Recebi o espelho, o papel fino, o papel para decalcar, um tubo de cola que eu não tinha pedido, mas pode vir a ser útil, vários crayons grandes meio duros, o tinteiro e o pincel. Penduro o espelho em um fio, deixando-o à altura do meu peito, ficando eu sentado. No espelho aparece claramente, com todos os pormenores e do mesmo tamanho, a cabeça do tigre. Lali e Zoraima, curiosas e interessadas, me observam. Faço os traços com o pincel; como a tinta escorre, uso a cola, misturando-a com a tinta e, a partir de então, vai tudo bem. Depois de três sessões de uma hora de trabalho cada, consigo ter no espelho a réplica perfeita da cabeça do tigre.
Lali foi buscar o chefe, Zoraima pega minhas mãos e as coloca em seus seios, ela exprime tanta tristeza e desejo no rosto, seus olhos exprimem tanta volúpia e amor, que, sem saber bem o que faço, acabo por possuí-la ali, no chão, no meio da cabana. Ela geme um pouco, mas seu corpo, tenso de prazer, me envolve e não quer me largar. Com suavidade, me desprendo e vou tomar banho no mar, pois estou cheio de terra; ela vem atrás de mim e nós nos lavamos juntos. Esfrego-lhe as costas, ela me esfrega as pernas e os braços, voltamos para casa. Lali está sentada no lugar onde nós nos deitamos e, quando entramos, ela percebe tudo. Levanta-se, põe os braços em volta do meu pescoço e me beija com ternura. Depois pega a irmã pelo braço, faz com que ela saia pela minha porta, enquanto a própria Lali sai pela dela. Ouço barulho fora, saio e vejo Lali, Zoraima e outras duas mulheres esforçando-se por furar a parede com um ferro. Percebo que elas vão fazer uma quarta porta. Para que a parede se abra sem rachar, elas a molham com o regador. Em pouco tempo, a porta está feita. Zoraima remove os escombros da parte derrubada. De agora em diante, ela entrará e sairá sempre por esta porta e nunca mais utilizará a minha.
Chega o chefe com três índios e com o irmão, cuja perna já está quase cicatrizada. O chefe olha o desenho no espelho e se mira. Está encantado de ver o tigre tão bem desenhado e de ver seu rosto. Não compreende o que estou querendo fazer. O desenho está seco: ponho o espelho deitado em cima da mesa, o papel transparente por cima, e começo a copiar. É coisa muito fácil e anda bastante depressa. O crayon meio duro acompanha os traços com fidelidade. Em menos de meia hora, diante dos olhos interessados de todos, aparece um desenho tão perfeito como o original. Cada um dos índios segura a folha e a examina, comparando o tigre do meu peito com o do desenho. Faço Lali se deitar em cima da mesa, passo um pano ligeiramente úmido em seu ventre, ponho a folha para decalcar e, por cima, a folha do desenho que acabei de fazer. Faço alguns traços e o deslumbramento de todos chega ao auge quando surge na barriga de Lali uma pequena parte do desenho. É só neste momento que o chefe compreende que todo o trabalho que estou tendo é por ele.
Os seres que não têm a hipocrisia de uma educação de civilizados reagem com naturalidade na medida em que vão percebendo as coisas. É de imediato que ficam contentes ou descontentes, alegres ou tristes, interessados ou indiferentes. É espantosa a superioridade de índios puros como estes guajiros. Eles são muito superiores a nós, pois, quando acolhem uma pessoa, dão-lhe tudo o que possuem; e, por sua vez, quando recebem dela qualquer atenção, por menor que seja, estas criaturas supersensíveis ficam profundamente emocionadas. Resolvi fazer as linhas gerais maiores do desenho com a navalha, de maneira que logo na primeira aplicação o contorno da tatuagem estará definitivamente fixado. Depois completarei com três. agulhas presas numa vareta. Na manhã seguinte, começo a trabalhar.
Zato está deitado sobre a mesa. Transportei o desenho do papel fino para um outro papel branco mais resistente e, com um crayon duro, passo-o decalcando, para sua pele, já preparada com um leite de argila branca que deixei secar. O traço fixa melhor na superfície coberta pelo pó. O chefe fica estendido na mesa, duro, imóvel, sem mexer sequer a cabeça, com medo de prejudicar o desenho, que lhe faço ver através do espelho. Faço os traços com a navalha. Sai um pouquinho de sangue e, a cada vez que isso acontece, enxugo-o. Quando todas as linhas foram coitadas e um traço vermelho fino substituiu o traço do desenho, passo tinta nanquim azul por todo o peito. A tinta é rejeitada pelo sangue e só se fixa bem nos lugares onde o corte foi um pouco mais fundo, mas o desenho está maravilhosamente nítido. Oito dias mais tarde, Zato pode exibir sua cabeça de tigre, a goela à mostra, a língua vermelha, os dentes brancos, as narinas, o bigode negro, os olhos. Estou satisfeito com a minha obra: a cabeça desse tigre está mais bela do que a do meu, seus tons estão mais vivos. Quando cai a casca da ferida, retoco alguns lugares com as agulhas. Zato está tão contente, que pediu seis espelhos a Zorrillo, um para cada cabana e dois para a dele.
Passam os dias, passam as semanas e os meses. Estamos em abril e há quatro meses que me encontro aqui. Minha saúde é excelente. Estou forte e os pés, acostumados a andar descalços, me permitem longas caminhadas sem cansaço algum, caçando lagartos grandes. Esqueci-me de dizer que, depois da minha primeira visita ao feiticeiro, tinha pedido a Zorrillo que me trouxesse tintura de iodo, água oxigenada, algodão, gaze, tabletes de quinino e Stovarsol. Tinha visto um preso no hospital com uma ferida grande como a do feiticeiro e Chatal, o enfermeiro, amassava uma pílula de Stovarsol e a aplicava no ferimento. Recebi tudo o que pedira e mais uma pomada que Zorrillo trouxera por sua conta. Mandei a faca pequena de madeira ao feiticeiro e ele me respondeu mandando a dele. Levei muito tempo e tive muita dificuldade em convencê-lo a deixar-me tratar dele, mas, depois de algumas visitas, a chaga estava reduzida à metade; em seguida, ele continuou o tratamento sozinho e, um belo dia, me enviou a faca grande de madeira para que eu fosse vê-lo completamente curado. Ninguém soube jamais que tinha sido eu quem o curara.
Minhas mulheres não me deixam. Quando Lali está pescando, Zoraima fica comigo. Quando Zoraima vai mergulhar, Lali me faz companhia.
Nasceu um filho de Zato. No momento em que sentiu as dores do parto, sua mulher foi para a praia, escondeu-se atrás de uma rocha que a protegia do olhar de todos e uma outra mulher de Zato lhe levou um cesto grande com broas, água doce e açúcar escuro não refinado. O nascimento deve ter ocorrido por volta das 4 horas da tarde, pois, no pôr do sol, ela apareceu caminhando em direção à aldeia, gritando e levantando os braços com o nenen. Antes de ela chegar, Zato já sabe que é um homem. Percebo que, se fosse uma menina, ela teria chegado sem gritar alegremente e não levantaria a criança nos braços, como estava fazendo. É Lali quem me explica isso, por mímica. A índia vem vindo, de repente pára e levanta o garoto. Zato estende os braços e grita, sem se mexer. Ela torna a andar alguns metros, levanta outra vez o garoto e volta a parar. Zato grita e estende novamente os braços. Nos últimos 30 ou 40 metros da caminhada da mulher, a cena se repete cinco ou seis vezes. Zato não sai dos umbrais da sua cabana: permanece diante da porta maior de sua casa e todos estão colocados à sua direita ou à sua esquerda. Quando chega a apenas cinco ou seis passos, a mãe ergue o filho, pára e grita. Então Zato avança, pega a criança, levanta-a em seus braços, volta-se para o oriente e grita três vezes, levantando três vezes o bebê. Senta-se, coloca a criança deitada atravessada sobre seu peito, sob o braço direito, com a cabeça sob a axila esquerda. Depois entra, sem se voltar, pela porta grande da casa. Todos o seguem e a mãe é quem entra por último. Bebemos todo o vinho fermentado que havia.