Pela primeira vez, hoje de manhã, vi um gesto de ciúme dela em relação a Zoraima. Eu estava acariciando o ventre e os seios de Zoraima e ela estava me mordendo o lóbulo das orelhas. Estávamos deitados na areia fina, num canto escondido da praia. Lali chegou, segurou a irmã pelo braço, passou a mão na barriga arredondada dela e depois em seu próprio ventre, liso e chato. Zoraima se levantou e deixou-lhe o lugar a meu lado, como quem dissesse: tens razão.
Todos os dias, as mulheres me dão comida, mas elas próprias não comem. Há três dias que não comem nada. Montei a cavalo e cometi um erro grave, o primeiro em mais de cinco meses: parti para visitar o feiticeiro sem antes ter pedido autorização. No caminho, percebi o que estava fazendo e, em vez de ir diretamente à tenda dele, fiquei dando voltas a cerca de 200 metros dela. Ele me viu e fez sinal para que eu fosse lá vê-lo. Da maneira que me foi possível, consegui fazê-lo entender que Lali e Zoraima não estão se alimentando mais. Ele me dá uma espécie de noz, que devo colocar na água doce da casa. Volto para a cabana e ponho a noz no jarrão. Elas bebem água vá-rias vezes e nem por isso recomeçam a comer. Lali não sai mais para pescar. Depois de quatro dias de absoluto jejum, ela fez hoje uma verdadeira loucura: entrou na água sem barco, nadou uns 200 metros, mergulhou e voltou com trinta ostras para eu comer. O desespero mudo delas me perturba a tal ponto, que também começo a não comer mais. Há seis dias que estamos nisso. Lali está deitada, com febre. Nestes seis dias, ela se limitou a chupar alguns limões, e foi só. Zoraima come uma vez por dia apenas, na hora do almoço, Não sei mais o que fazer. Estou sentado ao lado de Lali. Ela está deitada numa rede que estendi no chão, dobrada, para servir de cama, e olha fixamente para o teto, sem se mexer. Olho para ela, olho para Zoraima, cujo ventre está cada vez mais arredondado, e – sem saber exatamente por que – começo a chorar. Estarei chorando por mim? Por elas, talvez? Quem sabe. Choro, lágrimas grossas me correm pelo rosto. Zoraima as vê e começa a gemer; então, Lali volta a cabeça e também me vê chorando. Rapidamente ela se levanta, vem sentar-se entre as minhas pernas, gemendo com doçura. Beija-me e me acaricia. Zoraima me abraça e Lali começa a falar, sem parar de gemer, e Zoraima lhe responde. Zoraima parece que censura alguma coisa em Lali. Lali me mostra um pedaço grande de açúcar mascavado, dissolve-o na água e o bebe em dois goles. Depois, ela e Zoraima saem, ouço o barulho delas aparelhando o cavalo e, quando saio, encontro-o já selado e com os arreios. Pego a manta de pele de carneiro para Zoraima e Lali coloca uma rede dobrada sobre a sela. Zoraima monta em primeiro lugar, bem na frente, eu no meio, Lali atrás. Estou tão confuso, que parto sem me despedir dos outros e sem prevenir o chefe.
Pensando que nós íamos à cabana do feiticeiro, voltei o cavalo na direção dela, porém Lali diz que não, puxa as rédeas e diz: “Zorrillo”. Vamos ver Zorrillo. No caminho, segurando firme a minha cintura, por diversas vezes Lali me beija o pescoço. Por minha vez, seguro as rédeas com a mão esquerda e com a direita acaricio minha Zoraima. Chegamos ao povoado de Zorrillo no momento em que ele próprio estava vindo da Colômbia, com três burros e um cavalo carregado. Entramos em sua casa. Lali é a primeira a falar; depois fala Zoraima.
Zorrillo me explica que, até o momento em que eu começara a chorar, Lali estava pensando que eu fosse um branco que não dava importância nenhuma a ela. Sabia que eu ia partir, mas me achava falso como uma cobra, pois nunca o havia dito ou comunicado a ela. Estava profundamente decepcionada, pois se achava uma índia capaz de fazer a felicidade de um homem e um homem feliz não vai embora, de modo que a minha ida era um fracasso tão grave, que não valia mais a pena continuar a viver. Zoraima disse mais ou menos a mesma coisa, acrescentando que tinha medo de que seu filho saísse ao pai e fosse um homem sem palavra, falso, capaz de pedir a suas mulheres coisas difíceis de serem feitas e, embora elas dessem a própria vida por ele, deixá-las sem condições de entendê-lo. Por que eu estava para fugir delas como se elas fossem o cachorro que tinha me mordido no dia da minha chegada? Respondi:
– Se o seu pai estivesse doente, Lali, o que você faria?
– Andaria até sobre espinhos para ir curá-lo.
– Se perseguissem você como se persegue um animal, se tentassem matá-la, se lhe fizessem mal sem dar oportunidade de defesa, o que faria?
– Perseguida o meu inimigo por toda parte, para enterrá-lo tão fundo, que ele não pudesse nem se mexer em sua cova.
– E, depois de fazer essas coisas, se você tivesse duas mulheres maravilhosas esperando?
– Voltaria, montada num cavalo.
– Pois não tenha dúvida de que é o que eu farei.
– E se, quando você voltar, eu estiver velha e feia?
– Voltarei muito antes de você ficar feia e velha.
– Sim. Você deixou a água correr dos seus olhos, jamais poderia ter feito isso sem sinceridade. Assim, pode partir quando quiser, porém deve partir em pleno dia, diante de todos, e não como um ladrão. Deve partir como veio, na mesma hora, à tarde, inteiramente vestido. Deve dizer quem vai olhar por nós, dia e noite. Zato é o chefe, mas também deve haver outro homem olhando por nós. Deve dizer que a casa é sempre a sua casa e que nenhum homem, à exceção do seu filho (se é homem, a criança que está no ventre de Zoraima), deve entrar nela. Zorrillo precisa vir à nossa aldeia no dia da sua partida, para dizer o que você deve falar.
Dormimos na casa de Zorrillo. Foi uma noite deliciosa de ternura. Os murmúrios e os ruídos da boca dessas duas filhas da natureza tinham sons de amor tão perturbadores, que me abalavam profundamente. Voltamos os três a cavalo, devagar, por causa da gravidez de Zoraima. Devo partir oito dias depois da primeira lua, porque Lali desconfia de que ela também está grávida, pois na última lua não viu sangue algum e, se nesta nova lua o sangue não aparecer outra vez, terá certeza de que está esperando bebê. Zorrillo trará todas as roupas de que eu preciso: devo me vestir na aldeia, depois de ter falado como guajiro, quer dizer, nu. Na véspera, nós três precisamos ir à cabana do feiticeiro e ele nos dirá se devemos deixar a porta da casa aberta ou fechada. Essa volta à aldeia, lenta, não teve nada de triste. Elas preferem saber das coisas a serem abandonadas em uma situação ridícula ante as outras mulheres e os homens do povoado. Quando Zoraima tiver o filho, ela sairá com um pescador para apanhar muitas pérolas, que guardará para mim. Para se manter ocupada, Lali também passará mais tempo diariamente pescando. Lamento não ter aprendido mais do que uma dúzia de palavras em guajiro: gostaria de lhes dizer tantas coisas que não podem ser ditas através de um intérprete! Chegamos. A primeira coisa que devo fazer é ver Zato, para explicar-lhe que me desculpo por ter saído sem falar com ele. Zato é tão nobre como seu pai. Antes de eu falar, ele põe a mão no meu ombro e me diz: “Uilu”‘ (cala-te). A lua nova será dentro de doze dias. Com mais oito que devo esperar depois dela, dentro de vinte dias estarei partindo.
Torno a examinar o mapa, mudando alguns pormenores na passagem pelas cidades. Ao fazê-lo, penso outra vez no que me disse Justo. Onde é que eu seria mais feliz do que aqui, onde todos me querem bem? Decidindo voltar para a civilização, não estou me condenando à infelicidade? O futuro o dirá.