga que isso ajuda. Trazei-lhe água. — Os atacados pela égua branca estavam sempre com sede, bebendo galões de água entre cagadelas. — Água limpa e fresca, tanta quanta ele queira beber.

—   Água do rio não — disse Doces.

—   De modo algum. — E com aquelas palavras, o curandeiro fugiu.

Nós também temos de fugir, pensou Tyrion. Era um escravo com um

colarinho dourado, provido de pequenas campainhas que tiniam alegre­mente a cada passo que dava. Um dos tesouros especiais de Yezzan. Uma honra indistinguível de uma condenação à morte. Yezzan zo Qaggaz gostava de manter os seus queridinhos por perto, portanto coubera a Yollo, Centa­va, Doces e aos outros tesouros servi-lo quando adoecera.